Desde as décadas finais do século XX, observou-se um avanço significativo na posição da mulher no mercado de trabalho, tanto na taxa de participação quanto no rendimento das mesmas. Segundo o Censo Oficial do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o hiato salarial de gênero foi consideravelmente reduzido quando comparamos os dados de 1980 e 2010: na primeira pesquisa, o rendimento das mulheres era cerca de 68% do que ganhavam os homens, enquanto em 2010 esse percentual subiu para 77,5%. Apesar do progresso, o diferencial salarial de gênero ainda é uma realidade ao redor do mundo. Nesse contexto, investigar os determinantes das desigualdades observadas é de fundamental relevância para atingirmos a convergência de rendimentos entre homens e mulheres.

Um dos métodos amplamente utilizado para analisar os determinantes do diferencial salarial é a decomposição pelo método Oaxaca-Blinder (OAXACA, 1973; BLINDER, 1973), na qual o mesmo é fragmentado em duas partes: uma parte explicada e um resíduo. Com relação à primeira, o hiato salarial é justificado de acordo com características produtivas dos trabalhadores, como escolaridade e experiência. Já a parte não explicada pode ser relacionada à discriminação salarial, ao supor que estamos controlando para todos fatores associados ao diferencial de rendimentos e, assim, analisando indivíduos semelhantes em suas características produtivas.

As análises precursoras na literatura do diferencial salarial de gênero voltavam sua atenção a fatores relacionados à oferta de trabalho, em especial à acumulação de capital humano. Mincer e Polachek (1974) argumentam que as diferenças observadas entre os gêneros estão relacionadas à experiência e ao vínculo com o mercado de trabalho. Devido a uma tradicional divisão do trabalho dentro das famílias, onde as mulheres teriam responsabilidades domésticas e com os filhos, as mesmas, ao anteciparem uma menor duração na força de trabalho, teriam menores incentivos a investir em educação e treinamento. Ademais, interrupções na participação no mercado de trabalho seriam responsáveis por uma depreciação do capital humano já existente, resultando, portanto, em menores salários quando as mulheres retornassem ao mercado.

Não obstante a grande relevância desempenhada por fatores relativos à experiência e ao investimento em capital humano para explicar o diferencial de rendimentos entre os gêneros, uma tendência de convergência- e mesmo reversão em relação aos anos de escolaridade- foi observada nas últimas décadas. Uma tendência à maior escolaridade das mulheres em relação aos homens foi observada na grande maioria das economias desenvolvidas e em desenvolvimento. Dados da OCDE demonstram que, para o ano de 2013, dos seis milhões de estudantes graduados em universidades dos seu países-membros, 58% eram mulheres (OECD, 2017). Contudo, diferenças persistem em relação aos campos de estudo, sendo as mulheres sobre-representadas em áreas de estudo relacionadas a carreiras que remuneram, em média, menos, quando comparadas àquelas em que há uma menor proporção de trabalhadoras do sexo feminino. Enquanto 64% dos diplomas recebidos nas áreas de humanidades, artes e ciências sociais advinham de mulheres, somente 31% dos formados nas áreas de ciências e engenharia eram do sexo feminino. Com relação à escolaridade no Brasil, ao comparar as diferenças por gênero, o Censo de 2010 revelou um maior contingente de mulheres (57,1%) entre os universitários de 18 a 24 anos de idade. Ademais, para o Ensino Médio, ocorreu um aumento da frequência escolar feminina de 9,8% em comparação com a masculina.

Dado que as mulheres, na maioria das economias avançadas e nos países em desenvolvimento, possuem, em média, maior escolaridade que os homens, quais seriam os outros fatores determinantes dos salários que poderiam levar às diferenças observadas? Uma dificuldade que surge ao tentar analisar os determinantes diz respeito à obtenção de uma variável que capte bem a experiência do indivíduo no mercado de trabalho. Em muitas bases de dados, possuímos somente informações acerca de quanto tempo a pessoa está no emprego atual ou quando a mesma ingressou no mercado de trabalho. Uma maneira tradicional na literatura de encontrar uma aproximação para experiência é usar a idade (uma medida muito usada foi idade-anos de escolaridade-6). Contudo, para captar a experiência das mulheres, usar a idade pode ser problemático, pois as mesmas apresentam, em média, mais interrupções na carreira, por exemplo, para cuidar de filhos pequenos. Dessa maneira, podemos incorrer em uma estimativa viesada de um percentual não explicado, superestimando a discriminação.

