A (in)visibilidade bi e um microscópio pra enxergar a gente mesmo

Melissa Setubal
oqueaprendihoje
Published in
3 min readJul 11, 2018

Assumir a bissexualidade para a geral é quase como descobrir que se é um daqueles seres que só vivem nas profundezas escuras do oceano. As pessoas te olham com curiosidade, espanto, repulsa, meio que “legal essa diversidade de vida existir nos mares, mas deixa isso quieto lá, não quero ser eu quem vai encontrar um desses pela frente”.

A micro websérie Queering, no YouTube, traz essa perspectiva à tona, com ainda um detalhezinho para adicionar mais uma camada do preconceito existente: o fato de que a pessoa em questão já passou dos quarenta, é mãe de uma lésbica, casada com um homem há muitas décadas.

Ela percebe os dois lados da moeda: rejeição de quem ela mais esperava acolhimento, no caso da filha que saiu do armário ainda adolescente, e acolhimento de quem nem conhece, estranhos a param na rua para elogiá-la, a melhor amiga da filha basicamente a adota.

Aliás, a melhor cena da série é justamente a amiga da filha ensinando-a as técnicas de uso da língua pra você sabe o quê.

O roteiro protagoniza mais o ponto de vista da filha abilolada com essa ‘novidade’ da mãe, e as razões dessa resistência dela em aceitar que a mãe é bi vão se descortinando ao longo dos episódios.

Mas o que mais me surpreendeu foi justamente a história dessa mulher mais velha que corajosamente/ingenuamente fala do que deve ter morado dentro dela a vida inteira e nunca teve a chance de vir à tona, nem pra si mesma. Até vir. E ela decidir começar a viver isso do lado de fora, para todo mundo ver.

O jeito que roteiro e atuação trazem leveza e autenticidade para um assunto que pode trazer muito drama na vida real e que é extremamente pouco e mal representado na mídia foi uma das coisas que me fez me surpreender e adorar essa série.

Isso me tocou profundamente. Para até além dessa história de sexualidade, que sinceramente não consigo entender o porquê que isso é algo que mexe tanto com as pessoas, como cada ser expressa a sua (quando há total consentimento de com quem se interage), o fato de que temos que medir bem se/quando/com quem sair do armário, etc etc.

A série me fez parar para pensar em todas as coisas que a gente nem sabe que existiam/existem dentro da gente, e ficaram ali como semente dormente às vezes por décadas, seja por causa da cultura em que fomos criadas que não nos oferece essa possibilidade, seja por causa das camadas de autoconhecimento que vamos descortinando, seja porque mesmo sabendo reprimimos temendo nossa segurança e rejeição.

O único ponto que me deixou insatisfeita com a série foi ter episódios e temporada tão curtinhos (e ainda não ter legendas em português). Deu muita curiosidade saber o que virá para a Val em seguida, na sua vida assumida de mulher bi. E deixando florecer essa sua verdade.

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