O usuário é burro… Será?

Uma reflexão sobre o papel do design na prevenção de erros dentro de produtos do dia a dia

Nicole Cichovski Begot
orangejuicetech
5 min readMay 8, 2023

--

Imagem de uma pessoa segurando um tablet com a mensagem em inglês de “Warning”.
Imagem de rawpixel.com no Freepik (Fonte)

Se você trabalha com tecnologia, provavelmente já deve ter ouvido a frase “o usuário é burro” em meio a risos. Apesar desta frase ser dita em tom de humor e (bem) longe dos usuários, recentemente parei para refletir sobre ela.

Este questionamento surgiu exatamente quando comecei a me aprofundar na área de UX Design e se agravou ainda mais ao ler os primeiros capítulos do livro “O design do dia a dia” do Donald Norman.

Será que realmente a culpa é do usuário? Te convido para fazer esta reflexão comigo ao longo do texto!

Relação causa e efeito

Encontrar causas para acontecimentos é uma tendência humana, por isso, quando algo não funciona como deveria, nós buscamos atribuir a culpa a algo ou alguém.

Geralmente as associações que fazemos no dia a dia são de relações causais, ou seja, quando duas coisas acontecem em sucessão: uma ação gera um resultado.

Meme da Nazaré Tedesco: uma mulher de cabelos loiros olhando para a tela com olhar pensativo enquanto na sua frente aparecem diversas equações matemáticas
Se faço a ação A e logo na sequência ocorre B, então concluo que minha ação A gerou o resultado B. (Fonte)

Por mais lógico que isto pareça ser num primeiro momento, nem sempre o relacionamento causal existe de fato: a pessoa apenas precisa pensar que ele esteja lá para acreditar!

Então quando uma pessoa clica num botão ou faz uma ação num produto, seja ele digital ou físico, e o resultado não é o esperado, sua mente começa a buscar causas e a se questionar: O problema sou eu ou do objeto?

E adivinhe: Na maioria dos casos, contrariando toda a tendência humana, costumamos atribuir a culpa a nós mesmos!

A culpa é minha?

Quando tentamos realizar uma tarefa do nosso cotidiano relativamente simples, como abrir uma porta ou ligar um interruptor, e não conseguimos, geralmente tendemos a nos culpa por esta falha, não é mesmo?

Gif animado de uma mulher loira com olhar questionador. Na animação, o foco vai se aproximando cada vez mais perto do seu olhar.
Com exceção de quando é um sachê de ketchup, pois aí a opinião é geral: Quem é que projetou isso para ser tão difícil de abrir!? (Fonte)

A verdade é que convivemos com diversos objetos no nosso dia a dia e nem sempre conseguimos prever a maneira certa de usá-los. Imagine quando adicionamos na equação todos os objetos tecnológicos e suas milhares de aplicações!

Mas na nossa mente, não há desculpas para não conseguir usar um objeto simples, do dia a dia, que todo mundo sabe usar. Então quando tentamos fazer algo e não conseguimos, adivinha para quem atribuímos instantaneamente a culpa: Nós mesmos!

“Se acreditarmos que os outros são capazes de usar o aparelho e que esse não seja muito complexo, concluímos que quaisquer dificuldades devam ser de nossa própria culpa” — Donald Norman

Conspiração do silêncio

A simplicidade aparente de alguns produtos e a sensação de que todo mundo sabe usá-los é um dos problemas que nos leva, como usuários, a acreditar que a culpa é nossa.

“Como todo mundo acha que a responsabilidade é sua, ninguém admite ter dificuldade. Isso cria uma conspiração do silêncio, mantendo os sentimentos de culpa e impotência entre os usuários” — Donald Norman

Consequentemente, levamos essa concepção na hora de avaliar a usabilidade dos produtos como designers ou desenvolvedores. Afinal, o usuário é burro por não conseguir usar o produto que eu projetei, neste fluxo tão “simples”, não é mesmo?