Para o Brasil, Fernandes (2013), buscou adereçar tal desafio usando a base de dados da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais), que o permitiu reconstruir o histórico dos empregados no mercado de trabalho formal brasileiro. Na amostra geral, embora adicione-se controle para características produtivas, incluindo o histórico profissional e ocupação, o hiato salarial entre gêneros persiste em um patamar de 19,1%.

Dado que os resultados provenientes de estimações que se utilizam da metodologia Oaxaca-Blinder para decomposição do diferencial de gênero no Brasil (GIUBERTI, MENEZES-FILHO, 2005; MADALOZZO, 2010; FERNANDES, 2013) demonstram haver um significativo percentual não explicado, revela-se essencial voltarmos a atenção aos modelos teóricos e aos trabalhos empíricos que abordam uma possível característica da demanda por trabalho: a discriminação.

Becker (1957), através da Teoria de Discriminação por Preferência, apresenta uma implicação interessante: maior competição no mercado de trabalho resultaria em menor discriminação contra os empregados. Como o ato de discriminar implica em um custo, empregadores com poder de mercado estariam mais aptos a discriminar em comparação com aqueles sujeitos à maior competição. A teoria aponta que empregadores com preferências discriminatórias, ou seja, aqueles para qual contratar uma mulher resulta em uma desutilidade, somente admitirão trabalhadoras do sexo feminino se o desconto no salário for grande o suficiente para compensar a perda na sua utilidade ao empregar uma mulher.

Sob outra perspectiva, os Modelos de Discriminação Estatística apresentam a possibilidade da informação assimétrica influenciar o diferencial salarial de gênero. Isso ocorreria por meio de uma incerteza acerca da produtividade do trabalhador que levaria os empregadores a discriminarem as mulheres baseado no que observam como diferenças médias entre os gêneros (PHELPS, 1972; AIGNER, CAIN, 1977). Como consequência, não somente as firmas pagariam menos às mulheres, mas poderiam excluí-las de certos treinamentos específicos, pois antecipariam que as mesmas sairiam mais rapidamente da força de trabalho para ter filhos (WEISS, GRONAU, 1981). Tanto tal comportamento pode realmente afetar a produtividade das mulheres, através do menor investimento em capital humano, como pode desincentivar as mesmas a continuarem na força de trabalho, de tal forma que as mulheres acabassem apresentando um maior desligamento do emprego como anteriormente predito pelo empregador. Ademais, a discriminação estatística pode levar a um menor número de promoção de cargos para as mulheres.

Para além da apresentação das teorias relacionadas à discriminação, demonstra-se relevante investigar os trabalhos empíricos relacionados ao tema. Dentro de tal literatura, destacam-se trabalhos experimentais, naturais e laboratoriais, que podem indicar estimações relevantes da discriminação. Goldin e Rouse (2000) investigam a relação da adoção de “audições às cegas” para orquestras sinfônicas nos Estados Unidos com o aumento de número de mulheres nas melhores orquestras do país. Dentre as cinco mais prestigiadas orquestras, em 1970, a média de mulheres era menor de 5%. Já em 1996, essa percentagem passou a 25%. O estudo demonstra que o uso de telas que impossibilitam observar o sexo do músico seria responsável por explicar 25% do aumento do número de mulheres nas orquestras observadas entre 1970 e 1996.

Correl, Benard e Paik (2007), através de uma experiência laboratorial com alunos da graduação, visam a investigar a hipótese de se existir um “fardo da maternidade” sobre os salários das mulheres. Os participantes receberam currículos de supostos aplicantes a um emprego no departamento de marketing de uma empresa de comunicações, acreditando que a empresa gostaria de receber um feedback de jovens. Os documentos apresentados descreviam candidatos igualmente produtivos em seus empregos passados, com experiências similares e características semelhantes. Os resultados são condizentes com a hipótese do fardo da maternidade: as mães foram julgadas como menos competentes e comprometidas em comparação com mulheres sem filhos, mas com currículo similar. Também se observou diferença significativa na quantidade de participantes do experimento que sugeriram a contratação de mulheres com filhos. Enquanto somente 46% das mães foram recomendadas, a proporção para as mulheres sem filhos era de 84%. Além disso, os salários iniciais propostos para as mulheres com filhos foi 7,4% menor e as mesmas foram menos recomendadas para futuras promoções e cargos de gestão em comparação com aplicantes do sexo feminino sem filhos. Já no caso dos homens, a paternidade mostra-se relacionada a um maior comprometimento para o trabalho, segundo o julgamento dos participantes do experimento. Além disso, a eles foi sugerido um salário maior em relação aos homens sem filhos.

