Bandeirismos #7 —A tricolor de Francisco de Miranda, pt.1 : De Nova Granada a Grã-Colômbia

Bruno Taurinho
Os Bandeirismos
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6 min readSep 10, 2015

Tudo que você nunca soube sobre bandeiras, afinal vexilologia não é exatamente um hobbie popular

Para entender porque as bandeiras da Colômbia, Equador e Venezuela são tão parecidas, é preciso saber quem foi Francisco de Miranda, el Precursor. Ele tem esse apelido porque precedeu ninguém menos do que Simón Bolívar na luta pela independência da América Espanhola. Seu sonho era criar um império formado por todas as nações colonizadas pelos espanhóis e até pelos portugueses, do Rio Mississípi ao Cabo Horn, no extremo sul da Argentina.

Da esquerda para a direita: as bandeiras da Colômbia, Equador e Venezuela.

Ele pensou em tudo: o reino teria um parlamento bicameral, seu líder seria chamado de Inca — em homenagem ao antigo império que habitava aquelas terras — e seu nome seria Colômbia, uma homenagem a Cristóvão Colombo, um dos primeiros exploradores a chegar as Américas (apesar dele não ter pisado, especificamente, na América do Sul).

Meio megalomaníaco, Miranda não conseguiu atingir seus objetivos e falhou em várias tentativas, mas garantiu numa bandeira o seu legado. Em 1806, ele tentou comandar uma invasão a Capitania Geral da Venezuela, então parte do Vice-Reino de Nova Granada. Buscou suporte nos EUA e recebeu um “não” de Thomas Jefferson, mas conseguiu ajuda de, entre outros, David G. Burnet, que no futuro seria o presidente da República do Texas (pós-México e pré-EUA). Ele também comprou três navios, um deles batizado de Leander, em homenagem a seu filho mais velho.

No Leander ele hasteou uma bandeira de criação própria, uma tricolor em amarelo, azul e vermelho. Sua principal inspiração veio de ninguém menos do que Johann Wolfgang von Goethe, autor de clássicos como “Fausto” e “Os Sofrimentos do Jovem Werther”. Os dois conversaram durante uma festa na cidade de Weimar, na Alemanha, em 1785, e Goethe contou sobre sua teoria das Cores Primárias (que viraria livro em 1810, “Teoria das Cores”). Uma carta de Miranda ao conde russo Semyon Vorontsov, de 1792, fala da conversa:

Primeiro ele me explicou a forma como a íris transforma a luz em três cores primárias […], em seguida, ele mostrou-me por que o amarelo é o mais quente, nobre e mais próximo da luz branca; porque o azul é essa mistura de emoção e serenidade, uma distância que evoca sombras; e porque o vermelho é a exaltação do amarelo e do azul, a síntese, o desaparecimento da luz na sombra.

O design de Francisco de Miranda para a bandeira de sua expedição pela independência da Venezuela, conforme descrita pelos habitantes de La Vela de Coro e ainda com suas cores em ordem trocada.

Com a bandeira hasteada, Miranda deixou a costa sul do Haiti em março de 1806 em direção a Venezuela, mas sua frota foi quase toda capturada por navios espanhóis. Apenas o Leander escapou, fugiu para a ilha de Barbados, conseguiu ajuda do Reino Unido (que estava em guerra com a Espanha) e chegou a La Vela de Coro, um forte venezuelano, em três de agosto do mesmo ano. Lá hasteou a bandeira que havia criado, pela primeira vez, em solo venezuelano. Mas sem apoio local, Miranda não pode permanecer no país por muito tempo e foi para a Inglaterra.

Quatro anos depois Simón Bolívar já havia deposto os colonizadores e iniciado o processo de independência da Venezuela, em 1810. No mesmo ano, Bolívar foi a Londres pedir ajuda aos britânicos e aproveitou para convidar Miranda a retornar para Caracas. Ele voltou e se tornou chefe da província de Barcelona. Sua bandeira foi adotada, com algumas modificações, pelo recém formado congresso local como o estandarte da Venezuela.

A bandeira da Venezuela até 1814, nas duas primeiras tentativas de estabelecer uma república na região. Uma variação do design de Francisco de Miranda, com simbologia que remetia a história da região.

