Meus amigos do Rio me esqueceram
Muitas pessoas do meu ciclo de amizades de Curitiba, ou ainda não sabem que estou morando no Rio, ou ainda não sabem ao certo o que afinal de contas vim eu fazer por aqui. O mesmo acontece com, não todos, mas vários do Rio, muitos não tem conhecimento do meu retorno e do fato de eu residir no Humaitá desde março, depois de rápida estadia na Fonte da Saudade.
Vim estudar teatro. Sim, eu já era formado desde 2008, porém pelo curso profissionalizante da CAL (Casa de Artes de Laranjeiras). Ocorre que alguns anos depois a CAL se transformaria em Faculdade. Foi para esta faculdade que ingressei, ou, como prefiro, regressei. Tenho aulas todos os dias às nove da manhã. Acordo entre sete e sete e trinta. Tomo um banho, me visto, preparo um sanduíche com queijo cottage e peito de peru fatiado, e vou. O ônibus do metrô, o tal metrô na superfície, passa bem na frente do prédio em que moro. Dez, quinze minutos pela Voluntários da Pátria, chego na estação do metrô de Botafogo. Mais uns dez minutinhos e estou na Glória, subindo a Santo Amaro na direção da CAL.
Gosto muito da minha turma de faculdade. É um grupo bastante heterogêneo, muito unido, dedicado e amoroso. Gostaria de escrever o perfil de cada um deles, para que vocês os conhecessem, infelizmente não será possível no espaço desta crônica. A grande maioria são atrizes e atores talentosíssimos. Fico muitas vezes emocionado vendo o seu entusiasmo e desempenho nos exercícios práticos.
Aqui no Rio sempre considerei ter bons e queridos amigos que, imagino seja por questões culturais, invariavelmente levam de quarenta minutos até duas horas para responder minhas mensagens no whatsapp. E, às vezes, simplesmente não respondem. Os amigos de Curitiba, nesse particular, são bem mais solícitos. Nos últimos dois meses, para ser sincero, claro que sem querer reclamar de nada publicamente (não usaria este espaço para uma coisa dessas), meio que fui esquecido pelos meus amigos do Rio. Não quero expô-los, mas eles entenderão, eu tenho a saudade frágil.
Faz muito tempo que nenhum deles me chama para tomar um chope sequer, um café na Travessa, uma festa na casa de alguém. Ironicamente, as duas últimas festas das quais participei por aqui, foram oferecidas por curitibanos (valeu Clelio Toffoli Jr e Alexandre Nero). Será que eles sabem que eu cortei o cabelo, que emagreci sete quilos (isso é mentira)? Não, não sabem. Longe de mim querer cobrar atenção, carinho, amor, já disse que jamais faria isso numa crônica. Tenho total consciência que o espaço no ORNITORRINCO não deve ser usado para veleidades dessa natureza.
Bom, eu contava que dez anos depois de ter retornado para Curitiba, lá em 2008, agora voltei a morar em terras quentes. No mínimo devo permanecer na área até a metade do ano que vem, que é quando me formo bacharel em artes cênicas. De qualquer forma, quando alguém por aqui me pergunta “e aí, Lepre, fica até quando?”, respondo que pelos próximos 20 anos, pelo menos. Não, não é que o curso seja curtinho e que dure apenas um ano e meio. É que entrei numa turma de reaproveitando, quer dizer, todos nós que nos formamos no curso profissionalizante da CAL, ou de alguma outra escola com as condições legais para tal, entramos direto no quarto período. Para mim foi, sem dúvida, ótimo negócio. Estou adorando estar outra vez na escola, encontrando professores queridos que não via há muito, convivendo com essa energia revigorante que carregam aqueles que se dedicam ao fazer e ao ensino teatral.
Dia desses, com meus colegas de turma, fui ao teatro, no shopping da Gávea. Assistimos a montagem da novela de Nikolai Gógol, O Capote, feita por ex-alunos da nossa faculdade, agora buscando se inserir no circuito profissional. O Capote é uma obra espantosa. Bom ter sido novamente contaminado por ela, ter saído de lá pensando pensando e pensando, ainda mais nesses tempos cheios de confusão da ruim por toda parte. O Capote tem a força de uma brilhante e bem desenhada fábula moral, de atmosfera densa, que nos tira do lugar de conforto, conduzindo-nos para um ambiente angustiante, fantasmático.
Mas o que tanto eu pensei naquela noite? Para dizer o mínimo, algo sobre hipocrisia, violência física e psicológica, algo sobre as consequências cruéis dos labirintos burocráticos a que somos submetidos, vítimas tantas vezes de rotinas alienantes, algo sobre a indiferença por parte da chamada máquina do Estado diante da qual o ser humano está submetido, etc.
Sabe, mesmo com a dureza do que está acontecendo na política e na sociedade brasileira, fico feliz de estar onde estou, estudando, ora vejam, teatro. Os meus amigos poderiam, claro, chegar mais perto, mas de algum modo sei que os tenho e eles a mim. E está tudo bem.