Precisamos falar de Hannah Gadsby e da dor por trás dos risos

Melissa Setubal
oqueaprendihoje
Published in
2 min readJul 11, 2018

Um belo dia os algorítimos do Netflix piscaram esse especial de stand-up comedy na minha timeline. “Ei, eu conheço essa pessoa de ‘Please Like Me’ (uma série australiana genial). Gostei dela lá. Vou dar uma chance”.

Vale dizer que dou muito pouca chance pra esse formato. Não sou fã de comédia falada em monólogo. Nem paciência pro Seinfeld, que fui grande fã nos anos 2000, eu tenho mais.

Dou chance mais pra mulheres e um carinha ou outro que sei que tem uma visão mais inteligente e que ainda tem uma ficha nada (ou pouco) manchada com o feminismo.

Mas Hannah Gadsby fez o impensável neste especial. Ela MATOU a comédia stand-up de uma forma elegante e fatal. Ela fez isso no requinte do seu terno ‘esteriotípico’ de lésbica, com uma habilidade cirúrgica e uma vulnerabilidade sem precedentes pra este formato.

Não é a toa que todo mundo que assiste, inclusive amigos homens pouco engajados nos assuntos dos sentimentos e das minorias, são tocados.
Eu não quero dar spoilers, mas ao mesmo tempo eu quero mostrar o que de importante essa mulher fez com esse ato de ‘sincericídio’.

Ela pegou as risadas, e usou não mais para disfarçar a dor pros outros. anestesiar para ela mesma, ou se fazer popular. Porque o conteúdo do show está longe de ser pop.

Porque ele é SO FUCKING REAL! É a dor de todo mundo, e ao mesmo tempo é só dela. Tem o poder de fazer você sentir empatia e compaixão, e saber que você tem responsabilidade naquilo, sem disfarces.

Vai além de fazer rir ou chorar ou pensar. Faz você perceber que não há escolha a não ser fazer alguma coisa a respeito. Porque não temos chance de continuar nessa face dessa Terra sofrendo dessa forma. E ela mostra suas entranhas com uma fineza sobre isso, que você tem que olhar pra suas, e lembrar de marcar sua terapia urgente e começar a meditar agora.

Como ela diz: as histórias tem poder. E ela não só ousa contar a dela sem panos quentes e sem pedir desculpas e sem se vitimizar e sem querer dar lição de moral, como ainda faz na classe.

Ela é a rainha da autodepreciação renunciando seu trono, e lembrando todo mundo que essa merda toda é uma ilusão, e que ela vai fazer você ver o que é real. E dolorido. E real. E libertador. E real.

Ainda tá lendo esse negócio aqui? Para agora e vai assistir. E depois volta aqui e me conta.

--

--