Para além de atribuir a parte não explicada do diferencial salarial de gênero à discriminação, outros trabalhos argumentam que tal resíduo reflete certos fatores psicológicos dos gêneros relacionados a menor propensão das mulheres à barganha, propensão à tomada de risco e a relação dos gêneros com a competição.

Babcock e Laschever (2003) encontram que homens são mais suscetíveis a negociar que as mulheres e tal diferença pode ser atribuída a normas sociais que enxergam um comportamento feminino incompatível com a negociação, sendo as mulheres que a praticam julgadas como arrogantes ou insistentes. Já com relação à competição Niederle e Vesterlund (2007) realizam um experimento laboratorial onde os praticantes foram divididos em grupos com dois participantes do sexo masculino e dois do feminino em cada e à cada um deles foram atribuídas certas tarefas. Após realizadas, eles receberam um feedback acerca do seu desempenho, mas a performance dos outros participantes não foi revelada. Cabe ressaltar que não foi observada diferenças significativas nas performances entre os gêneros. Adiante, ofereceu-se duas opções aos estudantes: pagamento por tarefas resolvidas corretamente ou um regime de compensação competitivo onde somente o participante de melhor performance do grupo era recompensado. Os resultados demonstram que, enquanto 73% dos homens escolheram a segunda opção, somente 35% das mulheres fizeram o mesmo. Além disso, os resultados são condizentes com mais homens com baixo desempenho escolhendo competir quando comparado às mulheres com alta performance.

Contudo, uma questão de grande relevância é: porque essas diferenças são observadas? Isso é devido a algum fator natural entre os sexos ou podemos atribuir à socialização diferenciada dos gêneros? A cultura influencia atitudes e comportamentos com relação à barganha, tomada de risco e competição?

Gneezy et al. (2008) realizam um experimento onde os participantes devem jogar uma bolinha em um balde e escolher se são recompensados por cada bolinha acertada ou entram em um esquema competitivo, bastante parecido com o desenho do experimento apresentado anteriormente. A grande diferença é ele é realizado em duas sociedades com culturas bastante distintas, onde a posição da mulher na sociedade é quase oposta: os Maasai, na Tanzânia, exemplo de uma sociedade patriarcal e os Khasi, no nordeste da Índia, sociedade matrilinear, onde as mulheres são chefes de suas famílias. Assim, encontrar evidências de que as mulheres se comportam de maneira diferente nessas duas sociedades iria contra o argumento que as diferenças comportamentais entre os gêneros são puramente determinadas pela biologia (Bertrand, 2011). Condizente com a influência de fatores sociais nas atitutes de gênero, 50% dos homens Maasai escolheram o esquema competitivo, enquanto apenas 26% das mulheres Maasai fizeram o mesmo. Já entre os Khasis, 54% das mulheres escolheram competir em comparação com 39% por cento dos homens optando pelo mesmo esquema.

Outros diversos experimentos corroboram com a influência das normas socias nas decisões profissionais de mulheres. Carrel et al. (2009) analisam como ter professoras do mesmo gênero afetam a escolha do major a ser seguido em universidade onde os alunos das classes introdutórias são aleatoriamente designados a uma turma. Os resultados indicam que as alunas designadas a turmas com professoras mulheres nas aulas introdutórias de matemática e ciências são mais propensas a seguir um major em tais áreas, corroborando com a importância de role models. Bursztyn, Fujiwara e Pallais (2017), realizam experimentos com estudantes de MBA dos EUA e os resultados corroboram com a hipótese de que pode existir um trade-off para as mulheres entre tomar ações que atuariam a favor do seu sucesso profissional e a potencial sanção das mesmas no mercado de casamento, já que, em média, os homens preferem mulheres menos ambiciosas profissionalmente, como apontam outros estudos.

Os estudos que buscam investigar se há um fator biológico que influencia essas diferenças de comportamento focam na relação dos níveis de testosterona com atitudes em relação à competição e tomada de risco (DREBER E HOFFMAN,2007). Dreber e Hoffman (2007) usam a medida de distância entre o segundo e o quarto dedo da mão (2D:4D ratio) como uma “proxy” à exposição pré-natal e encontram que a razão é positivamente correlacionada com aversão ao risco. Maestripieri et al. (2009) investigam a relação dos níveis de testosterona pré-natal e circulante com a aversão ao risco em estudantes de MBA. Eles encontram que essa relação existia entre as mulheres, mas não entre os homens. O estudo também relata que as mulheres cursando o MBA possuiam menor probabilidade de ingressar em uma carreira financeira do que seus colegas de sexo masculino, mas essa lacuna torna-se menor e estaticamente menos significante ao controlar os níveis de testosterona circulante e pré-natal.

