Mesa Redonda do Impedimento

No futebol e na política estamos fritos

Domingos Guimaraens
ORNITORRINCO site
4 min readApr 21, 2016

--

Impedimento é mesmo uma regra confusa, no momento do passe o jogador que ataca não pode estar a frente da linha do penúltimo defensor. O bandeirinha tem que estar de olho em dois eventos que acontecem simultaneamente em lugares distintos no espaço. Algo sobre-humano como manter um olho no gato e outro no peixe, um na bíblia e outro na pistola.

Alguns auxiliares dizem que escutam o tapa na bola, outros vão no sentimento, há os de braço engessado, que não o abaixam nunca. Impedimento é uma coisa irritante, uma regra sombria, mas que às vezes conta com a culpa do seu atacante que deu aquela meia lua por trás do zagueiro, que voltou atrasado, se posicionou mal. Mas vale lembrar que nada disso é falta, é do jogo.

Fato é que acabou o milho, acabou a pipoca, nunca 367 sins foram ditos com tanta raiva. Logo essa palavra, o sim, que toda mulher bela, recatada e do lar, quer ouvir no altar! Essas três letras foram muito maltratadas pelo conselho deliberativo mais tosco que já comandou esse clube.

A imprensa cobriu tudo como se fosse apuração de escola de samba. Com o mesmo entusiasmo, comemorando os picos de audiência de uma final de campeonato. Mas não tinha dona Zica chorando, Neguinho da Beija Flor enfartando, nem um vencedor no final. Perdemos todos. Derrota tipo total, 7x1 infinito.

Com a cabeça inchada acompanhei algumas mesas redondas com os comentaristas da política. Há neles o mesmo compromisso com porra nenhuma que move os comentaristas esportivos. Um deles dizia que Temer, alçado precocemente a novo presidente, tinha que chegar já no próximo jogo mostrando serviço. Não podia chegar precário. Tinha que dar um choque de ânimo para recuperar a credibilidade do time. Até agora me pergunto o que é “não chegar precário” e se há, em Temer, essa possibilidade.

A nova comissão técnica já está sendo montada, mas por enquanto seguimos embarcados “na tua nau sem rumo”. O atual técnico ainda não saiu, o novo ainda nem chegou e ninguém sabe se poderá assumir e sobre o seu auxiliar prefiro nem comentar.

A torcida para tirar a comandante foi feroz, mas mulher não entende nada mesmo de futebol, então ainda bem que foi embora, disse o comentarista da mesa de bar que votou numa viúva da ditadura. A imprensa participou ativamente desse processo com as clássicas manchetes: “Crise na Gávea”, “Acabou a lua de mel” e a famosa e sucinta “Azedou”.

Sem ambiente para continuar no comando nossa técnica vai dando adeus, mas foi triste perceber que quem ficou quer vender o que resta, fatiar a base, aumentar o preço dos ingressos, fazer uns empréstimos para encher os cofres. A mídia esportiva sempre se anima com essas eletrizantes políticas de choque e trata de acalmar a torcida. Essas medidas de fato animam o moribundo por umas três ou quatro rodadas, vejam só a Argentina, mas lá na frente o bagulho é doido e quando esse ânimo inicial passa o time normalmente cai de produção e despenca na tabela.

No futebol não é tão fácil mascarar os fatos como na política. Um 17 lugar na tabela o brasileirão não se esconde. Já qualquer pequeno abalo nos privilégios da classe dominante das arquibancadas, apaga a ascensão e inclusão de 40 milhões de geraldinos que assistiam o jogo de pé. O eterno pavor pânico das elites às transformações sociais e ao fim de uma sociedade escravocrata.

A história é feita também de involuções e me parece que estamos assistindo uma. O mais digno que restou daquele circo de horrores foi uma cusparada. Um lance que é como a cotovelada de prestidigitador do Pelé no uruguaio que lhe espancara o jogo todo. Não é um gesto nobre, mas a única resposta possível a quem te agride e zomba da sua história na frente de geral. Esse cuspe também é meu!

O Brasil não é um clube de futebol. Um presidente não é algo que se troque como um técnico a cada rodada. E o que ficou evidente neste último domingo fatídico é que já caímos, já estamos rebaixados, que o nível do nosso congresso é de série D. Peladeiros de várzea são melhores, amadores, jogam por paixão. O pessoal que votou o impedimento joga por si, pela família, pela mulher, pelo marido, pelos maçons. Ninguém joga por nós e é só, e grandiosamente isso, o que uma torcida espera de um time.

--

--