Design universal e inclusão

Acessibilidade no mundo real

Yippie
Oré!
13 min readAug 30, 2021

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Trabalho acadêmico desenvolvido por Hellen Luz, Heloísa Barbieri e Milena Kawai

Já esteve em um lugar onde você se sentiu deslocado? Já se sentiu frustrado(a) por não conseguir realizar uma atividade que parecia fácil? Já se sentiu “estranho” por fazer algo muito diferente dos outros? Todos nós já passamos por situações como estas, pois somos seres diversos e temos nossas restrições. Mas muitos de nós conseguem se adaptar e até mesmo evitar essas situações desagradáveis, mas já pensou viver essas e muitas outras todos os dias?

Diferença entre acessibilidade e universalidade (design universal)

A acessibilidade é um direito de todos e a inclusão das pessoas com deficiência tem ocorrido com mais frequência na sociedade, ainda incompleta mas vem melhorando ao longo dos anos. Pensar em acessibilidade ainda é, por muitas vezes, algo mais corretivo do que preventivo, pois é pensado em executá-la quando há alguma necessidade específica. Não se fazem produtos e construções pensando em todos os tipos físicos. Por isso, o melhor caminho é pensar na inclusão não apenas como um conceito isolado, criando soluções para grupos específicos, mas sim buscar uma sociedade com acesso universal, sem segregações, onde todos sejam atendidos. Se observarmos a nossa volta ninguém é igual a ninguém e todos possuem suas limitações, por isso o Design Universal (inclusivo) deve ser mais visado do que apenas busca pela acessibilidade que, por muitas vezes se torna segregadora, pensada em espaços exclusivos para uma minoria, diferente do Design Universal que se baseia na universalidade. A meta é criar ambientes ou produtos que possam ser alcançados, manipulados e usados, independentemente do tamanho do corpo de cada pessoa, sua postura ou sua mobilidade. Desta forma, o correto é planejar pensando na diversidade das pessoas: altos e baixos, anões, idosos, crianças, gestantes, bebês em carrinhos, obesos, pessoas com deficiências ou com mobilidade reduzida, entre outros. Somos seres diversos e a normalidade é que os usuários sejam muito diferentes mesmo e, com isso, os projetos serão utilizados de maneiras diferentes, dentro das capacidade físicas e cognitivas de cada um.

As vantagens por optar por projetos planejados através do Design universal são que eles possibilitam a redução de custos gerados por adaptações. Por exemplo, um ambiente que foi planejado sem rampas de acesso ou elevadores vai, em algum momento, perceber a dificuldade das pessoas com baixa mobilidade e terá que realizar adaptações para se adequar ao seu público. Desta forma poderá garantir a inclusão daqueles que possuem limitação de movimento, permitindo que utilizem os espaços ou itens com autonomia. Este é um aspecto muito importante dentro deste conceito, no qual por meio dos produtos desenvolvidos possibilita a independência, bem como se atentar em buscar atender a maior quantidade de diferenças, pois as pessoas não possuem as mesmas habilidades. Poucos compreendem a capacidade de transformar e democratizar a vida das pessoas que o Design Universal tem, através de aspectos como a infraestrutura urbana, casas bem planejadas e outros espaços e produtos do dia a dia, esse é um dos tópicos a ser abordado a seguir.

Esse conceito surgiu durante a Revolução Industrial, quando a massificação dos processos produtivos foi questionada, perguntando o porquê as coisas eram criadas pensando em estruturar modelos de forma igual, sendo que as pessoas não são iguais. O conforto está amplamente ligado a fatores físicos de cada indivíduo, e determinar alturas e espaços padrões impossibilita a sensação de conforto para as diversidades. Pensando nisso, países como o Japão, EUA e nações europeias se uniram para reestruturar este conceito de massificação das medidas, onde se produzia para o homem padrão, que não atendia todas as estaturas existentes. A partir daí, em 1963, surge em Washington a Barrier Free Design (Design sem barreiras), que tinha por objetivo discutir sobre a criação de ambientes e produtos adequados a pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. Mais tarde esse conceito foi discutido com mais profundidade nos EUA e o arquiteto Ron Mace mudou o nome para Universal Design (design Universal), que tem como objetivo não só atender pessoas com deficiências, mas com a percepção de aproximar o que é projetado e produzido, para ser utilizáveis por todas as pessoas. Na década de 90, Ron Mace junto a um grupo de outros arquitetos e defensores desses ideais, estabeleceu sete princípios básicos do Design universal. Estes conceitos são adotados para qualquer programa de acessibilidade plena. Os princípios são:

  • Igualitário: Todos os objetos e espaços devem ser desenvolvidos para serem utilizados por qualquer pessoa, independente de suas capacidades motoras.
    Por exemplo: Maçanetas de portas e puxadores de armários que facilitam a pega, minimizem a força e estejam à altura de todos.
  • Adaptável: Todos os espaços e objetos precisam ser adaptáveis a diferentes usos.
    Por exemplo: Objetos que possam ser utilizados por destros e canhotos.
  • Óbvio: Tudo deve ser desenvolvido pensando na facilidade de compreensão do uso, independente de sua experiências, habilidades e até mesmo nível de concentração.
    Por exemplo: Placas de sinalização, como as que indicam banheiro para pessoas com deficiência.
  • Conhecido: Pensar em transmitir a informação de forma a ser compreendida independe das necessidades do receptor, sendo este pessoas com baixa visão, audição ou até mesmo estrangeiros.
    Por exemplo: Placas de sinalização com escritas em braille e outra língua estrangeira como inglês.
  • Seguro: Planejar buscando sempre minimizar os riscos e prevenir possíveis acidentes.
    Por exemplo: Portas automáticas e de elevadores com os sensores em diversas alturas.
  • Sem esforço: Objetos que possam ser utilizados de forma eficiente, que não causem fadiga e possam ser manuseados de forma confortável.
    Por exemplo: Maçanetas e torneiras do tipo alavanca, monocomando ou com sensor facilitam o manuseio por pessoas com força ou destreza limitada das mãos.
  • Abrangente: Planejar pensando em espaços e dimensões adequadas para o uso independente da mobilidade ou tamanho do corpo.
    Por exemplo: Banheiros com dimensões adequadas para cadeirantes.

No Brasil o conceito de Design Universal teve início em 1980, com o intuito de conscientizar os profissionais da área de construção. Mas apenas em 1981 o tema se tornou amplamente discutido, surgindo algumas leis para regulamentar o acesso a todos, devido ao fato de que este foi o ano que foi declarado como Ano Internacional de Atenção às Pessoas com Deficiência. Já em 1985 foi criado a primeira norma técnica brasileira pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) sobre a acessibilidade com o tema “Acessibilidade a edificações, mobiliários, espaços e equipamentos urbanos à pessoa portadora de deficiência”. Esta é uma das formas de aplicar o Design Universal, se atentando às regulamentações presentes nas normas de acessibilidade da ABNT, nelas encontram-se medidas específicas de alturas, largura de ambientes e portas, tudo isso visando garantir a efetividade desse ambiente inclusivo para todos. Entretanto, não é preciso ser um profissional de uma área específica, como designer, arquiteto ou engenheiro para aplicar o Design Universal. Dentro da casa de cada pessoa ela pode aplicar esse conceito se atentando por exemplo a distribuição dos móveis, altura, pisos e tapetes escorregadios. Pois esse é um conceito que visa o bem e ser acessível a todos.

Assim, para aplicar o desenho universal é preciso conhecer as diferentes necessidades e pensar nelas antes de começar uma construção, a fim de evitar que sejam feitas adaptações. Além disso, é preciso ter em mente que dessa forma será possível incluir a todos, aumentar os ganhos e visibilidade das marcas que com inclusão podem aumentar seu alcance. Projetos que não aplicam esse conceito podem trazer consequências negativas para a marca em relação ao público.

Maus exemplos de inclusão

Separamos alguns exemplos de marcas que buscam incluir pessoas diversas, porém não se atentam a fatores que promovem mais a segregação do que a inclusão.

Algo que ocorre muito na indústria da moda é a criação de peças que supostamente deveriam ser o mesmo modelo, porém são totalmente diferentes entre seus tamanhos.

Mesmo modelo de roupa em diferentes tamanhos

Enquanto os tamanhos P e M (pequeno e médio respectivamente) são iguais ao modelo à esquerda, uma mulher que gostaria dessa peça em seu tamanho G ou XG (grande e extragrande respectivamente), não a encontra nos mesmos moldes. Ela se depara com peças muito mais conservadoras, cobrindo muito mais a área corporal do que a de tamanho menor sugere. Isso causa um constrangimento na compradora, com esta distinção implicando que pessoas com corpos maiores não podem e não devem mostrar tanta pele quanto pessoas com corpos menores. Ou, quando as marcas mantêm o mesmo molde para todos, o G não tem uma diferença substancial do molde P. Ou seja, no final das contas essa inclusão de pessoas com corpos maiores, acaba se mostrando uma forma de preconceito velado, já que as roupas em moldes diferentes passa uma mensagem de “você só pode se vestir assim” e também gera constrangimento quando a peça, apesar de ser denominada G ou XG, não é muito maior que as peças menores, muitas vezes impedindo a compra.

Ainda dentro do mundo da moda, durante as Paraolimpíadas de 2016, houve uma campanha da Vogue para promover os jogos. Entretanto, eles não utilizaram atletas paraolímpicos para isso e sim optaram por figuras públicas.

