O Mito da Originalidade E a Revolução na Forma Como Se Pensa Sobre Produto

Rafael Jordão
orangejuicetech
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6 min readMay 5, 2023

Esses dias eu retomei a leitura do livro “Originais: Como Inconformistas Mudam o Mundo”, do Adam Grant.

E admito que quando peguei esse livro para ler pela primeira vez, no meio do ano passado, achei (inocentemente) que iria confirmar muitas das percepções que tinha sobre o conceito de originalidade, o que seriam “pessoas originais”, “ideias originais”, etc.

Porém, logo de início, o autor quebrou a minha perspectiva de maneira tão assertiva e embasada, que eu fiquei, honestamente, sem resposta.

Conforme progredi na leitura recheada de histórias reais, percebi que existem mitos sobre o que é, e como chegar à, “originalidade”. E que eu acreditava, fervorosamente, em vários deles.

Mas agora, já a partir de um estado de menor inocência, eu quero traçar a relação entre esse deslocamento de perspectiva que vivenciei, e a disrupção na forma como trabalhamos com produtos propagada por Marty Cagan e Teresa Torres.

E, para isso, eu preciso reintroduzir alguns desses mitos que mapeei ao longo dessa aventura.

Existe um mito onde as ideias originais são concebidas como uma luz numa manhã calma, onde se senta embaixo de uma árvore e tudo se alinha na sua mente. Buda, Newton e Jobs são figuras centrais que ajudaram a popularizar esse mito.

Uma outra versão é da ideia vindo como um raio, um download — ou um arrebatamento — , onde, de repente, algo te atravessa ou você é levado (escolhido) para receber a verdade (a solução).

No poema “Da Natureza” do filósofo Parmênides, por exemplo, ele se descreve sendo levado para a frente de uma Deusa e ela lhe confiando o (aparentemente) simples:

O que é é, e dessa forma não pode deixar de ser.
O que não é não é, e dessa forma não pode vir a ser.
— Parmênides de Eleia

A partir do qual ele deduz, logicamente, as três características do Ente (do Ser), onde diz que o que é (ou seja: tudo) é Uno, Eterno e Imóvel (Dorme com essa aí).

Ou mesmo Kerouac escrevendo o manuscrito inteiro de “On The Road” numa única sentada à máquina de escrever, após todas as viagens que fez.

E, claro, J. K. Rowling, ao dizer que estava numa viagem de trem, quando a ideia da história de Harry Potter “Caiu sobre sua cabeça” (“fell into her head”).

Entenda, eu não estou dizendo que essas pessoas não possam ter tido ideias originais nesses contextos (elas tiveram). O problema não é esse. O problema é a crença de que ideias originais emergem unicamente dessa forma.

Essa foi a crença que se desfez na minha mente.

Ainda assim, vale considerar que 2500 anos de repetição desses mitos fez com que essas histórias criassem raízes no imaginário de sociedades inteiras. E por crescermos com isso nos sendo reintroduzido de diferentes formas, não é muito difícil entender por que acreditamos que apenas aqueles raros, 1 em 1 Bilhão, escolhidos pelo Cosmos, chegarão até algo original.

Entretanto, Adam Grant desmistifica e reorienta nossa atenção para o que realmente importa, quando diz: “O maior obstáculo para originalidade não é a geração de ideias, mas a seleção de ideias.”.

Essa quebra da forma como se pensa sobre ideias originais significa, pragmaticamente, uma revolução generalizada no fluxo de criação de produtos.

Utilizo “pragmaticamente”, aqui, de forma estratégica e específica. Com o significado de “pragmatismo” trazido por William James. Onde “O sentido de uma ideia corresponde ao conjunto dos seus desdobramentos práticos.”.

Faço isso de forma a explicitar a profunda mudança nessa operação que é a espinha dorsal das grandes empresas da área de tecnologia — que é aquilo que as permite permanecerem relevantes no mercado.

Por isso revolução. Porque durante muito tempo se pensou o fluxo da seguinte forma:

E imagino que você já tenha visto esse esquema antes. O famigerado “Waterfall” ou “Cascata”. Porque, metaforicamente, é como ele funciona — descendo de um bloco para o outro, sequencialmente.

Porém (e é um grande PORÉM), esse modelo, como é didaticamente explicado por Marty Cagan, é um modelo falho — por diversos motivos, sendo dois deles: de onde surgem e como são selecionadas as ideias.

Cagan defende que ao invés das ideias magicamente emergirem do retiro de final de semana dos Stakeholders e C-Levels, nos processos iniciais de concepção e seleção das ideias, precisam estar presentes as pessoas mais equipadas para entender o que fazer e como fazer. E estas pessoas são Product Designers e Software Engineers.

E por que esses dois grupos?

Bem, como uma pessoa de produto (PM, PO e derivados), é imprescindível entendermos os três elementos basais que possibilitam o sucesso do mesmo. Um produto precisa ser:

  • Desejável;
  • Rentável;
  • Construível.

E quem descobre se um produto é Desejável é o time de UX Design, durante o processo de Discovery, onde tomam lugar as entrevistas com usuários, mapeamento das dores/oportunidades, etc. É a partir disso que se entende, de fato, qual é o problema que precisamos resolver.

Pensar em soluções antes disso é (para disparar gatilhos de nostalgia) “colocar a carroça na frente dos bois”.

Quanto à viabilidade de negócio e rentabilidade, o ideal seria ter um time de negócio, trabalhando em conjunto com um time de dados, para que dessa forma a pessoa Product Manager pudesse focar na estratégia e visão do produto de forma assertiva e otimizada. No entanto, na vida real nem sempre (ou quase nunca) é o que acontece.

E no que tange o aspecto de construção desse produto, a viabilidade técnica, quem tem a palavra final são as pessoas desenvolvedoras.

Tendo esses três elementos em mente, fica mais fácil notar duas das falhas gritantes do modelo Waterfall no contexto de produto, e compreender por que Marty Cagan e Teresa Torres falam sobre “Continuos Discovery” (e “Continuos Delivery”) — o famoso “Dual Track”.

Nesse modelo, nós temos o seguinte fluxo:

Onde o time de desenvolvimento e o time de design estão sempre próximos do processo de concepção e seleção das ideias. Aqui, estamos o tempo todo Descobrindo, validando, desenvolvendo, testando e Entregando.

Com isso, rompemos com os diferentes mitos que limitam a nossa capacidade como indivíduos, equipe e empresa, de gerar e selecionar ideias Originais para demandas que de fato existem e que sejam possíveis de executar (na prática)… além de, é claro, serem lucrativas.

Se isso fez sentido para você, comenta aqui embaixo como funciona atualmente a sua equipe, se vocês já estão rodando o Dual Track, ou se UX ainda é uma realidade distante na empresa.

E se tiver alguma dúvida, só me achar no LinkedIn para a gente trocar uma ideia. Ficarei feliz em poder ajudar.

Bibliografia

Grant, Adam. Originals: How Non-Conformists Move the World. Viking, 2016.
Cagan, Marty. Inspired: How to Create Tech Products Customers Love. 2nd ed., John Wiley & Sons, 2017.
Torres, Teresa. Continuous Discovery Habits: Discover Products that Create Customer Value and Business Value. Product Talk, 2021.

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Rafael Jordão
orangejuicetech

Atualmente explorando o universo de produto (como Product Owner). E eternamente fascinado por filosofia, psicologia, neurociência, autoconhecimento, etc.