Clubes e crushes — Livro 1: Capítulo 1

Autor: Rodrigo Bino

Rodrigo Bino
Os exilados e o Clube Tangerina
36 min readMay 30, 2022

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Ilustração preto e branco com duas crianças no campo

Era manhã, a visão estava meio turva e brilhante por causa do sol, mas havia aquele frescor matinal com a grama ainda molhada pelo sereno da noite fria e as nuvens baixas nas colinas. Duas crianças, um menino e uma menina, conversam:

— Você tem que ser mais corajoso! — Dizia a garota para o garoto.

— Eu sou corajoso! É que eu não sabia o que fazer diante de um gambá…

— Você paralizou e eu que o chutei para fora, igual uma guerreira! — Dizia a garota com seu grande chapéu sombreiro cobrindo seu rosto. Ao mexer no bolso de seu macacão ela retira um pingente dando ao garoto.

— Toma! Isso vai te ajudar.

— Isso? Por quê? Eu não uso essas coisas.

— Não precisa usar, seu bobo. Só guarde pra mim. Me devolve quando você for mais corajoso. Preciso me casar com alguém corajoso.

— Casar? Você… Vo-vo cê quer casar comigo? — Dizia o garoto corado e assustado.

— Não, ainda não é hora de fazer essa pergunta. Me encontra quando for corajoso e aí vou pensar se digo sim ou não para sua pergunta.

— Mas… mas…

— Seja corajoso!

— Tá, eu sou… já disse.

— Você não tem coragem de casar comigo?

— Não… é… é… É que você é… você é bonita e não achei que você se interessaria em alguém tipo eu.

— … Me encontre. Se você tiver coragem, vai me achar!

— Tá bom. Eu não sou medroso. Aceito sua … sua… eu não sei como falar..

— Proposta?

— Isso, eu aceito sua pro-pos… proposta! Mas como vou te achar se não sei onde você mora…

— Ah… Eu sou do Reino de … lu…

O sonho acaba antes que o garotinho, agora crescido, pudesse ouvir o nome do lugar e lembrar o nome da garotinha.

Estamos no período de volta às aulas, verão, segunda-feira às 7:10 da manhã. Cidade de Sanlou, escola Polivalor.

Antes de chegar na escola…

— Tem certeza Daniel? Não vai querer carona do seu pai? — Perguntou Sara, mãe de Daniel.

— Não, vou de bicicleta mesmo. — Respondeu Daniel.

— Claro mãe, os garotos daquela escola já não vão com os pais para escola. Gostam de bancar os “independentes”. — Em meio aos risos respondeu a irmã mais velha de Daniel.

Daniel faz careta para responder, mas por trás desta careta está um garoto de 15 anos super tímido quando está longe da família. Cabelos rebeldes, lisos, castanhos e olhos castanhos também, além de ter um colar em seu pescoço com algo pendurado que ele já não se lembra mais se ganhou, achou ou comprou.

— Ele vai despertar um dia, Ana. — Disse sua mãe à sua irmã, enquanto olhava o pote de pudim esquecido que ele sempre levava para escola às segundas, mas dessa vez ele esqueceu.

Não muito longe dali, na casa de uma família pobre mora um dos amigos de Daniel.

— Moleque, pega o livro aqui, tá esquecendo! — Gritou Fátima, mãe de Orion, enquanto ele se assustou com o grito quando estava montando em sua bicicleta.

— Mãe do céu, a senhora vai me matar do coração algum dia com esses gritos… — Respondeu Orion voltando para dentro de casa para pegar o livro da mão de sua mãe.

— A senhora é sua vó… Óia.. falando nisso menino… Dá a benção aí pro seu tio! — Tio? Onde?… Ah! Surge o tio de Orion montado num cavalo na calçada acenando com um pedaço de palito no dente.

— Aopa, Orium! Bão?

Era comum alguns fazendeiros passarem pela cidade com seus cavalos.

— Benção tio Paulo… — Orion responde montando na bicicleta e sussurrando baixinho: — É Orion, não Oriuuum.

Orion era um garoto moreno, baixinho, com o cabelo raspado nas laterais, mas em cima ele tinha tanto cabelo que amarrava com um elástico roubado de sua irmã mais nova. Digamos que Orion era um garoto covardemente corajoso, ou corajosamente covarde. Ao sair para pedalar, às vezes ele encontrava com Daniel no trajeto. Não combinavam de se encontrar, pois Orion tinha problemas com o horário e Daniel não gostava de se atrasar.

Saindo de casa e enfrentando boas subidas pelas ruas com suas bicicletas, finalmente Daniel e Orion chegam a escola.

Ao passar o portão de entrada, vemos uma rua em leve descida longa que se dividia do lado direito com calçada e do lado esquerdo para os carros de pais e professores. Essa rua dava num segundo portão laranja com vidros. Era onde ficava o inspetor Jorge, fácil de tapear, mas difícil de dobrar se algum aluno chegasse um minuto atrasado. Ao entrar pelas portas à direita, temos a sala dos professores, a diretoria e o bicicletário. A esquerda vemos um corredor que leva para a praça de alimentação e dali para o corredor onde ficavam as salas de aula. Por isso, antes de tocar o sinal, era comum os alunos ficarem na área da praça de alimentação e no pátio do recreio.

Orion todo extrovertido, cumprimenta a todos pelo percurso até sua sala, enquanto Daniel anda olhando para baixo até a sala. Era comum garotas ficarem encarando-o, pois elas o achavam uma graça. Mas ele não dava muita bola, então elas ficavam na delas. Bom, quase todas.

— Oi, Daniel! A Clara quer saber se tem jeito? — Pergunta Raíssa.

Daniel, corado como sempre quando uma garota falava com ele, responde sem entender a pergunta:

— Je-jeito? Que jeito ué?

— Ah, deixa de ser bobo.

Já Orion era do tipo que as garotas até conversavam, mas achavam ele estranho, porque quase todas da escola tinham uma história dele pedindo para namorar uma amiga diferente, mas covardemente por cartas, segundo elas. Então elas já evitavam ficar a sós com ele para não ter nenhum constrangimento.

Orion é derrubado no chão de propósito por Martim e Lucas, uns valentões da escola.

— Melhor ficar aí embaixo que é de onde você é mesmo. — Diziam os valentões rindo um para o outro.

— Aí manos… tô de boa aqui. Que-querem que eu pa-pago o lanche de vocês, faça lição de ca-casa? — Respondeu Orion com as pernas bambas mas tentando parecer corajoso.

