Chief Automation Officer (CAO): para entrar de vez na quarta revolução industrial

Flávio Thimotio
Optimization Management Office
7 min readAug 22, 2018

Não só o mundo da tecnologia da informação adora os jargões tecnológicos. Eles permeiam as reuniões e discursos corporativos. Porém, um conceito está cada vez mais frequente nas organizações industriais e trata-se da Industria 4.0, ou I4.0. Muitas vezes, o conceito vem misturado com o também recente Industrial Internet of Things (IIoT).

Para quem ainda não se familiarizou com o termo, Industria 4.0 é o nome dado pelos alemães, e adotado deste então, à quarta revolução industrial. Pela definição (1,2), primeiro veio a mecanização, depois a divisão do trabalho e a energia elétrica. A terceira revolução foi definida pela aplicação da eletrônica e da tecnologia da informação no processo produtivo, impulsionando o ramo do conhecimento que hoje conhecemos por Engenharia de Controle e Automação e Mecatrônica.

Pois bem. E a quarta revolução?

De forma resumida, a quarta revolução se baseia no conceito de Smart Industries (1). Sistemas ciber-fisicos integrados ao processo produtivo, com capacidade de tomada de decisão em tempo real e customização on-demand, sem set-up. Tudo isto de forma bem simplista, ok? Mais detalhes nas referências (2)

A onda “smart” vem forte em todos os conceitos

Confesso que fico um pouco ofendido com este conceito. Tudo isto soa como se não fossemos smart o suficiente até o momento. Mas o verbete é legal: “Smart Industries”. Todo mundo vai querer uma, certo? Por que não ser smart?

Podemos agora dividir o raciocínio em duas partes.

Primeiro ponto: Particularmente, em se tratando de Brasil, acredito que precisamos avançar muito no terceiro estágio desta revolução, antes de pensar na quarta etapa de desenvolvimento. Tudo isto às custas de vivermos mais uma frustração na adaptação tupiniquim das tendências tecnológicas mundiais. Ou podemos fazer a abordagem leapfroging, mas esta seria uma tarefa de grande engajamento e investimento. Este assunto é para um outro artigo.

Pareço pessimista? Nem tanto. Pergunte a alguém que trabalhe com instrumentação na indústria e verá as dificuldades enfrentadas em grande parte da indústria sobre medição e controle de forma geral. Alguns ramos necessitam da instrumentação por ser o core bussines, mas é definitivamente uma disciplina que carece muito de investimento, principalmente na base instalada.

Vamos a alguns fatos.

Um estudo da ExpertTune Inc., empresa que desenvolveu o software de monitoramento de performance de malhas de controle industriais (PlantTriage), revelou que 75% dos controles realizados por malhas PID estão na verdade aumentando a variabilidade dos processos.

Outro fato alarmante é que grande parte destas malhas, por não operarem conforme esperado, são desativadas pelos operadores: colocados em modo manual.

O mau desempenho acontece, em grande parte, devido a problemas de configuração nas malhas e ao erro no dimensionamento de atuadores.

Em um artigo recente em revista de grande circulação foi relatado um caso de sucesso da aplicação de controle de caldeiraria com ganhos em economia de energia em uma grande indústria no Brasil. No artigo dizia: “Temos aqui um caso de aplicação de Industria 4.0 de sucesso”. Neste ponto vou poupar a referência por não ser conveniente. Convenhamos, isto se enquadra como projeto de Automação e Controle convencional, ou Industria 3.0 se assim desejarem chamar.

Não é por que demoramos a entrar no jogo que “vamos sentar na janelinha”, certo?

Segundo ponto: a verdadeira mudança nasce na estratégia da empresa. E este é o ponto que gostaria de explorar daqui em diante.

