Quando o perfeccionismo encontra a tentativa e erro

Melissa Setubal
oqueaprendihoje
Published in
3 min readJul 14, 2018

A nova obsessão dos programas de culinária de competição são as sobremesas. Para quem não entende muito de gastronomia vale dizer fazer sobremesas um pouquinho mais elaboradas que um brigadeiro de colher é algo que assusta e borras as calças até chef bem experientes.

Fazer sobremesas profissionalmente te faz encarar o fato de que tudo pode dar errado a menor variação na mão de quem cozinha, ou seja, solar o bolo é fichinha. Meio grau celsius já faz o doce virar algo incomível, imagina o que a pressão de uma competição não faz.

Sou consumidora voraz de programas de culinária há décadas, desde os programas que ensinam a cozinhar, passando pelos de viagens e comida, e os adorados reality shows.

Três andam no meu radar: Mandou bem! (Nailed it!), Zumbo Just Deserts e Top Chef. Quem participa em cada um deles tem um perfil diferente. O primeiro são pessoas que tem pouca experiência em casa ou nenhuma. O segundo bastante experiência em casa e com alguma pretenção profissional. O terceiro profissionais com bastante experiência.

Nos três, o desespero na cara dos participantes parece ser o mesmo quando notam que uma coisinha está parecendo não estar dando certo na sua sobremesa. Eles sabem que o efeito dominó vai acontecer e que a probabilidade de tudo dar errado em sua sobremesa, e eles serem humilhados internacionalmente, é gigante.

Mas há uma distinção forte entre o primeiro show e os dois últimos. Os que tem o peso do profissionalismo nos ombros dos participante levam eles aos prantos ou a ataques de fúria. Em Mandou bem! leva todo mundo às risadas!

Fiquei refletindo sobre isso, e sobre a cultura do perfeccionismo, da competição como caminho para sucesso e status, e da intolerância ao erro.
Mandou bem! vem e joga uma torta de creme na cara disso. Porque os competidores sabem que eles foram lá para errar!

E jogou na minha cara a minha autocrítica imensa, meu desconforto tremendo em ver alguém errando (tanto por vergonha alheia, quanto a vontade control freak de ir lá e fazer do meu jeito, como também ficar com dozinha e enxergar a pessoa que falhou como vítima), e o quanto esse modus operandi de que temos muito a provar para gente mesma e para os outros está entranhado na minha mente.

Ao mesmo tempo, programas de profissionais (ou aspirantes a) me proporcionam uma visão de o que é possível na vida quando dedicamos a aperfeiçoar algo, a usar nossa criatividade para além das nossas limitações, e a investigar um equilíbrio emocional diante de circunstâncias de pressão e adversidade.

Eu ando investigando formas de levar minha vida de forma mais harmoniosa e leve, e sem perder a profundidade e seriedade com que já vivo.
Juntando esses três programas acho que dá para tirar muitas inspirações para criar coisas gostosas para muito além da cozinha. Para a vida.

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