Godzilla e o Apocalipse
Parece ser preciso fazer um filme catástrofe a cada avanço de tecnologia para mostrar o quanto a vida humana é frágil
A imagem da destruição. A terra devastada. O rastro de escombros. O mar que invade a cidade e arrebenta tudo que encontra pela frente. Milhares de mortos submersos, edifícios arrasados, ruas encobertas pela água voraz. Todas as imagens espetaculares, extraordinárias. Os céus rompendo em gritos e a chuva que banha o sofrimento dos milhares que perderam suas casas, suas vidas.
O cinema de catástrofe potencializa a criação de imagens que vimos em descrições épicas, nas ilustrações, nos registros recentes da destruição completa. Porque na vida real, uma cidade arrasada é uma cidade arrasada. Hiroshima, Fukushima, Nagasaki, Indonésia e tantos outros lugares. Os primeiros instantes após a grande explosão, o mar que lentamente carrega tudo, o terremoto.
Na ficção, isso é retratado em demasia pela computação gráfica. Porque é preciso fazer um filme novo a cada avanço de tecnologia para mostrar o quanto a vida humana é frágil. E além disso, o motivo, a ira do que está acima das forças humanas, o monstro radioativo, o deus ex-machina, o Godzilla.
De cima tudo parece pequeno. Quando se sobrevoa os continentes dentro de um avião, diariamente, sobretudo para aqueles que se sentam na janela, a imagem das cidades, das pequenas casas, luzes, montanhas, praias e rios viram desenhos frágeis, belos, porém, frágeis. De cima a história humana vira um arremedo de paisagem.
A grande estupefação na última refilmagem do clássico japonês do grande dinossauro atômico é justamente o que não acontece quando o cinema destrói o mundo de tempos em tempos. Vemos o rastro de cada passo, cada movimento do corpo muito maior que tudo que nos rodeia. O sentimento de humanidade desesperado diante do horror que é a hecatombe das construções. Tudo se esvai como um castelo de cartas.
São centenas de Torres Gêmeas caindo a cada quadro, o estrago das pegadas, como se nosso planeta fosse cenário para estes seres que percorrem as cidades como se nós fôssemos as formigas. Depois de um mergulho no oceano, um tsunami, depois de um bater de asas, um ventania tão forte quanto um furacão. E no meio de tudo, a história de cada indivíduo, o fim de uma trajetória, da visão de mundo de quem nunca pensou que estaria vivendo tamanho absurdo.
Este último Godzilla é o meteoro, é a incapacidade de conceber nosso tamanho. Lá de cima, da janela do avião, pensamos com temor no quê aconteceria se uma fera saísse dos mares e andasse sobre as edificações, se o gigante de pedra despertasse e limpasse seu corpo com um simples movimento.
Mas o dinossauro japonês não existe, nem os outros dois enormes insetos que se alimentam de radiação. A nossa arma maior não vai precisar ser mais uma vez detonada, os monstros continuam a habitar os livros, a mitologia, o cinema. Na nossa história, só as duas cidades japonesas, que não tinham rabo, dentes, olhos e grito estrondoso de fera épica, acionaram o botão vermelho.
Nosso grande inimigo gigante e terrível ainda somos nós mesmos, e ironicamente, as palavras do piloto evocaram nossa outra ideia de salvação e punição severa, quando o cogumelo de fogo e fumaça tocou as nuvens da pequena cidade naquele 6 de agosto de 1945: Oh, my God!