zhiOmn Ormando
Ormando zhiOmn
Published in
2 min readJan 22, 2020

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“Govinda já não enxergava o semblante de Sidarta, seu companheiro. Em vez dele via outros rostos, inúmeros, toda uma fila, uma torrente de rostos, centenas, milhares, que todos eles apareciam, sumiam e todavia davam a impressão de estar presentes simultaneamente, rostos esses que a cada instante se modificavam e renovavam e, contudo, eram sempre Sidarta. Via a cabeça de um peixe, uma carpa, com a boca semiaberta em infinita dor, peixe agonizante, de olhos vidrados. Via o rostinho de uma criança recém-nascida, vermelho, enrugado, a ponto de chorar, via a fisionomia de um assassino, no momento em que varava com a faca o corpo de sua vítima e, ao mesmo tempo, via esse criminoso a ajoelhar-se, algemado, para que o algoz o decapitasse com um só golpe de terçado. Via os corpos desnudos de homens e mulheres, entrelaçados em posições e embates de desvairado amor. Via cadáveres prostrados, imóveis, gélidos, vazios. Via cabeças de animais, de javalis, crocodilos, elefantes, touros, aves. Via divindades, Krisna, Agni… Via todos esses vultos e rostos ligados entre si por milhares de relações, cada qual a acudir o outro, a amá-lo, a odiá-lo, a destruí-lo, a pari-lo de novo.”

- Hermann Hesse no livro “Sidarta”

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