A que ponto chegamos

Chegamos ao ponto em que reconhecemos que não conseguiremos alcançar a mudança se não formos ela própria, se não estivermos um ao lado do outro / por Hilnando Mendes

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4 min readApr 18, 2016

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Acreditava que o dia 17 de abril não nos guardaria uma pior lembrança do que daquela de 20 anos atrás. Nesta mesma data policiais cercaram um grupo de assentados Sem Terra que fechavam uma estrada em Eldourado dos Carajás no Pará, o confronto findou com a chacina de 21 pessoas, sendo que muitos desaparecidos não foram oficializados, em sua maioria mulheres e crianças, onde algumas testemunhas alegaram terem flagrado policiais embrulhando e sumindo com inúmeros corpos a fim de maquiar o que já era por si só um escândalo sem precedentes.

Todo este preâmbulo para afirmar que tudo na história está costurado e nenhum ponto mal dado reforçará qualquer narrativa que não sustente a si própria. O que vimos na votação do impeachment neste domingo foi um show midiático de uma Câmara muito bem orquestrada e em diversos momentos muito mal ensaiada. Uma falta de seriedade desde o primeiro momento, desrespeito ao povo e a quem devem de fato representar. A política não somente está passando por uma crise de representatividade mas sim o próprio regime político democrático representativo que o Brasil pretende propor dá provas de que faliu.

Quem se sentiu representado nesta última plenária? Ouvir de pessoas egoístas e egocêntricas que aquilo tudo era pelos seus filhos, cônjuges, familiares, ancestrais, deuses e eleitores só nos fez crer que nós não estamos ali. Talvez nunca estivemos, nem nunca estaremos. A representatividade falhou quando ela terceirizou nossos anseios e nos desligou de seus agentes. A “dita” democracia falhou. Chamo de “dita” pois acredito que está democracia é uma falácia.

A desobediência civil nunca me pareceu tão útil como agora. A frase de Henry David Thoreau vem à minha cabeça neste momento: “Na melhor das hipóteses, o governo não é mais do que uma conveniência, embora a maior parte deles seja, inconveniente.” Foi por conta desta desejada conveniência que terceirizamos a possibilidade de sermos entes ativos para uma mudança que sentimos ser urgente neste exato momento.

“A ditadura perfeita terá as aparências de uma democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e divertimento, os escravos terão amor a sua escravidão”.

— Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo

O capitalismo falhou em sua distribuição, a democracia falhou em seu alcance, os direitos humanos falharam em sua equivalência, não esperem lhe faltar o acesso ao básico para começarem a notar que chegamos à fronteira da civilização. Pois já falta à muita gente, o problema é que eles ainda não faltam a toda a classe consumidora, a “elite” eleita pelas organizações como a real detentora da opinião pública, mediana e medíocre.

Ver a primeira presidente mulher deste país ser julgada por seus acertos e a sua intransigência com um parlamento compostos por criminosos, só me faz pensar que sim, o Brasil não é para amadores ou é somente para eles. Pois o que vimos em todos os canais de tv nestes últimos dias é a comprovação de que os três poderes não são autônomos, nem complementares, nem muito menos estão ali para servir ao bem maior e aos desejos do povo. Eles foram criados pelos dominadores, para dominar e pela manutenção da dominação em que o capital e o seu acúmulo é, e sempre será, a regra suprema do jogo. Com isso torna-se urgente uma reforma, reforma geral, constituinte, participativa e civil. Para isso já existem ferramentas e se estas já não nos servem, que façamos outras, que tomemos outras, na força, pois maiores são os poderes do povo.

E para quem acha que o domingo foi de derrota saibam que só acaba ali para os que não têm coragem de entregar-se a luta que só está começando. Chegamos ao ponto em que reconhecemos que não conseguiremos alcançar a mudança se não formos ela própria, se não estivermos um ao lado do outro, fracasso após fracasso rumo a um futuro que ninguém nos garantiu, mas que só depende de nós, aqueles a quem jamais irão corromper o sonho.

“Fracassei em tudo que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade seria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar do lado de quem me venceu”

— Darcy Ribeiro.

Hilnando Mendes é designer e cineasta.

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