O Poder da Constância

Luisa Lopes
orangejuicetech
Published in
6 min readFeb 4, 2023

Na língua francesa, existe um ditado:

“Les petits ruisseaux font des grandes rivières.”
(Pequenos córregos fazem grandes rios)

Como a maioria dos ditados populares, este também tem o seu significado. Ele estará mais claro para algumas pessoas, essas acostumadas ao uso de metáforas e analogias, porém não muito para outras. Por isso, discorrerei sobre o porquê eu o ter trazido como marco introdutório deste artigo e, ao final de minha tese, retornarei a ele para concluir minha argumentação e discorrer sobre seu significado.

A importância dos estudos

“Aqui no entanto nós não olhamos para trás por muito tempo. Nós continuamos seguindo em frente, abrindo novas portas e fazendo coisas novas. Porque somos curiosos… e a curiosidade continua nos conduzindo por novos caminhos.” (Walt Disney)

Todo conhecimento tem como precursora a ignorância, e se inicia com a curiosidade. Por que as coisas são como são? O que existe além de minha zona de conforto? Esses e mais questionamentos serão respondidos através das experimentações, sejam elas feitas pelo próprio curioso ou descobertas por ele. Todo esse processo somado à tentativa e erro formam uma trilha bastante usual de uma rotina de estudos.

Devido a sua elevada dificuldade nos primeiros anos aprendendo sobre a área, os profissionais que se mantêm na tecnologia costumam ser aquelas pessoas que estão sempre atrás de respostas independente do quão difícil for o desafio que lhes foi proposto. Isso é excelente, porque a tecnologia que é hoje moderna se tornará obsoleta amanhã. O lado negativo, no entanto, está no acúmulo de conteúdos sem um método.

O problema de Atlas

Todos conhecem, senão a história de como aconteceu, pelo menos o castigo do titã Atlas: carregar o mundo em suas costas, mantendo-o equilibrado com suas mãos. Análoga é a situação do entusiasta da tecnologia que, ao se deparar com um mundo totalmente novo, deixa-se levar pelo entusiasmo e começa a assistir diversos conteúdos sem uma lógica para guiar seus estudos. Esse entusiasta é apenas uma pessoa, inexperiente demais para se dar a responsabilidade de carregar todo um mundo que existe dentro a tecnologia, especialmente em seus primeiros anos de estudos.

Estátua de Atlas, exibida no Museu Arqueológico Nacional de Nápoles.

“Mas ele está aprendendo alguma coisa nova, que mal há nisso?”. De fato, não há mal em buscar conhecimento em diversas das subáreas da tecnologia, mas será que esse banho de água fria é a abordagem mais produtiva?

O que acontece é que, começando-se diversos conteúdos sem uma medida anteriormente pensada, o entusiasmo inicial tende a cair e a constância se vai com ele. Logo, ele saberá os fundamentos de diversas coisas — e isso é tudo que ele irá saber. Isto é, se conseguir se lembrar.

Ao se permitir acumular seus estudos sem a estratégia necessária para mantê-los, de que adiantou?

Bem, pelo menos nesta situação hipotética, o estudante não se transformou em uma cordilheira, então seu destino é objetivamente menos trágico do que o do titã. Pelo menos, ele ainda pode fazer alguma coisa para mudar a sua realidade.

Um pouco sobre Epistemologia

Epistemologia, também conhecida como a Teoria do Conhecimento, é o ramo da filosofia que estuda como o ser humano ou a própria ciência adquire e justifica seus conhecimentos. (Significados)

Imaginemos dois cenários distintos, igualmente ilustrativos:

No primeiro, um novato está encantado com todas as possibilidades que tem e começa a explorá-las. Ele descobre várias expressões do jargão utilizado nas big techs, descobre uma linguagem de programação todas as vezes em que pisca, vê todos os projetos de seus colegas de estudo; enfim, ele está animado e começa a estudar um pouco do que todos os seus colegas estão estudando, a fim de se qualificar para uma vaga de estagiário. Ele está na faculdade e está fazendo diversos cursos extracurriculares, além de focar em aprimorar seu inglês, aparecer a tempo para as aulas optativas, e ele também precisa de tempo para cuidar de seus gatos. Os dias passam, os meses voam, e esse entusiasmo se perde nesse acúmulo. Culpado, em uma madrugada particularmente ruim, ele decide compensar seu atraso assistindo diversas lives sobre os assuntos que havia aprendido e jura de midinho que desta vez será diferente. Ele acorda atrasado para a faculdade no dia seguinte.

