O que os colunistas estão lendo

Colunistas do ORNITORRINCO contam quais foram as suas últimas leituras e o que estão lendo agora

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7 min readSep 20, 2016

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Você já sabe o que eles estão escrevendo — basta acompanhá-los por aqui — mas o que os colunistas estão lendo no momento? Ou quais foram as suas últimas leituras ou o que vão ler a seguir? Abaixo eles respondem e quem sabe sirva como dica de leitura para você.

Lucas Gutierrez:

Terminei agora A Alma Imoral, do Nilton Bonder. A peça da Clarice Niskier mudou a minha vida, então fui mergulhar na fonte original. É truncado e ainda estou processando a tensão entre o ‘corpo que vive pra se preservar’ e a ‘alma que vive pra transgredir’.

Sempre leio um de prosa e um de verso. E o de verso do momento é a antologia Meu quintal é maior do que o mundo, primeiro que eu leio do Manoel de Barros. E é apaixonante. O Manoel trabalha uma arte da pequeneza, e trabalha cada detalhe com um nível de lirismo inspirador.

Julia Wähmann:

Eu li o Detetives selvagens no ano passado e gostei muito. Semana passada teve um bate-papo lá na Da Vinci, comandado pelo Miguel Conde, sobre o Bolaño. Os participantes eram os organizadores de um livro de ensaios sobre o autor. Um deles (Felipe Charbel) tem um ensaio ótimo no livro, uma espécie de diário de releitura do Detetives, curti super. Tudo isso me fez querer ir pro 2666, que é mais gordo ainda. Mas sem pressa, vou lendo aos poucos em casa, até porque comprei o livro físico, complicado levá-lo pra qualquer lugar.

Semana passada li um livro sensacional: A história dos meus dentes, da Valeria Luiselli. Uma sinopse tradicional diria que o protagonista do livro é um leiloeiro mexicano cuja obsessão é trocar todos os seus dentes. Um dia ele arremata, num leilão, os dentes de Marylin Monroe, e um dentista faz a implantação de todos. Mas o livro é bem mais inusitado: a autora teve o apoio da Jumex, uma fábrica de sucos (acho que a maior) do México, para escrevê-lo. A Jumex tem um super coleção de arte contemporânea, abrigada numa galeria de mesmo nome, no DF (e eu quando estive lá não pude conhecer porque fiquei doente, argh!, e passei dias com febre até conseguir antecipar a volta pro Brasil, direto pro hospital). A autora, então, experimentou um método de criação em que enviava capítulos a alguns funcionários da fábrica (ela mora em NY), que opinavam e tal. E eles também contaram diversas histórias, que foram incorporadas ao livro com nomes trocados (as pessoas reais foram substituídas por nomes de autores latino-americanos — Mario Levrero, Guadalupe Nettel, Alan Pauls, César Aira, Alvaro Enrigue, Yuri Herrera etc etc.). Ao final ela explica todo o processo. Achei fascinante, porque ao longo da leitura mil coisas pareciam loucas mas um tanto aleatórias, mas afinal tudo ali tem um porquê.

Gabriel Pardal:

Acabei de ler o quarto volume da série Minha Luta, do Karl Ove Knausgard. Nunca fui muito de tramas sequenciais, não li O Senhor dos Anéis, A Guerra dos Tronos, nem Harry Potter, e muito menos Crepúsculo, etc e tais. Mas a série de seis livros desse norueguês — sem lutas de espadas, mágicas ou vampiros — me pegou. Essa é a minha série. E aqui não existe um plot com personagens que precisam cumprir algo ou lutar para alcançar um objetivo. Nesses livros Karl Ove relata e reflete sobre momentos importantes da sua biografia. Nada acontece, exceto a vida.

No quarto livro traduzido para o português, Uma Temporada no Escuro, Karl Ove começa com 18 anos de idade e vai até uma cidadezinha no norte da Noruega para trabalhar como professor em uma escola. Sua intenção é juntar algum dinheiro para poder investir na ambição de se tornar um escritor. Junto disso ele tenta de muitas maneiras perder a virgindade, mas a maioria das suas tentativas fracassam. Com alto consumo de álcool ele se aproxima da sombra do pai alcoólatra, resgatando a temática do primeiro livro. Achei este volume sensacional e li relativamente devagar querendo que não acabasse. É um dos meus preferidos da série, junto do segundo, Um Outro Amor.

Não é um livro para todos, e não diria que estou exatamente recomendando-o, mas se você leu e gostou ou ficou interessada, venha conversar comigo.

Thiago Barbalho:

A negação da morte, de Ernest Becker, é um livro em que o tema da morte é visto a partir da psicanálise, mas com críticas às limitações de Freud. Becker, que ganhou o prêmio Pulitzer por este livro, reflete sobre a consciência humana da própria finitude e como isso nos estimula a buscar heróis mesmo dentro de sujeitos tão limitados como são os próprios humanos. Há problemas em relação a temas um pouco datados no capítulo final, mas é de grande contribuição para pensar em como o humano tem se comportado para escapar das angústias depois de perder a certeza das religiões.