Campanha da Vogue para as Paraolimpíadas 2016

As estrelas da campanha foram os atores Cléo Pires e Paulo Vilhena que, por sua vez, não possuem qualquer tipo de deficiência. Foi feito manipulação de imagem para que os atores possuíssem membros amputados. A ideia do projeto era atrair visibilidade para as Paraolimpíadas e ajudar na venda de ingressos, porém a forma escolhida de divulgação causou uma impressão oposta, denegrindo totalmente com o conceito de dar visibilidade e representatividade aos deficientes. Inclusive, as edições foram feitas em cima de deficiências de atletas paraolímpicos brasileiros. Cléo como a atleta do tênis de mesa Bruna Alexandre e Paulo Vilhena como Renato Leite, atleta do vôlei sentado. Por que não utilizaram os atletas, e sim suas deficiências em pessoas não deficientes? Essa tentativa abominável de publicidade foi recebida negativamente pelo público, afinal que tipo de propaganda inclusiva exclui aqueles que representa?

Cleo Pires era embaixadora das Paraolimpíadas e, de acordo com o diretor de arte da revista Vogue, Clayton Carneiro, a ideia toda da campanha foi dela. Como a embaixadora do evento não se informou melhor do que é apropriado ou não para a divulgação? Este ocorrido só mostra a falta de percepção de que não é qualquer “ajuda” que vai melhorar as coisas. Esta campanha partiu do preceito que usar uma celebridade para qualquer coisa vai funcionar, não importando do que se trate.

Outro exemplo de uma acessibilidade ruim são as prateleiras de mercado altas. Elas dificultam o acesso de pessoas com menor estatura, e também podem as constranger por se sentirem incapazes de alcançar as prateleiras mais altas que são facilmente alcançadas por outros.

Prateleiras que são dificilmente acessíveis

Um exemplo para curitibanos, podemos comparar duas redes de mercado: Carrefour e o Festval. Esses mercados têm públicos e marketings alcançando diferentes classes sociais, mas aqui destacamos uma outra diferença: prateleiras de estrutura consideravelmente diferentes. As prateleiras do Hipermercado Carrefour no Parolin, por exemplo, tem mais de 1,70 m de altura. Mesmo que estratégias de mercado digam que os produtos mais desejados estejam nas prateleiras do meio — que seria na “altura dos olhos” — essas prateleiras muito altas, muitas vezes se tornam um empecilho na compra não só pessoas cadeirantes, mas também pessoas com uma estatura mais baixa. Ter de pedir para outra pessoa alcançar o produto traz o sentimento de dependência e constrangimento, até mesmo para realizar uma tarefa cotidiana, fazendo com que pessoas desistam da compra por esse problema. Sem contar que projetos assim fazem o indivíduo questionar a si mesmo e suas capacidades e não identificar que o problema está no produto e não em si mesmo. Para atender essa falta de planejamento, é colocado em contraposição ao Carrefour as prateleiras do supermercado Festval, que possuem cerca de 1,60 m de altura. Esse estilo de prateleira permite às pessoas mais altas terem uma visão perimetral do supermercado e as pessoas de baixa estatura alcançarem todos os produtos em exposição, dando mais independência e evitando situações constrangedoras.

Bons exemplos de inclusão.

Aqui apresentamos exemplos de produtos e marcas que se atentaram às necessidades das pessoas, pensando em suas diferenças e tentando incluir de fato os mais diversos públicos.

Maçaneta facilita encontrar o buraco da chave

Essa fechadura é adaptada para facilitar a entrada da chave no buraco do tambor. A vantagem desse projeto é que ele pode simplificar a vida de todos. Desde pessoas com mais dificuldade para acertar o buraco em fechaduras comuns, pessoas com pouco controle na mão, tremores, mal de Parkinson e também pessoas que chegam bêbadas em casa. Esse estilo de fechadura pode ter sido projetado para um nicho específico, mas a sua proposta pode auxiliar muitos outros indivíduos que também sofrem desse problema. Pensando a respeito dos princípios do Design Universal nesse projeto podemos ver que grande parte dos princípios são encontrados nele, pois o mesmo pode ser utilizado por qualquer pessoas das mais diversas capacidades motoras, é um objeto de fácil compreensão de uso, minimiza o risco de erros, como derrubar as chaves e é de fácil manuseio principalmente para pessoas que tem dificuldades motoras nas mãos.