— Ih rapa, a gente quer nada de você não. Deve ser muito empobrecedor… Giahahahaha

— Vão circulando aí, vocês dois?

Este é Ravi, um garoto grande, forte, não musculoso, mas intimidador. Por trás desse rosto intimidante está um japonês sorridente, mestiço, carismático, que todos querem estar por perto.

Ninguém ousa enfrentá-lo. Uma vez, num jogo de rugby, ele conseguiu correr com 3 pessoas penduradas nele do meio campo até o fim da quadra.

— É isso aí! Mexeu comigo, mexeu com o Ravi, seus invejosos. Meu minimalismo incomoda vocês esbanjadores.

— Tá bem, Orion, eles já estão indo. Não irrite mais eles. — Disse Ravi dando a mão para Orion levantar.

— Ah, olha aí, Daniel, viu só? Com o Ravi do nosso lado ninguém pára a gente. Hahaha.

Daniel quieto e de poucas palavras acena a cabeça concordando. Até que com o canto do olho ele vê as garotas rindo olhando para ele. Abaixando a cabeça com vergonha ele se vira e continua caminhando enquanto pensa: “Por que elas estão rindo? Deve ter algo errado em mim. Ou alguma delas gosta de mim? Não, impossível! Nem as conheço, e quem se interessaria por mim?”

— Mas é claro que nada é de graça nessa vida! — Diz Ravi abrindo um sorriso no rosto. — A missão do recreio de hoje está sensacional! Me aguardem! Quem ganhar desta vez vou pagar um refri… — Ah Ravi, de novo um refri? — Comentavam as pessoas que estavam perto. — …e uma coxinha da tia Joanaaaa! — Concluiu Ravi levantando um dos braços para o alto.

“O poder de Ravi levantar os ânimos das pessoas com pouca coisa é incrível.” — Pensou Daniel.

Saindo da entrada da escola, Daniel passou pela porta que leva para o corredor do pátio de alimentação.

Naquela entrada havia alguns alunos entregando panfletos com dizeres “faça parte de um clube, escolha o seu”. Naquele tempo algumas escolas tinham atividades extras pós aula, com clubes para incentivar o desenvolvimento dos alunos em áreas diversas.

Ainda andando de cabeça baixa, Daniel vê uns pés delicados parados na frente dele e ali estava ela, seu primeiro crush da escola. Só de olhar para ela já sentia suas orelhas esquentarem. Ele foi ficando nervoso a medida que a via esboçar um sorriso em sua direção, até que do nada um tapa “voou” em sua nuca. Era a Luna Rosa, com seu irmão Pedro e uma colega de sala dele, Kallíope.

— Ê Daniel, olha pra frente! — Disse Luna com um panfleto na mão que usou para bater na nuca de Daniel que andava olhando para baixo. “Droga”- Pensou Daniel achando que estaria recebendo um sorriso de Denise.

Luna Rosa era bem expressiva, atlética e emotiva. Era fácil ver ela mudar da raiva para a alegria em um instante. Não se engane pelo seu tamanho, pois apesar de baixinha, seus socos e pontapés eram de gente grande. Ela se dava bem com a maioria dos meninos da escola. Seu irmão Pedro era sereno e na dele, além de muito inteligente e de poucas palavras. A loira de óculos é Kallíope, uma das garotas mais inteligentes também, mas um tanto estranha. Ela tem dificuldades em controlar suas emoções, então ela é bem exagerada em tudo. Ela só está tentando não ser fria demais, como alguns já dizem. Uma das poucas amigas rotuladas de nerd que Luna tem, mas foi por conta de seu irmão que essa amizade veio acontecer.

Luna é boa nos esportes e não é de se maquiar muito, como as outras meninas. Por este motivo, de uma certa forma, ela era aceita pelas garotas populares da escola. As garotas populares têm um critério para outras garotas andarem com elas: devem ser bonitas, mas não tanto para ofuscar a beleza delas. O mesmo acontece para garotas que são expansivas demais. Bom, às vezes Luna era assim, mas nada muito exagerado. Quando há garotas bonitas que não ofuscam a beleza de uma dita “patricinha”, então se cria uma panelinha de seguidores desta, digamos fêmea alpha, ou seja, a influenciadora de um grupinho. Bom, como Luna não liga muito para se vestir como as populares, ela transitava muito bem entre as panelinhas, afinal, ela não representava perigo para as patricinhas, embora algumas as vissem como uma ameaça em potencial. Já Kallíope, de difícil compreensão, têm amigas nerds e uma ou outra popular, porque às vezes Kallíope é tão ingênua e engraçada em tentar ser “normal” que sua luta contra a própria inteligência acaba a deixando desengonçada.

Bom, Kallíope está na sala de Pedro, embora todos mencionados até aqui estejam na mesma série, nem todos estão na mesma sala. Kallíope e Pedro são da sala do Primeiro ano A, enquanto os outros citados são do Primeiro ano C.

Bom, Denise nunca deu bola para Daniel, mas arrastava uma asinha para Armani. Ele não é diferente de Daniel. Ambos são misteriosos e de poucas palavras. A diferença é que Armani faz isso de propósito, pois acha todos imaturos e que ninguém viveu o mesmo que ele. Mas é uma boa pessoa, só não liga muito para as garotas se derretendo por ele. O desafio para elas fica maior e ele acaba sendo rodeado pelas rainhas das panelinhas.

— Irritante. — Mais um comentário frequente de Armani quando uma garota tenta dar em cima dele. Ao ouvir isso é comum que elas saiam tristes e chorando, mas algumas saem felizes por ouvir sua voz comentando com elas qualquer coisa, seja positiva ou negativa.

Armani tem a mesma altura que Daniel, porém tem bastante cabelo por isso usa um penteado moderno prateado como se batesse com a mão para pentear. Era estiloso com suas roupas. Parecia um europeu na forma de se vestir, sua pele era bem clara e seus olhos eram azuis. Vivia perfumado e era um dos top cinco mais bonitos da escola.

Mas nem só de alunos é feita uma escola.