Tais estudos parecem trazer alguma evidência de correlação de fatores biológicos e atitudes que afetam o diferencial salarial. Contudo, como argumenta Bertrand (2011), essas evidências não implicam causalidade, em especial porque os níveis circulantes de testosterona podem ser fortemente afetados por fatores ambientais, ou ser um resultado, e não uma causa, de escolhas comportamentais. Podemos ainda dizer que um argumento similar se aplica à exposição pré-natal: a variação dos níveis de testosterona no útero podem estar relacionados às características ou a condições socioeconômicas da mãe.

Goldin (2014) argumenta que estudos que relacionam o diferencial salarial com competição e barganha possuem seu mérito, mas são incapazes de explicar porque diferentes ocupações remuneram de maneira distinta o total de horas trabalhados por dia ou por semana ou mesmo o afastamento da força de trabalho. Além disso, tais explicações para o resíduo do hiato salarial também não providenciam explicações sobre como as diferenças divergem entre mães e mulheres que não possuem filhos. Dessa forma, demonstra-se fundamental analisar outras possíveis razões relacionadas a fatores não explicados do diferencial salarial de gênero. A autora aponta que a relação das características das ocupações com a demanda por flexibilidade é essencial para explicar como, mesmo com similaridade em características produtivas entre os gêneros e mesmo dentro da mesma ocupação, o diferencial salarial persiste.

A flexibilidade no trabalho é um conceito que envolve o número de horas trabalhadas, o trabalho em horas particulares, a disponibilidade para o cliente, para receber ligações e estar presente em encontros. Dessa maneira, certas ocupações que exigem cumprir muitos deadlines, estando assim sujeito à pressão por tempo, manter constante contato com parceiros de trabalhos e clientes são aquelas com menor flexibilidade. Além disso, outro fator importante do emprego é a possibilidade do trabalhador encontrar substitutos para dividir tarefas, algo que decorre das características do trabalho, como o fato do mesmo ser estruturado para aquele indivíduo especifico e a liberdade ao tomar decisões.

Utilizando das características mencionadas acima, a autora compara características de flexibilidade para quatro grupos diferentes de ocupações que apresentem, em média, alta remuneração: ciências e tecnologia, negócios, saúde e direito. Os resultados indicam que as ocupações que relatam menor flexibilidade são aquelas em que os rendimentos mais variam com relação às horas trabalhadas.

Enquanto em algumas ocupações, trabalhar 35 horas semanais corresponde à metade dos rendimentos de quem trabalha 70 horas semanais, em outras, tal relação linear entre salário e horas trabalhadas não é observada. Como mulheres, em média, trabalham menos horas comparado aos homens, o diferencial salarial pode estar relacionado à não-linearidade de salários. Devido ao fato de alguns trabalhos impossibilitarem delegar funções, a penalização por trabalhar menos horas é maior. Exemplos de ocupações que apresentam essa relação em maior magnitude são relacionadas ao Direito e aos Negócios. A seguir, apresentaremos mais estudos que corroboram com a relação entre a demanda por flexibilidade e o diferencial salarial.

Noonan, Corcoran e Courant (2005) observam ex-estudantes de direito da Universidade de Michigan 15 anos após a graduação. Os autores encontram que as diferenças salariais entre os gêneros eram pequenas no começo das carreiras, mas evoluem a mais de 50% no final do período observado. Dentre as razões elencadas para tal diferença, destaca-se uma maior propensão das mulheres a trabalharem em regime de tempo parcial e interrupções na carreira por conta do nascimento do filho. Enquanto 42% das mulheres trabalharam em tempo parcial, por uma média de 38 meses, para cuidar dos filhos, somente 7 dos 1036 pais da pesquisa fizeram o mesmo. Além disso, 37% das mulheres pararam de trabalhar, com uma média de afastamento de 17 meses, a fim de dedicar-se ao cuidado das suas crianças. Para o coorte inicial, os resultados da estimação demonstram que um mês trabalhando em regime de tempo parcial resultava em uma redução de rendimentos de 4,8% ao ano. Já um ano afastado corresponde a uma redução dos rendimentos em 8,4%.

