julia, eu não sabia que amar era assim tão disforme

Victor Tanaka
orquestra de desconcertos
3 min readMay 1, 2019

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“Dancing Feet”, Rebeca S. Morgan

julia, eu sou apaixonado por você. muito. tipo, muito mesmo! desde quando? não sei dizer. não sei dizer, julia, porque quando eu percebi, eu já estava apaixonado. então eu acho que foi no dia em que nos conhecemos. aliás, lembra dessa noite? eu estava sentado naquele sofá no canto da sala, como costumam ser minhas noites, e você sentou ao meu lado, cruzando uma fronteira que só parecia existir pra mim. tava ofegante de tanto dançar, como costumam terminar suas festas, e perguntou: você não dança? lembra disso, julia? então. naquele momento eu já estava apaixonado. então suponho que me apaixonei alguns minutos antes, assim que sentei no sofá e te vi dançando. de olhos fechados, mãos para o alto, jogando os cabelos pra trás, como se não estivesse no mesmo universo que eu. na verdade, não estava mesmo. estava além, em alguma dimensão que eu nem saberia nomear. acho que foi ali e por esse motivo que eu me apaixonei por você, julia. ou não? ah, não, julia, acho que foi antes. acho que me apaixonei logo quando você chegou na festa. lembra? você cumprimentou a marcela com um abraço, sorria muito, tava tocando rollin’ in the deep, aí você olhou assim pro lado, arrumou o cabelo… aquilo foi demais pra mim. meu coração deu um salto que ofuscou o grito da adele, como se estivesse contraindo amor e sofresse por isso. não, nada a ver, julia, estou enganado mais uma vez! quando você cumprimentou a marcela, eu já estava apaixonado, então eu não sei se eu me apaixonei quando te vi passando pela porta, ou quando a marcela abriu a porta e você tava lá arrumando as mangas, eu não sei, talvez eu tenha me apaixonado até mesmo antes disso, talvez eu já estivesse destinado a me apaixonar, porque quando a marcela falou minha amiga julia chegou, eu senti um inexplicável conforto no coração - eu sei que julia é um nome comum, mas pra mim, soou como se fosse um nome que eu nunca tivesse escutado antes, uma prece, uma sinfonia, ou mais que isso, uma língua diferente, muito encantadora, que guardava segredos imemoriais sobre os planetas, ou, pior que isso, sobre mim. então, julia, talvez seja isso, talvez eu tenha me apaixonado quando ouvi seu nome. ou teria sido antes? foi antes, julia. foi antes, porque antes da marcela falar minha amiga julia chegou, você tocou a campainha, e aquele som agudo chegou até mim de forma tão melódica, que se sobrepôs à música da festa, sendo mais música que a própria música. não sei explicar, mas até a campainha tocou de forma mais bonita por sua causa, como se anunciasse a chegada de alguém que nunca deixa o som ser somente som. julia, é isso, eu me apaixonei por você quando ouvi sua campainha. pode parecer estranho, mas foi isso! pensando bem, julia, eu acho que me apaixonei por você antes mesmo da festa. talvez eu tenha me apaixonado por você quando a marcela me ligou me convidando. eu nem gosto de festa, julia, e eu tava com febre no dia, mas eu senti uma vontade inexplicável de ir quando recebi o convite, sustentada por um calor que parecia vir de algum inferno dentro de mim, um sorriso corroeu minha boca pelos cantos e fui devorado pela curiosidade enlouquecida de saber o que ia ter nessa festa, com que pessoas eu cruzaria e dividiria o mesmo sofá, eu sentia como se fosse meu dever ir até lá, te encontrar e me apaixonar.

julia, eu acho que eu me apaixonei por você no mesmo momento em que descobri o que era o amor, e eu não sei dizer quando foi isso, mas ele tinha o seu nome.

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