Um Congresso na 5ª Série

Estamos nas mãos de uma Câmara de Deputados que se comporta como se fosse uma turma do ensino fundamental, mas só que numa sala de aula sem professor e composta por uma maioria de “maus alunos”. Um ambiente permeado por cochilos, vídeos pornô e um descolamento total do que é de interesse da população.

Gabriel Camões
ORNITORRINCO site
5 min readApr 15, 2016

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Foto: Antônio Cruz / Fotos Públicas (07/04/2016)

O ambiente predominante no plenário da atual Câmara dos Deputados, que nós temos a responsabilidade de ter elegido no último processo eleitoral, em outubro de 2014, me faz lembrar os meus tempos de escola. E falo ali da fase da antes chamada 5ª série, hoje tratado como 6º ano do ensino fundamental, com meninos e meninas na faixa dos 11 ou 12 anos. A diferença é que ali em Brasília não percebemos a sensata presença de um professor para conduzir as atividades e tornar aquele ambiente minimamente produtivo.

O nosso Congresso Nacional é como uma “sala de aula” em eterno horário do recreio. Só que um recreio sem merenda, pois alguns “colegas” destes parlamentares desviaram o recurso e os deixou com fome. E Congresso com fome é um verdadeiro perigo, pois ali a fome é de poder. E como a oposição ao atual governo é incapaz de construir um projeto que consiga vencer nas urnas, roubaram o marcador permanente do estojo do professor para escrever em letras garrafais o palavrão “IMPEACHMENT” na lousa da Câmara. Metade da palavra escrita pelas mãos de Eduardo Cunha e a outra metade pelas mãos de Michel Temer, ambos do PMDB, que “desembarcaram” do governo para em breve, assim o desejam, voltarem ao governo.

Desde que foi iniciada, em janeiro de 2015, a atual legislatura não demonstrou em nenhum momento estar realmente interessada em discutir, votar e aprovar pautas que fizessem este país realmente andar ou matérias que espelhassem os interesses de quem os elegeu. Esta casa que deveria ser o espelho do povo brasileiro parece não estar disposta em ouvir e dialogar com as ruas. Pois, caso estivesse, já teria enfrentado a matéria do “pacote anticorrupção” criado pela presidenta Dilma Roussef em março de 2015 (isso mesmo, eu falei “2015"), como respostas às manifestações populares realizadas naquele período.

O anúncio da presidente aconteceu no dia 18 de março do ano passado, quando, imbuída do desejo de responder a um pleito emergencial da sociedade civil, ela propôs um conjunto de medidas para fortalecer e potencializar o combate à corrupção, bandeira que a oposição no congresso insiste em sustentar hipocritamente como argumento para destituir um governo legitimamente eleito. A ideia deles sabemos, não é acabar com a corrupção, até porque grande parte dos que ali esbravejam em favor do impeachment são corruptos. O objetivo é pura e simplesmente jogar no lixo mais de 54 milhões de votos para chegar um lugar que não eles não merecem.

Pois, mais de um ano depois da iniciativa da presidência, das sete medidas propostas, cinco delas hoje mofam e apodrecem na gaveta do presidente da câmara, o sr. Eduardo Cunha. Só foi possível colocar em prática duas ações do pacote que dependiam apenas do poder executivo: a regulamentação da Lei Anticorrupção e a instituição de um grupo de trabalho para agilizar a análise dos processos sobre corrupção. O restante das medidas não saiu do papel porque a tramitação dos projetos não avançou no Parlamento. E nem deve avançar. Eduardo Cunha já esqueceu. A imprensa já esqueceu. A maioria da população já esqueceu. Eu não esqueci. Não quero que você esqueça.

Foto: Valter Campanato/ Fotos Públicas (02/12/2015)

A sensação que tenho, a cada vez que assisto a TV Câmara ou leio notícias relacionadas ao Congresso, é de entrar na atmosfera de uma sala de aula bem naquela hora que o professor sai para ir ao banheiro. A diferença é que no plenário esse professor, se é que ele existe ali, saiu para ir ao banheiro dar descarga na Democracia e se esqueceu de retornar.

E como ficamos de lá para cá? Numa sala de aula formada por uma ampla maioria de “maus alunos”, com vários deles amassando bolinha de papel com 54 milhões de votos e querendo acertar o cesto do lixo. O que se pode esperar diante deste comportamento? Teve até deputado assistindo vídeo pornográfico em plena sessão para discutir Reforma Política. Sacanagem? Literalmente. Isso nem é mais coisa de 5ª série, pois tenho plena certeza de que a meninada dessa idade possui postura mais respeitosa em sala de aula.

O nome da criatura que fez isso na Câmara é João Rodrigues (PSD-SC), mas não, ele não foi mandado para a direção, não foi suspenso e os pais dele não receberam uma cartinha relatando o mal feito do filhote. Para defender-se, alegou que ali “todos recebem brincadeirinhas”… Bem, nisso nós não podemos discordar do deputado. Reprovado no “Conselho de Classe”.

E o número de flagras de deputados dormindo em pleno exercício da função? Experimente buscar no Google os termos “deputado” e “dorme”. Seria cômico se não fosse trágico. Você não verá um caso isolado de cochilo no plenário. Você encontrará vários como este aqui! Além disso, eles já vivem com a mamata de trabalhar normalmente nas terças, quartas e quintas. E ainda assim costumam faltar. E quando não faltam, às vezes até dormem… A não ser que tenham um processo de impeachment para vencer a toque de caixa, aí vale varar a madrugada, vale “aula extra”, vale reforço matemático, vale até ficar acordado. Vale trazer uma maçã para o professor.

Um dos mais emblemáticos episódios de sono no plenário envolveu Heráclito Fortes (PSB-PI), deputado que esta semana organizou um jantar chique numa mansão de Brasília para receber o vice-presidente Michel Temer. Saindo do posto de “decorativo” para o centro das atenções, Temer foi aclamado por cerca de 85 congressistas presentes e ali já estava sendo chamado por eles de “presidente”. Ninguém dormiu desta vez.

Enfim, diante de tantos descalabros eu só posso concluir que esse Congresso Nacional vai repetir a 5ª série por uma série de motivos… O mais grave é por terem faltado todas as aulas de história deste semestre. E também as do ano passado. Os políticos não conhecem, ou no mínimo fingem não conhecer, a história do Brasil. E tampouco conhecem a história do pedreiro que nos últimos anos viu seu filho entrar no curso de engenharia, da empregada que virou professora, do gari que virou empreendedor e vive do seu negócio ou da dona-de-casa que celebrou o primeiro membro da sua família a conquistar o ensino superior completo, pois sua neta agora é médica.

Mas esse Congresso que aí está vai repetir de ano também por conta da matemática. Pois a perversa equação dos 342 votos necessários no plenário da Câmara para fazer andar um processo de impeachment sem legitimidade moral ou jurídica tem um só resultado: GOLPE. Só que a maior parte dos parlamentares que formou a Comissão do Impeachment marcou outra coisa no gabarito da Democracia e por isso terão que ficar de recuperação.

Se não há “professor” no Congresso, o povo estará nas ruas para ensiná-los.

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