No segundo, uma situação semelhante acontece, pelo menos no início. Outro novato está encantado, e também tenta de tudo no início de sua jornada; sua agenda está lotada devido a uma série de responsabilidades, que incluem um trabalho de meio período, curso de idiomas, curso de pré-vestibular e pré-cálculo. Então, ele finalmente descobre o que gosta de fazer: Frontend Development. Ele quer ser um grande Web Developer, e quer mais do que tudo descobrir o que é esse tal de ReactJS de que muito se fala. Então, ele começa a estudar HTML, CSS e JavaScript: todos os dias, ele separa 1 hora para se tornar familiar com os mais diversos conceitos dentro deste escopo e se desafia a fazer projetos que implementem o que ele acabou de aprender. No final de, suponhamos, um mês, ele já tenha entendido o suficiente para ir para o próximo passo, e ele decide começar a ver Bootstrap. No final desse próximo mês, ele finalmente começa a ver bibliotecas JavaScript, e só então ele começa a descobrir o que raios é esse tal de ReactJS. No final de, digamos, seis meses de estudos, ele concluiu um “projeto final”: ele programou e de fato upou um fórum de discussões sobre uma série pela qual ele é apaixonado, usando tudo o que ele viu nesses seis meses.

É claro, eu não sou Frontend Developer, de fato eu não sei e não afirmo saber qual é a melhor ordem para se aprender Frontend Development, mas dentro dos escopos da demonstração e da argumentação (somente), o segundo exemplo foi o mais proveitoso. Por quê? Porque o estudante se permitiu ter tempo para entender o que ele estava fazendo sem sobrecarregar nem a sua rotina já trabalhosa e nem o seu cérebro já ocupado. Ele tinha um objetivo mais claro, e por isso pôde lutar contra a desmotivação, porque ela sempre veio várias e várias vezes no decorrer desses seis meses, especialmente quando ele provava para si mesmo que ainda não havia entendido como funciona um commit, e ainda assim ele continuou porque ele tinha um motivo para continuar.

Então, temos uma história feliz e, no final de um ano, com a ajuda de seus conhecimentos e de um bom projeto para seu portfólio, ele foi contratado como estagiário e está ganhando muito bem. O primeiro rapaz começou a descobrir onde ele havia errado em sua abordagem e está voltando aos trilhos e, algum dia, ele também terá a mesma conclusão.

Conclusão

Escrevo este artigo não apenas para os outros, como também para mim mesma. Como iniciante na área de ciência de dados e desenvolvimento, o leque do que sei é infinitamente menor do que o leque do que preciso saber, e é fácil se deixar levar pela quantidade. No entanto, os profissionais de T.I. mais do que ninguém sabem que, para possam resolver um problema complexo, precisam quebrá-lo em várias etapas: como se fossem os afluentes de um grande rio.

E então, finalmente retornarmos para o ditado francês, e encontramos a mensagem que ele deseja passar: o progresso gradual, ainda que imperceptível ao curto prazo, se tornará exponencial a longo prazo. Para não só aprender, como também dominar um assunto, faz-se necessário vê-lo com frequência tal que ele se fixará na memória, ainda que o seu progresso seja apenas uma aula por dia, 30 minutos de código por dia, 15 de trabalhar em seu projeto pessoal; não ver seis horas de videoaulas em um único dia.

A constância demonstrará resultados mais frutíferos do que a obsessão porque, no fim das contas, um cérebro cansado não se concentra em nada. Tudo o que se pode fazer é deixar que o fluxo de água siga a corrente.

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