NOS CEM ANOS DO POETINHA, POR QUE VINÍCIUS DE MORAES NÃO FOI CONVOCADO?

Domingos Guimaraens
6 min readApr 21, 2016

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Hoje, 19 de outubro de 2013, Vinícius de Moraes completaria 100 anos. Efemérides como essa sempre me chamaram a atenção. Mais do que aquela rasgação de seda aos que já se foram, esse texto levanta uma polêmica: estaria Vinícius dentre as 11 feras da seleção brasileira de poetas de todos os tempos? A FIFI, Federação Internacional de Futebol Imaginário, entra em campo e coloca a pelota na marca da cal.

Antes de mais nada vale dizer que a FIFI é uma associação sem fins, sejam eles lucrativos ou não. A máxima do “só acaba quando termina” impera nos gramados reais. Mas, nos campos imaginários, nada tem fim e escritores de todas as gerações, vivos ou mortos, se encontram no campo de várzea da literatura. Na FIFI não há assento VIP e você pode torcer com bandeira, bumbo e corneta. Pode trazer a charanga inteira, xingar o juiz e até mesmo exibir faixas de protesto contra a entidade. FORA FIFI! Ser uma associação sem fim é saber que na arte tudo é meio, tudo é processo e nunca termina, pois haverá sempre um leitor para continuar escrevendo o que o poeta começou. Assim é o futebol, o gol é um detalhe, o que vale é cada ataque que não deu em nada, o não acontecimento, a suspensão do momento anterior ao êxtase e, mais do que tudo isso, a infinita discussão na mesa de bar.

Estaria Vinícius dentre as 11 feras da seleção

brasileira de poetas de todos os tempos?

Um exemplo? O Flamengo e Botafogo de 1944, quando o Botafogo venceu o jogo por 5x2, esse jogo continua acontecendo. O chute do Geninho pegou no travessão, bateu na linha do gol e saiu. O juiz apontou pro meio de campo e o time do Flamengo sentou no gramado recusando-se a reiniciar a partida se o gol não fosse anulado. Um protesto pacífico, diga-se de passagem. O Flamengo foi tricampeão Carioca naquele ano, mas que importa? Para os Botafoguenses, como Vinícius de Moraes, o ano de 1944 é o ano do “Senta”, senta pra não apanhar de mais. Isso é futebol, imaginário até quando real.

A FIFI admira aqueles que demonstraram suas paixões pelo futebol em prosa e verso. Vinícius nunca escondeu que era Botafogo e mesmo não sendo um torcedor assíduo, afirmava que:

— No Rio, a formação da identidade passa, também, pela eleição de um time de futebol. O poeta, fiel à sua infância, escolhe o ‘Botafogo Futebol Clube’. Não frequenta os estádios. Não lê o noticiário. Não ouve as transmissões pelo rádio. Mas, se perguntarem seu time, afirma: Botafogo. Não se trata de uma paixão, mas de uma senha para a cidadania.

Ser uma associação sem fim é saber que na

arte tudo é meio, tudo é processo e nunca

termina, pois haverá sempre um leitor para

continuar escrevendo o que o poeta começou.

A FIFI convoca muitas seleções brasileiras para disputar muitos campeonatos imaginários. Mas, por algum motivo estranho, em nenhuma convocação foi escalado o Poetinha Vinícius de Moraes. Na minha seleção, por exemplo, tem Murilo Mendes no gol, Cruz e Souza e Augusto dos Anjos nas laterais. Uma zaga pesadona formada por Alphonsus de Guimaraens e por Jorge de Lima. No meio Gregório de Matos faz a contenção e a tabelinha Bandeira e Drummond vai municiando um ataque matador formado por Roberto Piva, Oswald de Andrade e, sim, Chacal!

Seleção, cada um tem a sua. O Brasil tem 200 milhões de técnicos imaginários. A gritaria foi geral, “Cadê o Vina? Se tiver Chacal, tem que ter o Poetinha!” Porque o jogo é sábado, porque só ele disse que caju é fruta “que possui consistência de caralho / e carrega um culhão na natureza”. Mas dizem que ele pode ser um jogador problemático. É um possível atacante boêmio, mulherengo. Não vai aceitar a disciplina da concentração. Ele não é o João Cabral. Mas é jogador de grupo, agregador e versátil. Publicou ainda garoto o “Forma e Exegese” um livro com título de velho, e já velho cantava a Bossa que pra sempre será Nova. Seria ele Tostão, que achavam que não podia ser escalado ao lado de Pelé por terem um futebol tão esteticamente parecido? Ou um Paulo César Caju, que temiam levar pra Copa porque era indomável?