Tirinha com dois homens, um em pé e outro sentado. No primeiro quadro, o rapaz em pé pergunta “Qual é o problema?”. No segundo quadro, o rapaz sentado responde “Típico erro de USB” e logo é questionado pelo colega “Universal serial bus?”. No terceiro quadro o rapaz sentado responde: “Não, usuário super burro”.
Tirinha retirada do site vida de suporte (Fonte)

Imagino que agora esta frase não pareça mais tão engraçada quanto no início do artigo. Mas não se sinta mal, o fato de estamos refletindo sobre isto já é o primeiro passo para nos tornarmos profissionais melhores, guardiões e defensores dos nossos usuários!

O bom design prevê as falhas

Quando o design não dá pistas sobre a maneira correta de usar um produto, seja ele físico ou digital, há um erro grave na sua criação. Objetos simples não devem precisar de explicações, assim como precisam prever falhas no seu uso e ajudar a evitá-las…

Porque elas vão acontecer.

Gif animado da atriz Jennifer Lawrence fazendo careta como se tivesse feito algo errado.
Ops… (Fonte)

Um design ruim, mal projetado, causa problemas desnecessários para o usuário. Ainda que os problemas geralmente só causem frustação e um sentimento de impotência, você já parou para pensar nessa situação sob outra perspectiva?

“Se um erro é possível, alguém o cometerá. O designer deve presumir que todos os erros possíveis vão ocorrer e fazer o seu projeto de modo a minimizar a possibilidade deles ou seus efeitos, depois que ele for cometido” — Donald Norman

Imagine as consequências de um design mal projetado numa situação de emergência, quando os comandos errados podem ser acionados e causar acidentes ou quando os sinais de alerta não indicam exatamente o que está errado. Um cenário desastroso, não é mesmo?

“Quando se observa atentamente desastres monumentais envolvendo máquinas, geralmente um problema de design é encontrado.” — Cliff Kuang e Robert Fabricant²

Quando colocamos o design sob esta perspectiva, conseguimos visualizar de forma mais clara o nosso papel como designers e a importância da nossa atuação na vida das pessoas.

Afinal, se errar é humano, o que estamos fazendo para de fato diminuir o impacto dessas falhas?

Design centrado no usuário

Estou longe de ter conhecimento suficiente para te dar uma receita de bolo do sucesso que te ajude a criar um bom design nos seus produtos, afinal, eu ainda estou nessa jornada de conhecimento (contínuo) para ser uma boa UX designer.

O que tenho aprendido nos últimos meses é que existem diversas maneiras de projetar produtos e na maioria dos casos o bom design é baseado em princípios que colocam o usuário como foco.

Fazer um design centrado no usuário é muito mais do que apenas atender as necessidades das pessoas. É ir além do que elas dizem que fazem e compreender o que elas realmente fazem.

Gif animado de um muppet azul falando “ The lie detector determined that was a lie”
“What people say, what people do, and what they say they do are entirely different things.” — Margaret Mead (Fonte)

É estudar o comportamento humano, entendendo as características naturais das pessoas e do mundo, explorando todos os relacionamentos, modelos mentais, coerções naturais e artificiais, restrições e affordances para projetar produtos melhores e com boa usabilidade.

Para ajudar as pessoas a saírem do círculo vicioso de culpa, precisamos projetar produtos de forma mais consciente, cuidadosa e prevendo todos os cenários possíveis.

Devemos aplicar, como Donald Norman fala em seu livro¹, um esforço suplementar para que o fato de cometer erros seja desprovido de custos altos para os usuários.

Então, da próxima vez que ouvir a frase “o usuário é burro”, que tal se questionar: Será?

Referências:

¹Livro: O design do dia a dia — Donald A. Norman — Editora Rocco
² Livro: Fácil de usar: Como os segredos do design user friendly estão mudando o modo como vivemos, trabalhamos e nos divertimos — Cliff Kuang e Robert Fabricant — Editora Alta Books

--

--

Nicole Cichovski Begot
orangejuicetech

UX/UI Designer | "A parte de cada um é entender sua parte no todo" - Rafael Cardoso