O Primeiro ano C já começa a segunda-feira com uma professora carrasca, a Liz, professora de português. Brava e extremamente exigente. Ela pronuncia tudo perfeitamente, como “arroz”, ou seja, ela não fala “arroiz”. Ou “muito bom”, onde a letra ‘i’ do ‘muito’ é bem evidenciado assim como a letra ‘o’ de ‘bom’ também. Então não soa como ‘boum’, mas sim como ‘bom’. Na verdade está mas para ‘bõ’. A palavra muito ela pronuncia como “mu-íto”, onde a última sílaba não é pronunciado como ‘tu’, mas como ‘to’e o ‘i’ não tem um som de “muintu”. Ou seja, “muito bom” soava mais como “mu-íto bõ”.

— Psiu!… Daniel, passa pra frente! — Dizia Orion jogando um papelzinho na mesa de Daniel escrito “Para Denise”. Daniel se assustou na hora e olhou sério para ele. Orion dava em cima de todas as garotas por cartinha, mas dificilmente falava na cara delas. Ele era meio como um falso corajoso. Quem vê acha que ele é corajoso, mas é mais como um pinscher. Na hora agá ele arreda.

— Ah! Qual é, Dan! Você não vai falar com ela mesmo né? E faz tempo que você gosta da rainha… tá na hora de trocar, não? Não vai dar em nada desse jeito… — Dizia Orion cochichando, enquanto Daniel fazia sinal para ele falar mais baixo.

— O que vocês estão falando aí, Daniel? — Perguntou a professora Liz, que habilidosamente sabe ouvir bem cochichos de alunos. “Pronto, agora está tudo perdido. Ela está vindo aqui e na minha mesa tem um papelzinho escrito ‘para Denise’.” — Pensou Daniel querendo esconder a cabeça em um buraco.

Na sala toda se ouvia pequenos risos contidos a cada vez que Liz perguntava “hein?”, todos já sabiam que ela ouviu um cochicho e que vinha bronca.

— Orion, você tá cochichando também né? Posso saber o que é tão importante?

Enquanto isso, no corredor das salas, duas pessoas adultas conversam bem baixo: — Sim, está confirmado. Descobrimos que tentarão encontrá-lo aqui quando acabar a aula.

— Precisamos mesmo despertar novos recrutas, professor… Acho que Clube Tangerina não vai aguentar muito tempo se nos descobrirem e isso continuar.

— Eu sei. Vamos acelerar isso. Temos um aluno promissor no 1º C.

Voltando para sala de aula, Liz chega olhando para a carteira de Daniel e vê o papelzinho “Para Denise”. Então diz: — Recadinhos de papel? Vou confiscar isso aqui! Depois você vem pegar. Shi! Quem está cochichando aí no fundo? Vou dar prova surpresa se continuarem!

— Adoro surpresas! — Comentou Ravi ingenuamente com um sorriso olhando o teto e suspirando.

— O quê? Vocês pediram! Fechem os livros e arranquem uma folha de papel. Vou ditar! — Bateu na mesa enquanto falava a Professora Liz. Ao mesmo tempo os alunos reprovavam, decepcionados, o comentário de Ravi. Mas seu carisma era tão atraente que as pessoas não ficavam com raiva dele, acabavam rindo de sua ingenuidade.

— Eeerh… Com licença professora…

Este é Miguel, o professor de História mais gentil que todos conhecem. Ah, ele é estiloso, mas tem essa velha fita amarela amarrada no pulso.

De costas para a porta, Liz muda o semblante para assustada. Agora corada e se virando para porta, seu jeito de falar se torna como o de uma adolescente. Por isso sua voz ficou levemente mais fina e fofa. — Oi professor… Si-Sim… Po-pode fi-falar…

— Ué… o quê que deu na dona? — Perguntou cochichando Orion.

— Erh… tudo bem? Então, professora, é que meu giz acabou, eu queria ver se… Enquanto Miguel e Liz conversavam na porta da sala, os alunos tentavam entender a situação e outros faziam piadinhas.

— É sempre assim quando o Professor Miguel aparece. — Respondeu Daniel para Orion.

— Gente, é óbvio que eles se gostam! — Disse Luna rindo.

— Será? — Disse Denise rapidamente olhando para trás, onde eles estavam sentados. Daniel, na mesma hora, abaixou a cabeça, desviou o olhar de Denise e ao mesmo tempo tentava entender porque ele fazia aquilo.

— Essa é uma boa surpresa! — Comentou Ravi.

— Gente, pfff… Não é surpresa, todo mundo sabe, só eles dois que não.

— Haha. Só falta a Dona oferecer uma xícara de café para o professor! — Brincou Ravi.

— Isso, isso, isso… Queira entrar! — Completou Orion rindo.

— Depois da senhora! — Disse Armani. Como ele era bem sério, ninguém estava esperando que ele falasse algo durante uma citação de frases do programa Chaves. Após um silêncio, onde os alunos se entreolhavam e olhavam Armani, a sala toda deu de rir e segurar para não chamar a atenção da professora que estava na porta conversando com Miguel.

Armani ficou corado naquela hora, algo raro. Muitos ruídos de risadas seguradas se ouvia pela sala toda. Por isso professora Liz ficava fazendo gestos com as mãos atrás das costas. Ela tentava estalar os dedos para os alunos fazerem silêncio, até que Miguel comenta: — Tá tudo bem Liz? Quer ajuda para coçar suas costas? Posso ajudar!

Um silêncio tomou a sala novamente. Liz ficou muito corada. Em sua mente sua alma saiu e foi para as nuvens encontrando milhares de cupidos e um altar de casamento flutuante. Nem parecia mais uma professora carrasca. Por isso a sala não conseguiu segurar o riso. Uma onda de gargalhadas tomou conta da sala toda fazendo a professora Liz sair e fechar a porta para terminar a conversa com o professor Miguel do lado de fora.

Enquanto todos riam, Orion cochichava novamente com Daniel.

— Rapaz, tá livre ou não? Eu sei que eu tenho um não, mas deixa eu tentar a Denise, pelo menos posso dizer que já pedi ela em namoro! Daniel admirou a coragem de Orion e disse:

— Mas quem disse que eu gosto dela? Faz tempo isso. — Retrucou Daniel.

— Ué, mas você fica sempre que nem a professora aí quando vê Denise.

Caçoava Orion deixando Daniel vermelho.

— Aí! Eu acho que Daniel fica assim com todas as garotas!

— Ravi? Desde quando você tá ouvindo nossa conversa? -Disse Orion inconformado com Ravi, que sempre surgia do nada entrando nas conversas.

— Ah, cala a boca, Orion! E você que só pede por carta e nunca falou na cara delas? -Disse Daniel dando um peteleco indignado na orelha de Orion.

