A Verdade Não Será Televisionada

As narrativas midiáticas acerca da crise política estão marcando uma sombra na história democrática do país.

Gabriel Pardal
ORNITORRINCO site
7 min readApr 4, 2016

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“Poucos direitos nos restam a partir do momento em que submetemos nossos sistemas nervoso e sensorial à manipulação particular daqueles que procuram lucrar arrendando nossos olhos, ouvidos e nervos.” – Marshall McLuhan.

Nesta semana, em um bar da zona sul do Rio, praticamente todas as pessoas conversavam sobre isso. Um senhor sentado na mesa ao lado da minha escutou o que eu e meus amigos conversávamos e interveio “Vocês vão para essas manifestações do PT?”, e eu respondi “Não estou sabendo de nenhuma manifestação do PT.” “A próxima, dia 31.” “Não é uma manifestação do PT, e nós vamos sim.” Aí o senhor deu uma risadinha cínica e começou a dizer que Lula e Dilma deveriam ser presos numa cadeia no interior do Nordeste. Eu engoli o fascismo dele e tentei ir por outro caminho perguntando “E o Cunha? Também?”, e o senhor respondeu que o Cunha não podia ser preso primeiro porque senão Dilma não cairia, pois é ele quem vai derrubá-la. “Por quais crimes?”, perguntei respirando fundo, fundíssimo. “Corrupção, meu filho. Aquilo ali é uma corja de corruptos. Vocês têm que ir na manifestação contra a corrupção, e não à favor.”

Eis o problema da ignorância, o senhor tem a opinião de que questionar o combate a corrupção e ir nas passeatas pela democracia é defender a corrupção. Tive essa discussão com familiares, amigos, alguns poucos desconhecidos e é impressionante como eles apenas repetem o que está na Veja, IstoÉ, na Globo, e quando com muita calma eu tento explicar que não é bem assim, eles preferem não ouvir e repetem “Corruptos, petistas corruptos.”

Eu acho que as empresas de comunicação precisam ter responsabilidade social e, consequentemente, educacional, visto que grande parte da população, de todas as classes, passa mais tempo na frente da TV (e das suas extensões na internet) do que na escola. O jornalismo não é a realidade, apenas ajuda a construí-la através da narrativa dos fatos, e escolhas são feitas por indivíduos que têm opiniões particulares acerca dos acontecimentos — inclusive eu aqui, de quem você também deve desconfiar. Portanto, a imparcialidade é impraticável, o correto seria deixar claro de que lado estão, assim escolhemos o que vamos ler. Por exemplo, está claro que a Veja é oposição, assim como a Carta Capital é a favor do governo. Sabemos que Rodrigo Constantino e Reinaldo Azevedo são de direita e que Gregorio Duvivier e Eliane Brum vão pela esquerda. No entanto, William Bonner e toda bancada da Globonews fingem uma seriedade de quem está com a verdade (como se ela existisse pura e simplesmente). A Folha de S. Paulo e principalmente a Globo fingem imparcialidade, fingem estar do lado do país, representando o que é o melhor e qual é a voz do Brasil — a Globo, inclusive, já se manifestou oficialmente várias vezes dizendo que apenas informa os fatos com isenção — no entanto, o que entregam para seus espectadores é um conteúdo contaminado de distorções e inverdades.

Se antes ser global era algo visto como prestígio, daqui em diante pode soar até mesmo como pejorativo.

A televisão brasileira assumiu um papel decisivo no encaminhamento da crise política no Brasil. Fazendo uma cobertura completa em todo o país, como se fosse o carnaval, convocou multidões para as “manifestações espontâneas, populares e patrióticas contra o governo”. É uma mídia que tem um nível elevado de politização e partidarização ao divulgar suas notícias. Isso pode ser conferido pelo Manchetômetro, um site produzido pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública que acompanha diariamente a cobertura política nas grandes mídias.

Abaixo os gráficos com a cobertura das manchetes dos dias 27/03 aos 03/04. A coluna Oposição engloba matérias sobre Aécio, PSDB e PSB e a coluna Situação engloba Dilma, Governo Federal e PT.

(Reproduções do Manchetômetro)

Sei que tenho muitos amigos que trabalham ou já trabalharam na Globo, e que muitos deles vão ler este texto aqui. Sei porque converso com eles diariamente tentando entender a angústia que é estar lá e também caminhar nas manifestações contra o golpe. Sei que não é uma escolha fácil para eles. Sei que é complexo não concordar com a posição do patrão mas precisar do dinheiro no final do mês para poder pagar as contas. É uma situação que muitos de nós já vivemos, em maior ou em menor grau, sobre vários motivos. O agravante é que neste momento a Rede Globo está passando por um desmascaramento da sua posição, e inflando uma ruptura no país, se colocando ao lado de uma máfia criminosa, assim como já havia feito no passado. Quando a Globo pediu desculpas por ter apoiado o golpe de 64 todos pensaram que ela tinha se redimido e se transformado, mas não, é como disse o escritor Fernando Moraes “a família Marinho e as Organizações Globo são inimigas do Brasil e assim devem ser tratadas.” Se antes ser global era algo visto como prestígio, daqui em diante pode soar até mesmo como pejorativo.

