Sônia Braga contra a especulação imobiliária
O governo golpista se encarregou de retirar "Aquarius" da disputa de melhor filme estrangeiro no Oscar, onde certamente estaria, caso fosse o selecionado nacional
O filme “Aquarius” — que acabou sendo mais comentado por conta do corajoso e necessário protesto de seu elenco contra o golpe parlamentar, jurídico, midiático no Brasil durante sua apresentação no festival de Cannes — foi sem dúvida a melhor produção brasileira lançada em 2016 e deve se tornar também película indispensável na história da cinematografia nacional.
De Kleber Mendonça (do ótimo “O som ao redor”), “Aquarius” tem inúmeras qualidades em seu roteiro e direção. Seu maior mérito contudo é o modo como retrata, a partir do conflito central do enredo, as contradições da desigual sociedade brasileira.
Se é verdade que em todo o mundo a especulação imobiliária é hoje um dos vetores fundamentais para entendimento da concentração de riqueza e poder, no Brasil a questão ganha contornos ainda mais fortes devido ao passado colonial escravagista, além da ausência de uma reforma agrária que houvesse assegurado no campo condições para a vida de enorme massa da população que hoje habita em situação precária periferias de suas grandes metrópoles.
Mais do que os protestos contra a junta golpista, talvez tenham sido estes os verdadeiros motivos que levaram a campanha de certas frações da direita brasileira a propagarem o boicote ao filme. Já a burocracia do governo golpista se encarregou de retirá-lo da disputa de melhor filme estrangeiro no Oscar estadunidense onde certamente estaria caso fosse o selecionado nacional.
De toda forma não está descartado que o filme fique completamente de fora da cerimônia de premiação. Não será surpreendente, e considero muito provável, que Sônia Braga concorra a estatueta de melhor atriz. Improvável é que ela ganhe uma vez que sua representação é num filme falado em português.
Vale dizer que se “Aquarius” é um eloquente filme muito se deve à interpretação soberba de Sônia Braga que infundiu intensa força e vigor à luta da protagonista Clara em manter-se resoluta na defesa de seu modo de vida tão ligado ao espaço de sua memória afetiva.
Vale destacar que não é a primeira vez que Sônia Braga interpreta uma personagem com estas características e envolvida num conflito de mesma natureza.
Em “Rebelião em Milagro” (The Milagro Beanfield War) - lírico e ótimo filme de Robert Redford - ela encarna Ruby, uma mecânica engajada em defender a existência de sua pequena cidade no Novo México, EUA, assim que o plano de construção de um grande resort ameça varrer do mapa os moradores nativos com a consequente elevação do custo de vida e abandono de tradições locais.