Os poemas do livro Seiva veneno ou fruto, da Júlia Hansen, foram escritos, segundo Júlia, no mergulho pelas vias medicinais da ayahuasca. Isto significa que os poemas refletem o mundo do seu modo mais amplo. Mesmo quando falam de assuntos atuais, como a chegada de imigrantes nas metrópoles brasileiras de hoje, os textos buscam contornar acontecimentos do ponto de vista totalizador e justificante a partir de um deus de dádiva. É como se Júlia empreendesse caminhos de compreensão que chegam a conclusões ansiosas por anunciar o júbilo que justifica a vida no caos da realidade.

Em De profundis, o farmacêutico Georg Trakl escreveu durante os primeiros anos do séc. XX poemas carregados de símbolos que vão se abrindo e se mostrando azuis e frios com a leitura atenta. Seus poucos poemas transmitem sensações para depois se expandirem em significados. Quase surrealista e de vida curta, Trakl conquistou a admiração de Rilke e Wittgenstein, mas passou ao largo dos grandes movimentos literários e artísticos de seu tempo.

O livro O sonho, o transe e a loucura, de Roger Bastide, é um conjunto de estudos pioneiros deste francês que ajudou a criar a Universidade de São Paulo. Suas pesquisas em religiões afro-brasileiras resultaram nesses textos, que relacionam a transgressão do que o Ocidente considera loucura com o transe dos rituais religiosos e a libertação da lógica tradicional no terreno dos sonhos. O que é considerado errôneo e doentio na ascéptica cultura ocidental, segundo Bastide, torna-se propensão à comunicação com o sagrado nas experiências de êxtase controlado propiciadas pelas religiões arcaicas. Um olhar não excludente ressoa aqui, mas não sem justificativas e argumentações típicas de ensaístas acadêmicos.

O livro Meus prêmios, de Thomas Bernhard, são textos lidos ao receber prêmios literários e narrativas sobre esses eventos na vida do escritor compõem um lúcido brinde ao amargo gosto do glamour em torno da arte da escrita. É um testemunho da contradição entre a vida de um intelectual reconhecido e louvado e o vazio do burburinho e da fama que a cerca.

Paulliny Gualberto Tort:

Eu estava lendo Anna Kariênina, do Tolstói. Mas, quando alcancei a página 275, chegou o livro da Julia Wähmann, Cravos. Levei uma manhã para ler o Cravos, de que gostei muitíssimo, vale dizer, e retomei o Tolstói. Hoje, estou na página 343. Gosto demais da Literatura europeia do século XIX, sobretudo quando a domesticação das mulheres — e a subversão dessa domesticação — é trazida à tona. O último livro que me marcou de uma maneira mais profunda foi o Homens sem Mulheres, do Murakami. Nunca havia lido nada dele. Fiquei com a impressão de que os autores orientais são mais destemidos que nós para falar de amor. Até onde a tradução permite entrever, não há grandes invencionices na linguagem. Mas a narrativa é bela, delicada e de uma entrega total. Bonito ver um escritor contemporâneo que não teme falar do óbvio.

Gabriel Camões:

Entrei recentemente numa onda de desvendar obras de autores da África, lendo vários do Mia Couto, mas passeando também por coisas de Agualusa, Ondjaki e J. M. Coetzee. Neste momento, estou concluindo a leitura de A Confissão da Leoa, de Mia Couto. Um romance que nasceu inspirado da experiência real do autor, que é também biólogo de formação, numa expedição para estudos ambientais. Na ocasião, ele presenciou e acompanhou relatos de ataques de leões, vitimando mulheres quase sempre. Ele então, se inspira nesta experiência, para retratar com maestria a atmosfera da Zona Rural de Moçambique, abordando a história de um povoado que enfrenta uma onda de ataques de leões. É incrível como ele usa a ideia do “devorar” atribuído a fera selvagem como metáfora para denunciar e refletir sobre a condição histórica e social das mulheres rurais do seu país que são também “Devoradas” e consumidas por um sistema de patriarcado opressor e machista (questões essas que sabemos que estão em ebulição hoje). É muito interessante como ele consegue associar uma coisa a outra com sua escrita cheia de passagens poéticas lindas. Mia é um artesão da palavra. A cada livro que leio me encanto mais com essa capacidade que ele tem de colocar a poesia dentro da prosa, mas de modo muito fluido e natural.

Clara Meirelles:

Estou terminando Vida e Época de Michael K, do JM Coetzee. Li quase tudo o que passou na minha frente do autor e ainda não tinha me dedicado a esse romance. Foi uma leitura que fiz muito lentamente, entremeada por diversos outros livros, textos, bilhetes, posts, e por isso só agora chego ao final. A situação absurda do protagonista, um improvável sobrevivente de uma guerra civil na Africa do Sul, me traz inúmeras reflexões sobre o modo como passamos indiferentes ao absurdo político do nosso cotidiano. Concluo as páginas do Coetzee e estranhamente começo outras. Dessa vez, um livro de não-ficção, chamado Na Sala de Roteiristas, de Christina Kallas. É mais um dos diversos livros sobre a arte de escrever roteiro de uma leva de publicações recentes que acompanham o boom da profissão no mercado audiovisual brasileiro. Traz entrevistas com profissionais e tem como foco experiências de escrita em grupo e processos de criação coletivos, com todo os seus conflitos e potencialidades. São duas leituras totalmente diferentes e que me comoveram pra dedéu.

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