A guerra ainda demorou mais de uma década para acabar, mas Miranda nunca viu sua Venezuela ter a independência reconhecida, graças a uma série de eventos trágicos que se sucederam. A suspensão da compra do cacau pela Espanha levou o novo país a crise financeira e, em 1812, um terremoto destruiu boa parte da Venezuela controlada pelos republicanos. Isso facilitou a vida dos monarquistas e Miranda tentou fugir antes que eles chegassem a sua província. Bolívar tratou isso como uma traição, prendeu seu colega da revolução e o entregou aos espanhóis. Miranda morreu numa prisão em Cádiz, na Espanha, em 1816.

A prisão de Miranda é considerada uma das ações mais controversas de Bolívar, mas o fato é que ela garantiu ao general um passaporte para, ironicamente, também fugir da Venezuela, reorganizar suas tropas na ilha de Curaçao e voltar a Venezuela em 1813 para a famosa Campaña Admirable, que restabeleceu a república venezuelana. Essa também não durou muito, foi novamente deposta pelos espanhóis e Bolívar só conseguiu garantir a independência do país, de forma definitiva, entre 1819 e 1821, numa campanha coordenada envolvendo toda o Vice-Reino de Nova Granada, fundando a Grã-Colômbia, uma confederação que unia Venezuela, Nova Granada (ou Colômbia), Equador, Panamá e territórios que hoje são parte da Guiana e do Brasil.

A bandeira da Grã-Colômbia, que oficialmente era chamada de República da Colômbia, adotada em 1819.

A primeira bandeira desse novo país era a tricolor de Francisco de Miranda com um brasão de armas cheio de referências a história local. O índio segurava uma lança com um gorro, o barrete frígio, famosa figura heráldica que representa regimes republicanos. Um jacaré (que pode ser um jacaré-açu ou um jacaretinga), animal comum na região, e várias espécies de vegetação local também podem ser vistas. Assim como o navio e o sol nascente, referências a conquista da liberdade local. Já as duas mãos se cumprimentando representam a união entre os países das três estrelas brancas: Venezuela, Equador e Nova Granada.

A bandeira passou por várias modificações ao longo dos anos, a medida que as campanhas de Bolívar para libertar o resto da América Espanhola iam acontecendo. Em 1822, o general “substituiu” José de San Martín na libertação do Peru. Já em 1824, com a ajuda de Antonio José de Sucre, garantiu a independência do Alto Perú, rebatizado de Bolívia, colocando Simón Bolívar numa seleta lista de pessoas com países nomeados em sua homenagem.

A segunda bandeira da Grã-Colômbia, de 1820, com um condor no lugar do índio e as estrelas correspondendo as províncias da confederação.

Presidente, ao mesmo tempo, do que hoje é metade da América do Sul, era extremamente difícil para Bolívar se manter no poder de uma federação que se provava muito frágil. Ele queria organizar um país nos moldes dos EUA, mas viu que isso era impraticável. Ele acabou deixando a presidência da Bolívia, do Peru e a oposição cresceu, principalmente na Nova Granada. Uma convenção constitucional em 1828 não facilitou sua vida e, no mesmo ano, ele sobreviveu a uma tentativa de assassinato graças a sua amante, Manuela Sáenz, que ganhou a alcunha de Libertadora del Libertador.

Sem condições de resistir a pressão, Bolívar anunciou que deixaria a presidência da Grã-Colômbia em 1830. Organizando-se para o exílio, o general chegou a enviar parte de seus pertences a Europa em abril daquele ano, mas não pode encontrá-los, pois morreu de tuberculose, em 17 de dezembro, em La Quinta de San Pedro Alejandrino. Antes de falecer ele pediu ao amigo e general Daniel O’Leary que queimasse seu extenso arquivo de anotações, mas O’Leary desobedeceu, para o bem da história. Um pedido de Bolívar que foi obedecido foi a o da divisão da Grã-Colômbia, que se tornaria Venezuela, Nova Granada (a futura Colômbia) e Equador.

Cada um desses países precisava de sua bandeira, mas isso fica para a segunda parte da história da tricolor de Francisco de Miranda.

A última bandeira da Grã-Colômbia, adotada em 1821 e utilizada até a dissolução do país, em 1830. No brasão, as cornucópias com frutas representam a abundância e a riqueza local; as armas ao centro falam da força do povo da América do Sul.

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