— Ih, sem humilhar o amiguinho. — Disse Ravi.

Daniel pensava consigo que lembra de gostar de Denise, mas sabe que não gosta mais dela, mas não lembrava quando isso aconteceu e o porquê dele haver desistido de gostar dela.

“Será que é por causa daquele sonho? Ele foi real? Faz pouco tempo que comecei a sonhar aquilo. Será que é uma lembrança?” — Pensava Daniel segurando seu pingente no colar. Era um pingente quebrado. Dava para ver que faltava um pedaço na parte de baixo dele.

Um forte barulho interrompeu as conversas na sala. Era a porta fechada com força pela professora Liz com um semblante de quem iria queimar a todos com o olhar.

Bufando, ela senta em sua mesa e reclama: — Que inferno de primeiro C! Quem fechou a porta? Abre a porta, Aline! Que saco, viu?! Armani, o professor Miguel quer falar com você. Não demora garoto!

— E pronto, voltou a ser carrasca. — Comenta sussurrando Ravi.

Enquanto todos riam da loucura da professora, Orion gesticulava para Daniel dizendo para pegar a carta na mesa da professora e que ele estava de olho.

Um pouco antes do recreio ser anunciado pelo sinal, vemos alguém falando baixo perto do depósito da escola com outro adulto. — Fique esperto também no recreio e nas aulas de Educação Física. Não podemos ter brecha alguma.

— Com o número de pessoas que temos é quase uma missão impossível cobrir todas as brechas da escola.

— Sabemos disso, mas além de mantermos o clube em segredo, a prioridade é a segurança dos alunos. Por hora os artefatos estão bem seguros.

Um novo amor desperta no recreio

Na hora do recreio, na fila para pegar a comida na famosa barraca da Tia Joana, ficava o "seu" Natanael, como era chamado pelos alunos. Ele ajudava as serventes da cozinha, mas sempre ficava ali falando com os alunos na fila. Diziam que ele era muito sábio nos conselhos.

— Não é, "seu" Natanael? Se seu amigo perde o bilhete que você ia dar para a mina que você gosta, então ele deveria falar com ela pelo amigo, não? — Disse Orion cutucando com o cotovelo Daniel.

— Ah, mas por que seu amigo deveria estar com o bilhete que você deveria entregar para quem gosta? Se você gosta, você cuida. Não é, moleque? Hahaha! — Disse Sr. Natanael dando um cascudinho no ombro de Orion e piscando o olho para Daniel.

Sr. Natanael era careca, mas tinha uma barba grisalha, era preto e de estatura média. Alguns diziam que ele tinha uma pequena barriga de chop, mas outros diziam que era por causa do jeito que ele vestia suas camisas xadrez que a barriga parecia maior.

— Nó! Acabou contigo, Orion! — Disse Ravi, logo depois de ouvir a resposta de Sr. Natanael.

— Que acabou comigo? Se quiser eu vou lá agora!

— Então vai! — Desafiou Ravi com uma risada.

— Eu vou hein… Eu vou! — Dizia Orion enquanto ameaçava de ir sem ir.

— Vai! Quero ver sua coragem! — Empurrando Ravi.

— Eu tô indo. Posso Dan? Eu vou hein…?

Sr. Natanael, como era um senhor de 60 anos com experiências, já entendeu tudo e comentou olhando para Daniel:

— Meu filho, se é seu, segura, hein?!

Daniel com vergonha disse:

— Não tem nada meu, não!

Luna estava falando com Guilherme e Léo e ambos estavam comentando que Denise gostava de Armani. Luna teimou dizendo que não. Não era possível. Por isso ela foi até Denise que estava comendo com Gabriela e Ariane.

— Denise, você gosta de alguém da sala?

Ela engasgando com o suco, por ser uma pergunta do nada e direta, respondeu.

— Nossa…Isso foi inesperado. Não sei se devo dizer… Bom, não é que eu goste, mas prefiro pensar em possibilidades…

— É mesmo, Denise? — Pergunta Gabriela, com os olhos brilhando.

— Mas, então, significa que você acha ser possível com algumas pessoas da nossa sala? Se é isso, você tem possibilidade com quem? — Disse Luna.

Denise vai ficando corada, abaixa a cabeça e diz que não acha legal responder ainda, porque ela prefere que fique apenas no imaginário.

— … Porque se eu falar pode virar realidade. Mas eu preciso de sinais para ter certeza, sabe?

Luna não convencida estava se irritando e perguntou de forma que ela validasse o que Guilherme e Léo fofocavam.

— Ai garota, você é muito covarde! Mas tudo bem, acho que entendo. Você não precisa me contar, mas eu posso ver sua reação?

— O quê?

— Meu irmão, Pedro?

— O quê? Mas ele não é da sala…

— Hum, então realmente está na nossa sala, né?

“Que medo… Caí na armadilha dela e agora minhas colegas vão tentar descobrir também. Preciso ser o mais evasiva possível…” — Pensa Denise.

— Ravi?

— Eu não vou falar. Não adianta fazer questionários.

— É o Ravi, Denise? — Pergunta Gabriela.

“Ai! Não posso falar que não, senão vou entregar algum nome.” — Pensa Denise suando frio.

Luna olhou para os lados para ver algum garoto da sala e viu Daniel empurrando Orion na fila.

— Orion?

— Você tá louca? Não, não. Ele é muito carente… Nunca passou perto de possibilidade. “Droga, acabei falando.”

— Ravi então?

— Não… Já falei que não.

— Você não falou. Mas agora falou. — Riu Luna.

“Ela é boa! Tenho que acabar com isso agora.” — Pensa Denise.

— Guilherme? Daniel?

— Com licença… Denise. É possível deixar o Daniel de fora, por favor? -Perguntou Ariane olhando para baixo com a franja cobrindo os olhos.

— Hã? — Todas responderam.

— É que acho que ele é uma possibilidade para mim.

Denise ficou parada em silêncio olhando para Ariane. Luna ficava fitando em Denise para tentar decifrar algo em suas reações.

Denise fechou os olhos e respirou.

— Uma possibilidade não é algo concreto. Significa que é alguém que você quer ter por perto e pode ser que o amor desperte onde menos se espera. É importante saber o que você não quer e elimine estes de sua lista, aí deixa o resto livre para acontecer.

— Uau. Denise é tão madura. — Comenta Gabriela.

“É isso! Já sei como sair dessa. Pensou Denise.”

