Literatura e natação — livros para ler nas Olimpíadas

Cinco livros para quem gosta de natação em ambientes secos

Julia Wähmann
ORNITORRINCO site
5 min readJul 19, 2016

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Maria Svarbova

A música que melhor traduz a minha relação com natação é um dos maiores hits da dupla Leandro & Leonardo: “Entre tapas e beijos”. Todas as vezes em que decidi nadar na vida adulta o fiz inspirada pelas letras, e me joguei em piscinas depois de leituras em terra firme — desde uma antiga edição da piauí dedicada ao tema até um artigo do Bernardo Carvalho se desviando de cabelos e de uma senhorinha ranzinza numa piscina em Berlin. Na prática, todavia, a promessa de lirismo e/ou grandes metáforas apenas não acontece.

Quando nadei em piscinas cobertas havia a tristeza de nadar em piscinas cobertas e aquele cheiro concentrado de cloro, além da terrível sensação de desamparo que me dava ao ver o guardião da piscina com as lonas preparadas para cobri-la depois que eu saísse, como se a minha partida autorizasse uma espécie de sufocamento imediato. Era terrível. Quando nadei em piscinas abertas havia toda a beleza das palmeiras imperiais e a sensação de estar nadando nas marolinhas de um sujeito pelo qual eu estava apaixonada — o amor faz nadar também —, mas àquela altura os aedes egypti já eram uma ameaça e o sol me rendeu quatro sessões de peeling na dermatologista, ainda que eu tenha tido picos de vitamina D, o que na prática não fez nenhuma diferença.

Talvez tenha me faltado gostar do tédio. Na literatura, porém, nadar é majestoso, e ilusório se você é do tipo de pessoa que acredita em certas coisas. Enquanto não resolvo meus fantasmas com a atividade, sigo os conselhos do professor de pilates, que recomenda que todo dia eu abrace — pessoas, travesseiro, bola de pilates — a fim de preservar as curvas fisiológicas da coluna, e deixo aqui uma lista de incentivos aquáticos que são bem melhores que qualquer terrorismo do seu fisioterapeuta.

Mar azul, Paloma Vidal (Rocco, 2012) — a protagonista sem nome do romance da Paloma é uma senhora idosa que encontra antigos cadernos de seu pai morto. O desaparecimento de uma amiga da adolescência é outro buraco na vida da mulher, que em meio às memórias, a resistência a elas e ao cotidiano banal, nada. A natação é, para ela e os velhinhos do bairro que lotam a piscina, uma arma contra a solidão. Acolhidos pela água e pelas toucas que os indiferenciam, todos se sentem mais ágeis e leves na piscina. Ela deseja “nadar como se a piscina não terminasse nas bordas”, da mesma forma como lemos e perseguimos histórias que não se encerram em páginas.

Swimming studies, Leanne Shapton (Blue Rider Press, 2012) — ilustradora, escritora, editora e ex-nadadora, Leanne Shapton é também um dos 642 nomes por trás de Women in clothes, um livro muito particular e adorável que eu sonhava em ver publicado pela Cosac Naify, sobre mulheres e roupas, cuja concepção, organização e produção foram feitos por ela, Sheila Heti e Heidi Julavits, autoras que estão no meu radar há um tempo. No livro sobre natação, ela reúne desenhos, fotos de sua coleção de trajes de banho e um texto autobiográfico que revela como a natação competitiva moldou sua vida, ao ponto de não saber como aproveitar as férias numa praia, sem pensar que poderia se relacionar com a água sem estar comprometida em vencê-la o tempo todo. Ao contar que começou a nadar por causa de seu irmão, ela diz que ficou desconfiada quando o mesmo largou a atividade: “I wondered if he knew something I didn’t. ”

Barba ensopada de sangue, Daniel Galera (Companhia das Letras, 2012) — o protagonista sem nome, sem memória e sem nenhuma preguiça nada no mar de Garopaba, e nada tanto que o leitor sente cãimbra por osmose. Dono de uma condição que não o permite registrar rostos, inclusive o próprio, ele reconhece seus alunos da escolinha de natação pelas braçadas, pernadas, estilo e demais detalhes do gestual molhado. Dentre as descrições que faz dos nadadores, uma bastante simples me chama a atenção e é o oposto do que poderia ser dito a respeito de Leanne Shapton: “[É] Uma dessas pessoas para quem a natação não é um meio para atingir um objetivo como emagrecer, curar uma doença ou ganhar medalhas e sim uma parte da vida como trabalhar, comer e dormir. Alguém que não consegue não nadar.” Ao mesmo tempo que faz parecer banal, a natação aparece no livro quase como uma boia de segurança, ou como essa possibilidade de não atravessar a piscina, e sim ficar boiando dentro dela.

Na dedicatória (presente de uma amiga), o autor diz: “Para Julia, que entende a magia das braçadas.” Quando elas não são as minhas, acho que sim.

Cloro, Isabel de Nonno (Pipoca Press, 2016) — Isabel e eu tivemos a mesma professora de natação, a quem carinhosamente chamamos Lili Riefenstahl, dada sua natureza, digamos, sádica e autoritária. Neste pequeno livro que vira pôster, o verso da história estampa raias, um rabo de peixe e um grampo de cabelo comum, daqueles que oxidam se ficarem muito tempo esquecidos no piso do box do banheiro. Nas observações da Bel sobre as agruras do nadador noturno — do nadador diletante, em geral — cabem comentários sobre depilação, Alice Cooper, Maria Lenk e tudo o mais que acontece neste “ciclo da vida clorada”, como se radiografasse seus próprios pensamentos enquanto cumpre as chegadas estabelecidas. Já li diversas vezes, a natação da Bel é tão cheia de humor que quase caí em tentação outra vez.

No one belongs here more than you, Miranda July (Canongate, 2007) — Dentre os contos reunidos neste livro, “The swim team” conta a história de três pessoas que começaram a ter aulas de natação com Miranda July, digo, com a narradora, numa cidade onde não havia piscinas. Com potes cheios de água e sal no piso da cozinha, eles aprenderam as 4 modalidades de nado, e para a treinadora, o fato de nadarem fora da água não era uma questão. E como seria?

obs. As séries "Swimm" e "Swimming pool", da fotógrafa eslovaca Maria Svarbova, são meio imperdíveis, assim como as pinturas submersas da artista chilena Nicole Tijoux.

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Julia Wähmann
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Autora de Manual da demissão (semifinalista dos prêmios Oceanos e Jabuti 2019) e Cravos (2016).