Novo membro na C-SUITE — Chief Automation Officer

Há duas décadas, um conceito foi introduzido no mundo dos negócios que revolucionaria a forma como as organizações gerenciavam suas funções de TI. Foi a introdução do conhecido como Chief Information Officer (CIO). Enquanto no começo parecia quase inútil adicionar outro título de C-Suite (3), os CIOs tornaram-se rapidamente uma das partes mais integrantes da administração executiva em quase todos os negócios de médio a grande porte (4).

Devido ao reconhecimento da importância estratégica das tecnologias da informação nas organizações, já se discute a transformação do CIO em CDO, ou Chief Digital Officers — profissionais responsáveis por ajudar a conduzir a mudança digitais nas organizações, posicionando a área de TI de forma ainda mais estratégica.

“Nesse novo cenário, os CIOs precisam aprender novas receitas e formas de trabalhar para que possam alavancar a digitalização nas suas empresas. Metodologias para se trabalhar em um ambiente conectado, como Design Thinking, DevOps, estruturas bimodais, laboratórios e incubadoras, são fundamentais nesse processo”. Charles Hagler, diretor de transformação digital da TOTVS sobre a sua palestra no Gartner Symposium ITXPO 2016.

Os CIOs desempenham um papel essencial na gestão do lado da tecnologia do negócio, mas eles não podem fazer tudo, principalmente quando se trata de um ambiente industrial. As referências internacionais de interface campo-TI e padrões transacionais para nível corporativo estão listadas nas normas da ANSI ISA-95 (IEC 62246).

ANSI/ISA-95.00.01-2010 (IEC 62264-1 Mod) - Enterprise-Control System Integration - Part 1: Models and Terminology
ANSI/ISA-95.00.02-2010 (IEC 62264-2 Mod) - Enterprise-Control System Integration - Part 2: Object Model Attributes
ANSI/ISA-95.00.03-2013 (IEC 62264-3 Modified) - Enterprise-Control System Integration - Part 3: Activity Models of Manufacturing Operations Management
ANSI/ISA-95.00.04-2012 - Enterprise-Control System Integration - Part 4: Objects and attributes for manufacturing operations management integration
ANSI/ISA-95.00.05-2013 - Enterprise-Control System Integration - Part 5: Business-to-Manufacturing Transactions
ANSI/ISA-95.00.06-2014 - Enterprise-Control System Integration - Part 6: Messaging Service Model

É comum as empresas materializarem esta interface em soluções de Manufacturing Execution System (MES) e a integração destes ao ERP. Tem empresas gigantes que estão implantando o MES até os dias de hoje. Mas Indústria 4.0 vai muito além disso.

A adição de uma nova posição da C-Suit teria o mesmo propósito do CIO: ajudar as empresas a garantir o melhor uso possível de recursos e pessoal, reunir departamentos dispersos para criar uma abordagem mais abrangente e desenvolver uma estratégia de automação mais completa, que crie eficiência em todo o negócio na implantação efetiva da quarta revolução industrial.

Enfim, chegamos ao proposito deste artigo

A adoção do Chief Automation Officer (CAO) seria a declaração de que a corporação tem objetivos estratégicos claros para incorporação dos conceitos da I4.0 e IIoT na sua cultura. E temos que incorporar os aspectos da cultura da empresa no contexto, pois não podemos esquecer Peter Drucker: “A cultura engole a estratégia no café da manhã”.

O trabalho do CAO é desdobrar decisões estratégicas nas ações táticas de seleção de tecnologia e desenvolvimento tecnológico em relação a hardware e software industriais (exatamente, nem tudo é PC, smartphone e servidores), além de unificar o discurso, manter a coesão dentro da corporação e somar esforços que, comumente, estão dispersos em diversas configurações organizacionais que abrangem as disciplinas de automação, telecomunicações, instrumentação e eletrônica.