Mas como cortar o Poetinha? O homem é um precursor oculto do futebol imaginário. Vinícius foi crítico de cinema, participando de acirrados debates nos anos 40 e 50. Sabendo disso a jovem Danuza Leão perguntou ao poeta quais seriam os 11 maiores diretores e atores do cinema. Na semana seguinte o Vina publicou a escalação completa do scratch, bem como disse o porquê de Chaplin, por exemplo, figurar como goleiro das duas seleções: “A razão pela qual coloquei Chaplin ao gol deve ser por essas horas clara para minha amiga Danuza. Ela certamente terá visto Luzes da cidade, e se não viu o filme, pode se considerar de relações formalmente cortadas comigo. Chaplin é não só o maior diretor de cinema de todos os tempos, como o único cineasta que conseguiu reunir todas as funções do métier nele mesmo”. Interessante colocar o goleiro como o jogador mais completo do time, aquele que reúne todas as funções do métier. Faz sentido, afinal só ele pode jogar com os pés e com as mãos. Em outro momento explica o porquê de um diretor que considerava em decadência figurar entre os 11: “A colocação de King Vidor como extrema direita é qualquer coisa assim como se pôr Leônidas num time ideal de futebol brasileiro — um pouco pelo respeito ao seu passado de grande jogador.”

Nesta época de crítico Vinícius foi fervoroso defensor do cinema mudo contra o cinema falado. Um sonhador. Bom botafoguense, torcedor do time que mais jogadores cedeu à seleção canarinho em copas do mundo. Mas a FIFI não é afeita às estatísticas nem à frieza dos números. De que vale ser precursor? De que vale ser Botafogo? Ter qualquer time? Pra que time torcia Gregório de Matos se nem futebol existia naquela época? Mas talvez o Botafogo seja o mais imaginário dos times reais, um time com mais superstições do que a Baía de todos os Santos. O velho Vina sabia disso. E um dia, cansado de viver como cônsul nos EUA, respondeu muito bem ao Mr. Buster — aquele americano que não entendia como um cidadão tão ilustrado, podendo disfrutar das benesses da terra do dólar, poderia querer voltar para o Brasil.

“Está tudo muito certo, Mr Buster — o Sr. ainda acabará governador do seu estado.
E sem dúvida, presidente de muitas companhias de petróleo, aço e consciências enlatadas.
Mas diga sinceramente uma coisa, Mr Buster:
O Sr. sabe lá o que é um choro de Pinxinguinha?
O Sr. sabe lá o que é ter uma jabuticabeira no quintal?
O Sr. sabe lá o que é torcer pelo Botafogo?”

Talvez o velho Vina não quisesse mesmo a seleção brasileira. Talvez ele considerasse tudo aquilo muito Itamaraty demais. Largou a amarelinha e foi ser feliz no seu Botafogo mítico da infância. Desdenhou da Copa do Mundo como fez seu ídolo Garrincha: “Campeonatinho mixuruca, não tem nem segundo turno!”. Vinícius largou o futebol de resultados do início da carreira, aqueles poemas chuveirinho na área. Desceu no intervalo para o vestiário e mudou tudo. Deixou de ser censor para ser libertário. Misturou sua educação católica com os tambores do candomblé. Foi pra Bahia com a Iansã da sua vida. Que maravilhoso segundo tempo fez o velho Vina! Jogou cheio de Bossa e de ginga em campos imaginários do mundo todo, porque a vida só se dá pra quem se deu e pra quem não tem medo de arriscar tudo, partindo no contra-ataque, colocando o coração na ponta da chuteira.

Vininha, velho, saravá!


Domingos Guimaraens é integrante do coletivo OPAVIVARÁ!, doutorando em Letras e colunista do ORNITORRINCO.
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Originally published at ornitorrincozine.blogspot.com.br on 19/10/2013

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