Outro trabalho de destaque é de Bertrand, Goldin, and Katz (2010) que examinam as diferenças entre indivíduos que cursaram o MBA da Universidade de Chicago entre 1990 e 2006. Apesar de não ser observado diferenças significativas nos salários logo após a graduação, o diferencial salarial se expande enormemente, alcançando uma diferença de quase 60% entre 10 e 16 anos depois. Dentre os fatores que explicam tais diferenças estão as interrupções na carreira e as horas trabalhadas ao longo dos anos subsequentes à graduação.

A penalização no rendimento das mulheres decorrente de possuir filhos é abordada por Landais, Kleven e Søgaard (2017). Os autores demonstram que os rendimentos dos trabalhadores dinamarqueses apresentam uma trajetória parecida até o nascimento do primeiro filho, quando surge um acentuado hiato de gênero. Este persiste mesmo no longo prazo, estabilizando-se em torno de 20%. Dentre os fatores relacionados às diferenças de rendimentos, os autores analisam a taxa de participação no mercado de trabalho, as horas trabalhadas e os salários, concluindo que os três apresentam uma tendência similar, divergindo após o nascimento do primeiro filho e permanecendo com um significativo hiato mesmo no longo prazo.

Os autores investigam outras alterações associadas ao nascimento dos filhos como mudanças na ocupação e na probabilidade de ocupar um cargo de gerência. Demonstra-se que, após terem filhos, muitas mulheres trocam de emprego, visando a trabalhar em firmas “family friendly”, ou seja, onde podem conciliar o trabalho com cuidados familiares. Além disso, há uma mudança acentuada para empregos no setor público que providenciam maior flexibilidade. Tais ocupações estão relacionadas a menores rendimentos, sendo um dos fatores responsáveis pelo crescimento do hiato salarial. Além disso, a probabilidade de ocupar um cargo alto na hierarquia da firma é reduzida após o nascimento do filho.

De forma a providenciar uma explicação para tal tendência, os autores estimam a transmissão intergeracional da penalização por ter filhos. Os resultados encontrados indicam que mulheres nascidas em famílias onde predominava os tradicionais “papeis de gênero”, na qual suas mães trabalhavam menos que seus pais, têm maiores chances de sofrerem uma penalização quando as mesmas têm filhos. Dessa forma, os resultados são consistentes com a criação da mulher influenciando suas escolhas que priorizam a família em detrimento da sua carreira.

Em suma, trabalhos empíricos apresentados demonstram ainda existir uma relevante parte não explicada do diferencial salarial de gênero, mesmo com controles mais apropriados para características produtivas e com controles relativos à ocupação dos indivíduos. Entretanto, é relevante ressaltar que a metodologia de Oaxaca-Blinder poderia estar subestimando o papel da discriminação ao não ponderar certas diferenças que influenciam os salários, mas são precedentes ao mercado, como a segregação ocupacional. Além da segregação ser reflexo de uma escolha individual, a mesma pode estar relacionada a fatores históricos, culturais e sociais que estão relacionados a uma discriminação indireta. Como argumentado por Madalozzo, Martins e Lico (2015), diversas ocupações caracterizadas como femininas são uma extensão do trabalho doméstico já exercido pelas mulheres. Madalozzo (2010), ao analisar o período entre 1978 e 2007, para o Brasil, demonstrou que as mulheres aumentaram sua representação em ocupações tradicionalmente masculinas, onde se observa, em média, maior remuneração. Contudo, ocupações onde as mulheres estão sobre representadas continuaram com esse perfil.

A abordagem da questão do diferencial salarial de gênero pela mídia vem focando bastante no percentual que poderia ser atribuído à discriminação e deixando de lado fatores observáveis que são relevantes como escolha ocupacional, afastamento do mercado de trabalho e trabalho em regime de tempo parcial. É comum encontrar críticas aos economistas porque seus dados, às vezes, apresentam percentuais baixos (aos olhos de alguns) de discriminação. Também é fácil encontrar pessoas dizendo que, porque esses percentuais não são tão altos, o diferencial salarial não é um problema, mas sim resultado de escolhas tomadas pela mulher. Mas será que se não vivêssemos em uma sociedade machista, observaríamos tais diferenças? Como já debatido, há fortes indícios que os comportamentos e escolhas das mulheres estão sujeitos a uma forte influência social. Portanto, entender como as decisões são tomadas tanto em nível individual quanto ao nível da família é fundamental para fazermos uma abordagem critica com relação à questão.

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