— Eu digo os nomes se vocês disserem os seus. — Disse pensando ter encontrado uma saída.

— Bem…eu…eu… — Balbucia Gabriela.

— Meninas, vocês não precisam falar se não quiserem… — Diz Denise aliviada que o assunto iria acabar. Aproveitou o momento para tomar um suco para tirar a sequidão da boca.

— Ótimo! Eu começo! — Disse Luna em pose confiante.

— Uau. Luna é tão corajosa! Ela vai falar os meninos que ela pode gostar!

Denise engasga novamente e pensa:

“Ai não. Se Luna disser, pode encorajar as meninas…e…e…e eu posso ter concorrência em minhas lista. Eu gosto da Luna, não queria vê-la como concorrente… Ah! Já sei.”

— Por que você quer saber tanto de quais meninos eu poderia gostar, Luna?

— … Armani!?

— O quê? — Denise engasga e fica assustada.

“Só este nome?” — Se questiona Denise.

— Oi, Armani. — Disse Ariane.

Denise ficou branca de corada. Armani estava atrás dela.

— Estão chamando vocês duas. Depois vocês terminam de listar seus namorados.

“Droga, droga, droga….ele ouviu essa parte sem contexto… vai me achar carente e imatura… droga, droga, droga…” — Denise se desespera.

— Armani… É-é… Não é isso que estamos falando. Hehe. -Denise ria de nervoso.

— Ah, me desculpa. Eu tenho que ir ali falar um negócio com Ravi. -Luna respondeu botando a mão na cabeça como se esquecesse de algo.

— Tanto faz. -Disse Armani saindo de cena para um lado e Luna para outro.

“Eu vou me vingar dessa Luna ainda!”

Luna virou para trás e deu uma piscadinha para Denise que a deixou mais brava, mas ela tentou disfarçar para suas seguidoras não verem que ela estava brava.

— Droga!

— Que foi, Daniel? — Perguntou Orion.

— Eu esqueci meu pudim.

— Ah… Qual é a do pudim?

— É a melhor sobremesa do mundo! Eu vou até o Sr. Natanael e peço um copinho de café, que é de graça. Então eu cubro meu pudim com um toque de café! Não existe nada melhor no mundo!

— Eca, Daniel.

— Mas minha mãe só me deixa comer uma vez por semana, porque quando era mais novo eu comi três por dia e dois nos outros quatro dias…

— Quatro? Espera… O quê? Você comeu a semana inteira? — Disse Orion escandalizado com o gosto do amigo.

— Muito bem pessoal! Há uma lenda que diz que uma pedra com manchas pretas pode te fazer ir bem nas provas deste bimestre! Hoje quem achar uma pedra yohanita vai ganhar um refri e uma coxinha da tia Joana por minha conta! — Grita Ravi de cima do banco do refeitório.

Pode parecer que não, mas ele tinha seus seguidores fiéis também, meninos e meninas. Muitos saíam em busca da missão de Ravi e outros o ignoravam por o acharem uma criança grande.

— Dan, olha, o Ravi nem faz muito esforço e consegue estar rodeado de garotas. — Reclama Orion.

— Oi, podemos sentar aqui? — Três garotas se sentam perto de Orion e Daniel.

Daniel só acenou a cabeça que sim demonstrando vergonha. E Orion cochichou: — Você tá gostando da Raíssa agora?

— Cala a boca… Só fiquei sem graça… Nã-Não tava esperando. — Cochicha Daniel coçando a cabeça.

E levantou dizendo que só ia levar a bandeja de comida para as tias da cantina lavar. Quando na mesa ficou só Orion com as três garotas, Orion sorriu meio sem graça para elas, que se entreolharam, saíram dali imediatamente, indo comer em outra mesa.

Enquanto isto, Luna estava falando com Ravi e Daniel.

— Por que Yohanita, Ravi? Por que esse nome? — Pergunta Luna.

— Acho que é porque lembra uma joaninha. — Disse Daniel rindo.

— Aff, é por isso Ravi?

— Não sei… Vocês que estão dizendo. Este é o mistério de gerações! — Terminou com uma risada cômica maléfica.

— Você não vai correr para o desafio do Ravi dessa vez? — Pergunta Daniel para Luna.

— Hoje não! Tenho que me superar na Educação Física de hoje, então vou poupar energia! — Disse Luna animada.

— … Traste! — Duas meninas esbarram em Luna a provocando.

Luna se transforma e começa a cuspir fogo gritando: — Quem é que vocês chamaram de traste aqui!?

Levantando o punho e tomando uma atitude ofensiva, Luna ia se inclinando em direção as duas meninas. As duas assustadas e com medo disseram:

— É-é nã-não… É o… o… Lu-Lucas…

— Isso, o Lucas é um traste, minha linda. — Respondeu a outra menina que estava junto.

— Ah… eu não sei se sou linda, mas é muito bom ser reconhecida às vezes, sabe? — Respondeu Luna com um semblante completamente diferente. Totalmente envergonhada e feliz pelo “elogio”.

“Ela acreditou?” — Pensava uma das meninas.

“Uai. Ela acreditou?” — Pensaram Daniel e Ravi.

— Calem a boca! Quem vocês querem enganar?! Eu não vou deixar vocês pegarem meu próprio recorde na Educação Física! — Gritou Luna de novo partindo pra cima das duas garotas que pediam desculpas fugindo dali enquanto Luna, que queria poupar energia, corre com toda energia atrás delas.

Daniel ao voltar para mesa onde estava viu que Orion estava reflexivo. Quando se sentou ao lado dele, Orion compartilhou a seguinte conclusão:

— Você também atrai garotas…

— O quê?

— Dan, aquelas garotas estavam aqui por sua causa. Você deve ter algum fã clube. Não é possível.

— Que viagem é essa, Orion?

— É sério… Você saiu e elas saíram daqui. Será que…

— Talvez elas não queriam ser cantadas por você… — Disse Daniel com uma risadinha sádica.

— Eu não sou assim, seu besta.

— Ué, não? Quem mandou uma cartinha por mês ano passado?

— Tá doido. Eu só gostei de três no ano passado.

— Só se for três por mês. Haha!

— Não sei o número exato, mas só conto as que gostei…

— Como assim? Você pediu em namoro sem gostar?

— Ah… Ô… Não mude de assunto. Aquelas meninas estavam aqui por causa de você.

“Talvez a Clara deve ter pedido para Raíssa e suas amigas me vigiarem para me fazer aquela pergunta de novo. Que chato. Não sei o que ela quer saber.”-Pensava Daniel.

