A revolução sexual” completa 80 anos

por Júlio Fisherman

ORNITORRINCO
ORNITORRINCO site
3 min readJul 5, 2016

--

Imagem: Reuben Negron

Publicado em 1936 pelo psicanalista marxista Wilhelm Reich, o livro “A revolução sexual” (originalmente intitulado de “Sexualidade na luta cultural”) segue como obra estimulante para todos os envolvidos e interessados na luta “revolucionária” pela emancipação humana do convívio social mesquinho, hierárquico, autoritário e fetichizado no qual estamos enredados.

Ao defender posições com franqueza, clareza e testemunho empírico como psicanalista clínico, o autor dos hoje clássicos “Análise do caráter” e “Psicologia de massas do fascismo” estrutura e arranja seus argumentos de modo bastante incisivo contra a moral sexual conservadora. Além disso, propõe elementos para um novo paradigma capaz de fazer frente as repressões e pertubações nocivas que minam a alegria dos relacionamentos amorosos sexuais.

Assim como Freud, Reich parte do princípio de que o sexo é espinha dorsal da felicidade humana: “O cerne da felicidade da vida é a felicidade sexual. Nisso, pessoa alguma com algum peso político ousou tocar. A sexualidade era um assunto particular e nada tinha que ver com política conforme a opinião geral”.

Diferente daquele, no entanto, não vê antagonismo último entre cultura e natureza. Para ele, a regulação sexual conservadora atua contra a necessária satisfação sexual natural que deve garantir o bem estar do indivíduo e serve não a “realização” da cultura, mas a repressões sociais cuja finalidade é a manutenção de ordens e estruturas sociais vigentes.

Para Reich, pelo contrário, a cultura requer que os impulsos libidinais naturais estejam satisfeitos. Nesse sentido, destaca a todo tempo a necessidade de compreender a diferença entre sexualidade satisfeita e insatisfeita e, assim, os impulsos libidinais que se dividiriam em naturais e secundários. Sendo que os últimos, de caráter antissocial e promotores de distúrbios, teriam origem na regulamentação moral que inviabiliza a satisfação sexual dos impulsos naturais.

Por esta razão, defende que a atividade sexual na puberdade e uma educação sexual afirmativa desde a infância seriam os pilares para a formação de indivíduos autogovernados, confiantes e capazes de sustentar a desejada emancipação. Boa parte da obra é um ataque frontal e devastador à instituição da monogamia compulsória nos relacionamentos amorosos denunciando esta como fundamento da família autoritária.

Vanguardista, a obra apontou, por exemplo, o potencial emancipador da pílula anticoncepcional para o desenvolvimento da atividade sexual feminina, ao permitir a mulher mais liberdade frente as injunções provenientes da estrutura patriarcal da sociedade. Defendeu também sem tergiversações a legalização do aborto, cuja proibição considerava como um das muletas da regulação conservadora monogâmica cristã.

Passados 80 anos, no entanto, com a transformação de hábitos sociais e sexuais, o livro contém alguma dose de anacronismo no modo como caracteriza ou dimensiona essa mesma moral sexual conservadora, além de como aborda certas manifestações do desejo sexual.

Ainda assim, e tomando outra vez a pílula como exemplo, a verdade dolorosa é que o conhecimento e a utilização desta descoberta (bem como a difusão de lutas emancipatórias e experiências) não é uma realidade tão onipresente na vida sexual como se gostaria. Sem dúvida, os efeitos mais contundentes na dilapidação da moral sexual conservadora se farão sentir quando gerações inteiras completamente nascidas e criadas sob a égide da confluência de invenções e de nova atmosfera habitarem o planeta.

E se de fato hoje, como se fazia inferir, não é possível negar que os tempos mudaram e há muito mais liberdade sexual do que já houve no passado, o livro segue valioso porque as mudanças de lá para cá não significam que existe um cenário satisfatório e ainda menos que tudo vai bem. Ademais, como lembra Reich, “a liberdade exterior para a felicidade sexual ainda não é a própria felicidade sexual. É necessária, acima de tudo, a faculdade psíquica de criá-la e desfrutá-la.”

Júlio Fisherman é escritor, jornalista e colaborador do ORNITORRINCO

--

--