A televisão deve ter responsabilidade social, mas neste país não passa de uma máquina de fazer idiotas. Quando não entope nossos cérebros com seu jornalismo manipulador, nos anestesia com sua programação e dramaturgia machista, preconceituosa, e artisticamente irrelevante. Ao invés de informar, desinforma. Ao invés de educar, deseduca.

Em todas as manifestações a favor da democracia são vistos cartazes de rejeição à Globo, gritos como “A verdade é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura” já foi escutado até mesmo durante transmissões feitas pela própria. Inclusive alguns artistas contratados estão expressando suas opiniões contrárias.

Neste momento está sendo planejado um boicote à emissora. Movimentos na internet estão pressionando os consumidores a não comprarem os produtos divulgados em seus comerciais e a divulgar as hashtags #‎BoicoteaosAnunciantesdaGlobo‬ ‪e #‎AnunciouNaGloboEuNaoCompro‬. Na época em que vivemos o uso das hashtags em redes sociais influencia bastante as pesquisas de mercado das empresas, e é assim que as notícias ganham repercurssão internacional imediatamente. Estas ameaças estão começando a preocupar os anunciantes, com medo de exporem suas marcas e perderem o nível de consumo de seus produtos.

Esta é uma reação inédita e ainda não é possível prever o impacto que pode provocar sobre a empresa. O fato é que o Jornal Nacional vem tendo seus piores índices de audiência desde a sua criação há 45 anos atrás.

Parte da esquerda acredita que uma reforma da mídia deveria ter sido feita anos atrás por Lula ou Dilma, mas estes subestimaram o papel que a imprensa poderia exercer e até confiaram nela. A democratização dos meios de comunicação se dirige aos veículos que são detentores de concessões de serviço público, e proíbe a existência de oligopólios e monopólios da comunicação. Essa medida não será facilmente efetivada pois os oponentes irão pichar como censura à liberdade da imprensa. Mas veja, até os EUA, que é exemplo para qualquer eleitor de direita, já estabeleceu há algumas décadas que empresas que controlam canais de rádio e TV não podem publicar jornais e revistas pois a concentração de poder é prejudicial para a democracia e a livre concorrência de mercado. Mas claro, como estamos vendo no Brasil, não é a democracia que interessa aos nossos políticos e elites.

A televisão deve ter responsabilidade social, mas neste país não passa de uma máquina de fazer idiotas.

Agora voltando àquele senhor no bar, quando ele afirma que não ir nas manifestações contra a corrupção é concordar com a corrupção ele está sendo duplamente errado. Primeiro porque não há ninguém que concorde com a corrupção — assim como não há ninguém que concorde com o estupro. Segundo porque o impeachment da presidente Dilma não é uma solução contra a corrupção, muito pelo contrário, é usar de motivos ilegais para forçar uma troca de governo inserindo no topo um partido notoriamente marcado por extensas práticas ilícitas. PMDB, PSDB, PT, todos abusam da corrupção e devem pagar por seus roubos. Até mesmo a Rede Globo, que opera concessão pública, deve à Receita Federal mais de R$ 600 milhões por crime de sonegação fiscal. No final das contas, ninguém é bonzinho e todos puxam uma grana pra lá e pra cá. O que o senhor estava querendo dizer é "Eu quero os corruptos que roubam ao meu favor e que me permitem roubar também." Legitimados pela grande mídia que compactua com o mesmo pensamento e provoca seu público a ir para as ruas.

Na sociedade democrática é o voto que decide, e é por isso que vamos no protesto, para fazer valer essa recente conquista. Não sou e nunca fui petista, petralha, comunista, capitalista, sou contra o horror, contra o retrocesso, contra a corrupção generalizada do Estado, e contra a total falta de escrúpulos nas redações desses grandes jornais.

Eu só penso nos nossos netos e bisnetos lendo sobre tudo isso. Estarão a salvos ou acuados em bunkers? Se o melhor acontecer, estarão lendo mais uma vez as desculpas da Globo e das outras mídias. Se elas existirem até lá.

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Gabriel Pardal
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Artista. Escreve sobre processos criativos, inspiração e criatividade nos dias de hoje. https://www.gabrielpardal.com/