— Vou descobrir o seu clube secreto de fãs.

— E temos uma campeã! Luzia do 1ºB! — Gritava Ravi.

Enquanto isso duas garotas correndo esbarraram em Daniel e Orion. Os quatro caíram no chão. E atrás delas estava correndo em fúria Luna, que as chamava de trastes.

— Luna, você é a minha melhor amiga, então me ajuda aqui por favor? — Chamou Kallíope do outro lado do pátio.

No mesmo instante, Luna virou meiga e ficou sem graça pelo elogio, deixando de correr atrás das duas.

— Ah, é claro que sou sua melhor amiga…

As garotas ao se levantarem, fizeram gestos para Kallíope agradecendo. Na sequência uma delas pediu desculpa com um sorriso, olhando para Daniel; depois procuraram sair o mais rápido possível dali.

— De nada… — Dizia Daniel ao se levantar do chão corado e se perguntando porque falou ‘de nada’.

— Que fofo… — Disse a menina enquanto a outra a puxava pelo braço dizendo: — Vem logo, Catarina.

Daniel ficou muito mais corado e sem reação.

— Dan, você viu isto?

— O quê?

Orion levantou a voz:

— Eu tô falando… Fofo? Olha a evidência!

— Ela só pediu desculpa, não tem nada a ver com …

— Que linda! Quem é ela?

— Oi?

Daniel tentava ver para onde Orion, caído no chão, estava olhando.

— Quem? A Luna?

— Não … Essa eu conheço… Tô falando da de óculos.

Orion via Kallíope como se fosse em câmera lenta e tudo em sua volta brilhando a ponto de deixar só ela visível na sua paisagem imaginária.

— Mas e a Denise? Já desistiu?

— Dan, você tem razão! Chega de cartas… É hora de assumir riscos! — Diz Orion se levantando rapidamente e pondo as duas mãos nos ombros de Daniel que logo diz:

— Nossa, de onde veio essa coragem?

— Dan! — Disse Orion abaixando sua cabeça e unindo uma mão na outra como se fosse uma oração.

— Você pode falar com ela para mim? — Orion terminou a frase sem encarar Daniel.

— O quê? Como isso é diferente das cartas? E olhe nos meus olhos para pedir alguma coisa! — Daniel se indigna. — E você sabe que morro de vergonha de falar com meninas de outras salas.

— Correção! Você morre de vergonha de todas como você disse. Mas você não tem problemas de falar com a Luna, né? Fale com ela para me apresentar para a garota de óculos? Por favor, por favor!

Quando Daniel estava respondendo que não achava certo fazer assim, ele viu no fundo do corredor, Armani indo em direção a parede do lado de fora de uma das salas de aula e teve a impressão de ter visto ele ali, mas em uma piscada não havia mais ninguém ali. Somente Denise e algumas outras pessoas.

— Daniel?

— Ah… Oi? Ah, não… é que a Luna está sempre com meninos que a gente conhece. Acho que me acostumei. Por isso não tenho vergonha dela.

— Ah, então você vai falar com ela? Por favor!

— Ô… É claro que Daniel vai fazer isto por você… — Interrompe Ravi.

— O quê? Desde quando você tá aqui? — Disse Daniel não concordando.

— Com uma condição, Orion. Você vai focar apenas nela e gostar apenas dela para que ela se sinta especial por você e não apenas mais uma na sua coleção. Se é que você tem uma coleção… Haha!

“Desde quando o Ravi ficou tão maduro?” — Pensava Daniel.

Orion ficou pensando por um instante no que Ravi disse enquanto o sinal do fim do recreio tocava. Esticando a mão para Daniel levantar, motivado por Ravi ele diz: — Combinado! Acho que realmente gosto dela!

— Mas eu não concor… — Tenta dizer Daniel enquanto Ravi cochicha de forma rápida:

— Vamos ajudar o Orion, Daniel! Sinto que pode rolar!

Coragem! Última aula

Apesar da primeira aula ser estressante todas as semanas, a última aula era Educação Física com o Professor Carlinhos. Ele era leve, engraçado e carismático. As turmas 1A e 1C se misturavam na Educação Física, assim como a 1B com 1D.

“Lá está ela, Denise, jogando Handball.” — Pensava Daniel distraidamente na quadra de Handball dos meninos. O apito do fim do primeiro tempo assusta Daniel que olha logo ao redor para ver se alguém percebeu seus devaneios. Nisso ele vê uma bola batendo em seu pé. Era a bola das meninas e Denise estava vindo em sua direção para pegá-la. Daniel pegou a bola e esticou para Denise. Ela pegou e seus dedos se tocaram, deixando Daniel mais corado ainda.

— Obrigada, Dan! — Disse ela.

“Dan? Ela me chamou de Dan?”

Agora Daniel estava nas nuvens enquanto Ravi falava: — Esta é sua chance cara! Fala com ela!

— Sim…Não…pera… o quê? “O Ravi sabe? Não… pera, eu já desisti dela. Por que estou pensando nisso?"

— A Luna, está indo para o bebedouro, tente falar do Orion para ela ajudar apresentar a Kallíope. Talvez não custa tentar.

“Ah, ela… a Luna. Ufa.”

Daniel vai, mas logo fecha a cara pensando: “Quem disse que concordei com isso?”

Orion puxa ele e diz: — O quê você vai fazer?

— Ué. Não sei. Vou falar para Luna apresentar vocês dois.

— Não, melhor não. Eu não estou preparado ainda. — Diz Orion.

“Essa é nova. Ele nunca se preocupou antes com isso. Será que…”

— Orion, você realmente está gostando dela? — Perguntou Daniel.

— Me desculpa por mais cedo. Eu falei da Denise, mas eu me desesperei. Além disso queria te ajudar a ter atitude. -Respondeu Orion coçando a sua cabeça.

— Acho que de atitude nós dois somos ruins. Será que quando formos mais velhos isso não será um problema?

— Talvez. Mas eu não quero demorar, quero ser capaz disso agora. Eu vou começar devagar. Primeiro vou dizer que hoje tá quente. -Dizia Orion com a mão na cintura como se fosse um herói.

— Não. Isso é batido. Acho que só acenar ou dar um oi é um bom conheço.

— Oi… É! É uma pequena palavra. Acho que consigo.

— Vai lá!