Lego Braille Bricks

A Lego criou uma versão dos seus blocos de montar como uma metodologia baseada em brincar, que ensina o braille para crianças cegas e com deficiência visual. A diferença desses blocos é que cada um corresponde às letras e números do alfabeto braille. A ideia da Fundação Lego e do Grupo Lego é oferecer os Blocos Braille Lego para instituições que atendem crianças com deficiência visual, sendo o projeto sem fins lucrativos e distribuído para profissionais das instituições selecionadas. E este projeto também auxilia na comunicação e interação com outras crianças facilitando o brincar, indo além da facilidade de ensino mas incluindo essas crianças nas brincadeiras com as demais. Dentro desse projeto podemos analisar os seguinte princípios, o igualitários e adaptável, onde todas as crianças independente de suas capacidade podem brincar e aprender juntas; e o conhecido que facilita a aprendizagem da alfabetização junto ao braille.

Calçados fáceis de se colocar

Sapatos de calçamento facilitado são muito vistos em pés de crianças, pois os mecanismos de abre e fecha são mais simples para os pequenos. Entretanto, sua função também é muito necessária para auxiliar pessoas adultas com destreza limitada nas mãos. A existência destes modelos de sapato em diferentes tamanhos assiste no cotidiano de muitas pessoas, facilitando a usabilidade, fornecendo a independência que não é concedida no caso de sapatos com cadarço, por exemplo. A marca Nike criou um tênis que pode ser calçado totalmente sem o auxílio das mãos, chamado Go FlyEase, que atende não somente a necessidade de pessoas que possuem restrições, mas também é um produto que atende pessoas que buscam por soluções criativas, acessíveis e de fácil uso. Dentro deste exemplo podemos citar que os princípios utilizados foram o igualitário e o adaptável pois é um produto que possibilita a inclusão das mais variadas diversidades; e é seguro e sem esforço e um dos aspectos que traz isso é o fato de não ter cadarço, minimizando acidente e promovendo maior conforto e independência.

Conclusão

Através dos exemplos mostrados é possível perceber que nem todo produto que se diz inclusivo atinge, de fato, a inclusão. É necessário muita pesquisa, conversa com os usuários mais distintos para poder entender quais são suas dificuldades e limitações e, principalmente, é necessário projetar com foco no conforto e bem-estar das pessoas, não somente físico, mas também psicológico, em vez de se preocupar meramente com produtos que podem gerar mais lucro. Quando a acessibilidade pode ser atingida deveria ser obrigação moral das empresas implementá-la, independente dos custos que as adaptações podem gerar, pois para qualquer pessoa é frustrante comprar algo que não possa ser eficientemente utilizado por falta de cuidado da empresa produtora.

Os princípios de design universal ainda não são amplamente utilizados, muitas vezes nem são considerados na pauta, pois ele não diz respeito ao design industrial e comercial, e sim um design acessível que pode ser realmente utilizado pelas diferentes pessoas. Os benefícios que ele proporciona podem fazer a diferença na qualidade de vida de pessoas com algum tipo de limitação que sofrem com a falta de produtos que incluem-nas. Muitos resultados desse pensamento inclusivo tem aparecido em competições de design que coloca a acessibilidade como um dos quesitos para os projetos que, por terem um cuidado maior com a inclusão, conseguem chegar em um produto universal.

Ainda falta o compromisso das empresas de parar de pensar nas pessoas através de uma medida padrão que não corresponde à realidade e começar a conhecer quem são as pessoas que estão interessadas em seu produto ou serviço e como elas podem ser atendidas de maneira igual aos outros, sem se sentir deslocada ou dependente. Talvez as soluções estejam por aí, nas gavetas de empresas que se recusam a aumentar os custos “somente” para incluir um outro nicho em seu público, ou melhor, para melhor atendê-los. Talvez o capitalismo seja um dos motivos da falta de produtos acessíveis e universais, a preocupação com patentes e lucros torna os empresários em pessoas egoístas que mantém as boas soluções para si. Ainda bem que o mundo não é composto somente por essa parcela egocêntrica, existem pessoas que, mesmo sem grandes maquinários e ferramentas, tentam chegar em soluções para ajudar pessoas com deficiências, limitações ou somente dificuldades em realizar alguma atividade. Com o bom uso da internet e redes sociais, algumas soluções ou “gambiarras” são compartilhados por pessoas que passam por situações específicas e tentam ajudar outras pessoas de forma acessível e barata, muitas vezes com pequenas adaptações em produtos cotidianos que podem fazer a diferença e facilitar seu uso.

O design universal não precisa ser algo grandioso e muito específico, cada um de nós pode contribuir para dar mais segurança e confiança para as mais diversas pessoas que cruzam nossas vidas. Pequenas ações podem significar muito para quem apresenta dificuldades, não precisamos ir muito longe para encontrar alguém passando por um momento difícil por alguma limitação. Basta olhar ao nosso redor e ter uma visão menos egocêntrica, podemos sim fazer a diferença nas pequenas ações. Que tal mudar nosso olhar a partir de hoje?

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