NÓS E OS ZUMBIS DE THE WALKING DEAD

Franco Fanti
ORNITORRINCO site
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4 min readJan 12, 2017

Em entrevista um empresário perguntado sobre seus planos depois do sucesso do ano fiscal respondeu sobre seu desejo: “Vou comprar meu primeiro iate”. Ele não respondeu um iate, ele disse meu PRIMEIRO iate. Terminei de ler a matéria e fui ver a nova temporada de The Walking Dead. Eu, nós, primeiros iates e zumbis: tudo a ver.

Mais de dezessete milhões é o número de espectadores (só nos EUA) que, como eu, viram a estréia da sétima temporada de The Walking Dead. A série é uma mega produção, com atores que até então não eram grandes estrelas internacionais, conta com investimentos gigantescos e roteiros as vezes muito bons, muitas vezes bem medianos, só que estes fatores não garantem este sucesso.

Explicando de forma simplista T.W.D. trata de grupos de humanos, sobrevivendo de diversas formas em um E.U.A. pós apocalipse, este tendo sido causado por um vírus que deixou o planeta infestado de zumbis. Embora também exista toda uma dinâmica do comportamento bizarro, ou talvez demasiadamente humano, dos homo sapiens tentando sobreviver diante desta situação apocalíptica. Me atenho ao que entendo como a razão deste sucesso de T.W.D: o zumbi.

Existem várias origens, explicações e teorias sobre os zumbis, variam de acordo com a história sendo contada, vou focar nos desta série. Um zumbi é um morto vivo. E por mais distante de nós, fantasioso em excesso, ou boçal, como já ouvi de algumas pessoas, falar de zumbis é falar muito de seres humanos e isto não é novidade.

O clássico da década de 60, A Noite dos Mortos Vivos, de George A. Romero, é interpretado como uma crítica da sociedade americana de então. Não é forçar a barra dizer que ele trata de temas como racismo, a sociedade patriarcal, a guerra do Vietnã e a descrença nas autoridades. The Walking Dead e seus zumbis, bem como em Romero, talvez não tenha esta intenção, mas o paralelo com nós mesmos é gritante.

Um zumbi é um ser muito parecido conosco, não digo pelo fato dele ter sido um humano que morreu e voltou à vida, mas pelo seu modus operandi.

Zumbis só tem UMA idéia obsessiva: comer seres de sangue quente, os vivos. E neste caso cabe bem o duplo sentido e obsessão de comer gente que muitos humanos têm. Ironias pertinentes a parte, o paralelo é que mortos-vivos estão sempre com fome, sem se dar conta que estão famintos e sem ter consciência que nada ameniza a fome que têm. Não importa se comem um humano, eles querem o segundo, e depois o terceiro, o milésimo. Nada os nutre, é uma fome infinita. O zumbi não é nada além do seu desejo e o mais grave é que ele nem sabe que tem essa obsessão, como nós: sempre desejando algo para estarmos completos, e quando atingimos este algo, buscamos outro algo e assim infinitamente.

"Now you get what you want, do you want more?"

Sim, queremos sempre mais e mais: tenho que ter um filho, tenho que ser rico, tenho que ganhar aquela grana, preciso me casar, preciso daquele emprego, escrever aquela obra prima e vender um milhão de cópias, aquele apartamento… E como os zumbis, não nos damos conta que estes desejos e idéias obsessivas viram quem somos.

Talvez por nossa eterna vontade insaciável de saciar, estamos em quase constante estado de incompletude, de insatisfação. Sentimos cada vez menos, estamos dormentes emocionalmente, como os zumbis, estamos desconectados das nossas emoções. Zumbis só morrem se desligarmos sua cabeça, destruirmos seu cérebro, como tantas vezes nós, que mesmo sem ser oficial, já podemos decretar nossa morte cerebral. The Walking Dead é este sucesso porque estamos mortos, nós somos os zumbis.

Minha crítica a mim mesmo e ao nosso mundo apocalíptico não significa que eu acredite que é para não querer ter um iate, um filho, um emprego x, ou qualquer que seja seu desejo. Se este desejo tem a ver com o seu SER, nutre sua existência, então tenha seu iate. Mas se você diz que quer ter seu PRIMEIRO iate, as chances são grandes que chegue ao décimo e sua fome ainda persista.

Tenho refletido e tentado praticar a consciência de ter mais consciência. Percebo (e não estou descobrindo a pólvora, mas estou nos lembrando) que a verdadeira nutrição vem do ser, de quem você é. Se eu perder uma perna, engordar 50 kilos, perder meu emprego, ficar pobre, tiver que morar na rua, ficar tetraplégico, eu continuo sendo o Franco. E se o empresário do início do texto perder o primeiro iate? E se você perder seu emprego, seu amor, você continua pleno? Se buscarmos nossa essência e plenitude no que temos e no que fazemos, sejamos bem vindos ao mundo de The Walking Dead.

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