E Orion foi em direção a Kallíope. Ravi olha para Daniel fazendo sinal tentando entender o que aconteceu e Daniel vai até Ravi dizendo o que ele resolveu.

— Que evolução do nosso baixinho!

Chegando perto ele foi pensando: “Vai Orião! Você consegue. São 2 letras apenas. Um ‘o’ e um ‘i’.

— A Kallíope está sozinha. — Diz Raíssa para Luna

— O que é que tem? — Pergunta Luna.

— O Senhor Seca está indo na direção dela.

— Não é possível que ele vai dar em cima até dela, será?

— Melhor a gente salvar Kallíope. — Disse Raíssa indo em direção dela.

“… É só um ‘o’ e um ‘i’… Um ‘o’ e um ‘i’…” — Orion seguia no mantra, enquanto se aproximava.

“É agora… Vou falar!” — Pensava Orion enquanto Luna gritava ao mesmo tempo que ele se dirigia para Kallíope.

— Kal! — Gritou Luna enquanto Orion pensava nas letras da palavra ‘oi’ acabou por dizer ao mesmo tempo:

— O-o… Ka-kaoia…

— Caolha!? — Daniel se levantava do banco do vestiário masculino indignado quando Orion contou como tinha sido seu momento de coragem.

A aula de Educação Física era a última, por isso eles estavam se arrumando para ir embora.

— Eu não sei o que aconteceu comigo… eu me con-confundi e-e acabou saindo Caoia. Por isso estou com a canela doendo. A Luna chuta forte.

— Que droga, perdeu sua chance. E Kallíope ficou brava?

— Aí que está. Ela riu!

— Nossa, menos mal né?

— Não … Ela riu, mas riu muito. Daniel, foi assustador!

“Droga, eu realmente estava achando que Orion iria se apaixonar de verdade. Acho que o encanto passou…” — Pensou Daniel.

— Mas de um jeito estranho eu acho gostei. Gostei mais dela.

— Quê?

A essa altura muita gente já tinha ido embora. Orion havia ido na frente para pegar a bicicleta enquanto Daniel terminava de falar com a professora Liz que estava segurando o bilhete que causou a confusão na sala na primeira aula.

— Então, sobre o seu bilhete. Não acho que vocês tenham que preocupar com isso agora. Vocês são muito novos. Mas você podia esperar ao menos o recreio para entregar esse bilhete? Sei que algumas garotas gostam disso.

A professora Liz dava medo, além de ser carrasca. Ela sempre vestia tons escuros e vivia um tanto descabelada. Não usava brincos, nada. Muito simples ela se vestia.

De um olhar assustador ela mudou o semblante para algo que parecia uma adolescente querendo amigos.

-… Então, são essas dicas que te dou. Pode contar comigo. Vou te ajudar a conquistar Denise. — Disse professora Liz com uma piscadinha de olho.

“Eu mereço. Ela quer ser minha amiga? Não quero parecer puxa saco de uma professora como essa. Todos vão me odiar. Será que falo a verdade? Talvez ela ache que é uma desculpa.”

— Obrigado, professora. Eu preciso encontrar o Orion agora.

Daniel saiu dali super desconfortável com a situação. Mas pensando que até que professora Liz não era tão má como pensava.

“O que eu tô pensando! Ela é chata! Malvada!”

Mônica, a bibliotecária, comenta com a Liz sobre se era mais um arteiro.

— Não, pelo contrário, é um adolescente que não sabe expressar seu amor. Por que isso me parece familiar? — Disse Liz franzindo sua testa.

Daniel, indo para o pátio pegar sua bicicleta vê Luna, Armani e Denise. Parecia que Luna estava de cabeça baixa balançando a cabeça negativamente e devolvendo uma fruta para Armani. Parecia uma laranja.

Ao chegar no pátio das bicicletas ele escuta uma briga. Era Martim e Lucas enchendo o saco de Orion. A bicicleta dele estava no chão e eles estavam tirando onda com o fato dele ser um bolsista. Mas Daniel ficou perplexo quando viram eles mencionando uma garota CDF de óculos. Dizia que nunca ia acontecer. “Caramba, as notícias voam. Mas será que devo chamar algum professor? Orion não merece isso. É sempre assim quando ele está só.”

Daniel fez algo ousado que normalmente não faria, mas cansado de ver aquela situação e querendo apoiar Orion para não desistir da garota, ele disse em voz alta: — Estão aqui, professora! — Ih, rapaz! Sujou! Vamo vazá daqui! — Deu sorte hein moleque! — Bora, Martim, deixa ele.

Orion se levantou e agradeceu Daniel.

— Não tem nenhuma professora né? — Pergunta Orion enquanto Daniel balança positivamente a cabeça.

— Como eles já sabiam da Kallíope?

— Eu contei.

— O quê? Como? Mas…Não… Por quê?

— Ah, eles vieram me encher o saco e eu acabei falando que eles não tinham ninguém que gostassem deles e rissem das bobeiras deles. Aí eles me pressionaram querendo saber se alguma garota ria de minhas bobeiras e eu respondi.

— Mas você é um pastel mesmo. Como pôde revelar algo assim…?

— Ah, se for pra ser… será, como diz dona Fátima, minha mãe. Mas o melhor não é isso. Eu achei que eles queriam o que achei perto das nossas bicicletas, veja.

“Isso é …. Hã?”

— Meninos, vocês já têm um clube? Surge uma voz reconhecível que até deu uma paz para Daniel e fez Orion guardar o que ia mostrar. Era Denise e Luna.

— Claro! Nós temos! — Disse Orion enquanto Daniel retrucava em sua mente: “Nós? Como assim nós?”

— Somos do clube Sha-Shakespeare! — Disse Orion confiante.

— Hum? O que vocês fazem nele?

— A gente… Bem, o que quase todo clube…

— … A gente estuda os diálogos dele analisando o comportamento dos alunos para criar uma peça de teatro. — Disse Daniel tão rápido antes que perdesse o fôlego.

— O que você tá fazendo? — Sussurrou Orion para Daniel enquanto Denise falava.

— Ah, entendi. Que profundo, meninos! Estava procurando pessoas para o nosso clube…

— Hei, o quê? Eles? Vocês estão desesperados assim, Denise? Haha. — Dizia Luna.

— Eu é que digo, o que é que você está fazendo, Orion? — Sussurrou Daniel para Orion enquanto Luna falava com Denise.

— Eu pensei que eles pudessem ajudar. — Respondeu Denise para Luna.

