Medidas provisórias para muito tempo

Luiz Felipe Leprevost
ORNITORRINCO site
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3 min readSep 26, 2016
Ilustração: Ribs / Fonte: Instagram

Reunião de suma importância nas altas cúpulas do poder. Presidente e equipe do ministro da educação quebram quebram e quebram a cabeça, até que têm uns insights de dar orgulho.

–– Senhor presidente Fora, primeiramente, arranca arte do currículo escolar e esses vagabundos não vão mais fazer versinhos ridicularizando os nossos nomes. Ah, mas calma aí, eles são poetas super inspirados. Piada! Arranca e não vão mais ter criatividade pra fazer cartazes com frases de ordem e engraçadinhas. Ou vão querer chamar essa patacoada de quê, artes visuais? Ah, me poupe. Arranca e não vão mais sair por aí pichando os muros das nossas cidades. E ainda querem vir falar de criação de beleza no mundo. É pra rir, né? Oh, nós somos atores famosos, nós temos consciência, temos emoções e ideias. Ahã, senta lá, Claudia.

–– Senhor presidente Fora, primeiramente, tira esporte do currículo e eles não vão mais conseguir correr da polícia. E a gente acaba de uma vez por todas com esse negocio de manifestação. Vão dizer: o esporte melhora os problemas cardíacos, o tônus muscular, a saúde mental, libera endorfina, aumenta a autoestima. Não vamos nos iludir, o tempo passa pra todos. É preciso admitir que o esporte, afinal, não é um remédio, não pode substituir um remédio. Por isso existe a medicina, é uma questão lógica. Outra coisa, acabamos de ver o que o chamado espírito olímpico pode causar, com aquelas vaias monumentais que o senhor, senhor Presidente, levou nos estádios. Simplesmente, não dá, não dá pra ter esporte.

–– Senhor presidente Fora, meu nobre presidente Fora, primeiramente, extirpa filosofia do currículo. Essa gente não tem nada que aprender ética. Nada que cultivar valores morais e estéticos, pensamento crítico e outras balelas. Nada que compreender conceitos de política e cidadania, pra dizer o mínimo. E não me venham com essa bobagem de amor à sabedoria. De onde eu vim? Pra onde vou? Ah, vá pro raio que o parta.

–– Senhor presidente Fora, primeiramente, extrai a sociologia. As dimensões de uma nação múltipla, plural, com tantas diferenças sociais, não se mede por aí. Bom dia, comunidade, coisa nenhuma. Assistir os diferentes grupos, diferentes do quê? Quem é que diz quais conflitos resolver gerados pelo esfrega-esfrega das relações humanas, hein? A gente. Sociologia, pra que serve esse treco? O nosso amigo FHC, decerto vai ficar chateado com a gente. Paciência.

–– Senhor presidente Fora, primeiramente, a minha opinião é que devemos colocar como obrigatório o ensino do evangelho, com os nossos pastores de notório saber na linha de frente. É guerra, senhor presidente Fora.

E assim, democraticamente, eles chegam a um consenso. Porém, como as medidas são demasiado revolucionárias, na mesma noite em que as anunciam via televisão, decidem voltar atrás.

–– Quer saber, este país não está pronto pra nossa ponte com o futuro, diz para os seus o presidente Fora fazendo um bico magoado desse tamanho. E aí dá uma cheiradinha no sovaco, que sua.

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Luiz Felipe Leprevost
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Escritor. Publicou os romances Dias Nublados e E se contorce igual a um dragãozinho ferido (ambos pela ed. Arte & Letra), entre outros.