Este novo papel é a proposta para colmatar o hiato entre os objetivos do negócio e os diversos processos e disciplinas que envolvem a automação industrial, com o objetivo final de alavancar a eficiência ao ponto ótimo. E, embora algumas empresas já estejam desenvolvendo a automação, o trabalho da CAO é dar um passo atrás e examinar essas áreas como parte de uma estratégia de automação geral — essencialmente avaliando cada parte da linha de montagem/produção e desenvolvendo uma estratégia única de desenvolvimento e incorporação da tecnologia na cultura da empresa. A diretoria de ferrosos da Vale fez uma declaração muito feliz neste sentido (8).

A verdadeira quarta revolução não vai ocorrer na nuvem. Será no dispositivo final, no controle do processo e como este controle se integra aos sistemas de decisão e controle das operações. Ele será incorporado no sensor e atuador que permite ao processo transformar a matéria no produto dentro dos equipamentos industriais.

E aqui surge a grande divergência de visões entre as empresas de Information Technology (IT) e as empresas de Operation Technology (OT).

As ITs, e consequentemente os CIOs, tendem a enxergar a Industrial IoT como um subset de tecnologias, enquanto as OTs entendem que a Industrial IoT representa uma área de conhecimento complementar específica. Esta divergência não objetiva traz apenas a reflexão de quão abrangente e veloz será a adoção das tecnologias na indústria, e particularmente confio que o ponto de vista das OTs potencializa a implantação eficaz das tecnologias na indústria.

Outro ponto crucial é a segurança digital, que está cada vez mais inserida no ambiente industrial. À medida que as empresas começam a reconhecer o papel que a automação pode desempenhar na resposta ao incidente de segurança cibernética, a necessidade de liderança dedicada nessa área também aumentará (6).

Os impactos de um ataque cibernético na linha de produção podem envolver acidentes graves, com consequentes danos ambientais, de imagem e de vidas humanas, dependendo da proporção e risco do processo produtivo. Isto vai muito além dos dados de clientes e de transações financeiras da empresa.

Por fim, o papel mais nobre deste executivo seria atuar ativamente na estratégia de desenvolvimento da força de trabalho (5) que será impactada pelos processos de automação e de utilização dos sistemas ciber-fisicos. Renegar este processo exclusivamente ao RH pode ser uma catástrofe, visto que as estratégias podem ser agressivas o suficiente para eliminar o operador do sistema.

Os impactos da adoção de tecnologias nos processos industriais na mão de obra representam uma ameaça à cultura de muitas empresas. Este aspecto, por si só, merece uma atenção especial dentro das organizações socialmente responsáveis.

Compartilhe sua opinião.

Não tenho a pretensão de ser exaustivo, mas apenas fomentar um debate. E você? Acredita que o CAO poderia alavancar a adoção de tecnologias e promover a quarta revolução industrial. Deixe seu comentário, serão muito bem-vindos.

Agradeço à colaboração de Marcio Aurelio dos Santos e Fernando Andrade Pires. Suas idéias ajudaram bastante na contrução deste artigo.

Abraços.

Referências:

(1) http://english.bdi.eu/article/news/what-is-industry-40/

(2) https://www.gtai.de/GTAI/Content/EN/Invest/_SharedDocs/Downloads/GTAI/Brochures/Industries/industrie4.0-smart-manufacturing-for-the-future-en.pdf

(3) http://searchcio.techtarget.com/definition/C-level

(4) http://www.bridgeconsulting.com.br/cio_ti_estrategica#sthash.OCKx4Zrd.dpbs

(5) https://www.educate.hu/single-post/2017/05/13/The-Fourth-Industrial-Revolution-is-on-the-edge---how-does-it-impact-the-skills-that-we-need

(6) https://www.arcweb.com/blog/traditional-security-no-longer-adequate-protect-industrial-environments-cyber-threats

(7) http://www.expertune.com/articles/WPPIDConfigErrors.pdf

(8) http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,para-ganhar-mercado-na-china-vale-busca-atrair-pequenas-siderurgicas-locais,70001942369m

--

--