— Precisamos de gente forte e corajosa. — Dizia Armani passando por eles com a mochila nas costas, segurando por uma das alças apenas.

— Ô, Armani, não fale assim. Eles poderiam ter potencial. — Insistia Denise tentando alcançar Armani, enquanto se afastava dali.

Luna estava virando para ir embora também, deixando Denise e Armani na frente, já que ela se sentiu culpada por fazer Denise se sentir desconfortável mais cedo. Ela achou que era o mínimo que poderia fazer para se desculpar. Até que Daniel perguntou para Luna: — Você … não gosta de laranjas?

— Laranjas?

— Eita, fio… Daniel, isso é estranho até para mim. — Cochichou Orion.

— Cala boca Orion! É que eu vi Armani dando uma laranja para ela.

— Hã? Ah, tá. Haha. Não era uma laranja. Era tangerina. Mas não era para mim. — Disse Luna reflexiva.

— Uh, droga. Acho que o Armani deve estar gostando de Kallíope. Droga! Falei alto! — Disse Orion botando suas mãos em sua boca.

“Quê? De onde ele tirou isso?” Pensava Daniel.

— O quê? Ah. Ali está meu irmão. Tchau meninos, vou com ele.

— Tchau. — Disse Daniel.

— Hei, Dan. Você já reparou que Armani sempre chega cedo e sai tarde sozinho da escola? Às vezes ele fala com pessoas aleatórias, fora da nossa sala.

— Hum. Agora que você falou eu percebo isso.

— Ele deve tá bolando alguma estratégia para conquistar uma garota. Eu tenho que agir!

— O quê? De novo isso? Que exagero… Dá um tempo desse assunto, Orion.

Daniel e Orion foram empurrando as bicicletas pela rua de dentro da escola e continuando a conversa pela calçada que levava para a saída.

— Ele dar uma tangerina para Luna pode ser que ele não goste. É mais provável que alguma garota tenha dado para ele e ele rejeitou dando para outra pessoa.

— Mas olha. Minha teoria faz mais sentido que a sua… E por que justo a Luna? Certeza que foi ali na saída da esco…

— Sai da frente! — Grita Armani voltando para dentro da escola.

Mas como ele estava com tanta pressa ele acabou pulando por cima de uma das portas do portão que estava fechada. Daniel olhou para Armani que lá do alto, com a cara séria olhou encarando-os. Ao passar por eles, repararam que no ombro de Armani tinha algo levemente luminoso. Orion e Daniel se olharam estranhando a cena.

Viram Armani sacando do bolso uma espécie de caixa retangular. Ele pôs na boca e soprou duas notas que ficaram soando um tempo mesmo depois dele ter guardado a caixa enquanto corria. Ele levantou a mão direita no rosto e com a mão esquerda chegando perto do rosto fez como se arremessasse algo e depois fez o mesmo movimento desta vez com a mão esquerda no rosto e a direita arremessando para o outro lado, como se estivesse desenhando algo no ar e empurrando.

Orion apontava o dedo para uma espécie de vultos que simplesmente apareceram, como se estivessem atrás de Armani. Eles pareciam duas pessoas correndo junto com ele, mas não pareciam humanos, reparando direito eram parecidos com dois ursos que se distanciavam dele. Um ia para direita e outra para esquerda.

— Você viu? Não viu? Você viu! Não viu? — Disse Orion eufórico.

— Vi, vi, vi, vi, vi, vi… Que-quem eram eles?

— Eu não sei… não sei… não tô louco… você viu também!

— Orion? O que é isso brilhando em seu bolso?

Orion saca de seu bolso uma espécie de pedra com um brasão talhado. E este desenho talhado era o que parecia ter luzes.

— Eu não sei cara. Era isso que eu queria te mostrar. Estava caído perto das nossas bicicletas.

Uma pessoa baixinha passou rapidamente correndo na mesma direção que Armani. Mas esta pessoa eles nunca viram na escola.

Nisso viram o professor Aquiles, conhecido como sem calcanhar. Ele era intimidador e era professor de Matemática. Ele estava na saída da escola no celular. Daniel e Orion só ouviram as palavras: — …Como assim ele não encontrou e outra pessoa sim?

Aquiles dizia isso andando e acelerando gradativamente os passos em direção a escola. Alguns metros adiante, ele estava correndo na mesma direção que Armani entrou.

— O que está havendo, Orion? — Pergunta Daniel.

— Como vou saber? Ambos olharam para mão de Orion com aquela coisa brilhando se perguntando se deveriam falar alguma coisa para o professor.

— Eu acho que vou deixar lá na escola nos "Achados e perdidos". — Disse Orion se virando com a bicicleta e tudo. Porém, de costas para Daniel e em direção a entrada da escola, ele permaneceu alguns segundos imóvel.

— Dan, cola aí comigo. Não vou lá sozinho com aquelas coisas esquisitas.

Entrando novamente na escola notaram que não havia ninguém na entrada. Estava tudo em silêncio.

— Vamos ver na sala dos professores, talvez tenha alguém lá. — Disse Daniel.

Foram até a sala dos professores por dentro da área onde só eram permitidos funcionários. Tudo estava com poucas luzes acesas. Assim chegaram a sala dos professores e não viram ninguém lá. Porém escutaram vozes mais adiante. (Se você continuar caminhando no corredor das salas dos professores, você sairá numa outra parte do pátio do refeitório, como um atalho). Era onde Daniel tinha visto Armani no recreio de frente para uma parede. Mas estava ali Aquiles e mais alguém que não dava para reconhecer.

— Algum desses moleques devem ter roubado. Que droga! — Disse Aquiles.

— Calma, vamos torcer para que estejam em boas mãos. Não temos muito o que fazer. A questão é porque ele está justo aqui neste lado da escola. — Disse a outra pessoa que estava com Aquiles.

— Quem é você? — Gritava Aquiles olhando em direção onde Orion e Daniel estavam escondidos.

— Ferrou, Dan! Vamos assinar o Livro de Ocorrências.

Mas uma voz, do lado de fora, perto da direção onde Daniel e Orion estavam, disse:

— Vocês ficam tentando viver como se não fossem exilados. É ridículo. Parem de tentar seguir algo que ninguém mais liga, nosso povo nem lembra mais dessas coisas. Se libertem!

— Você o pegou? — Grita Aquiles.

O homem da voz, de baixa estatura disse: — Se tivesse pego já estaria bem longe daqui. Aproveitei que vocês perderam para procurar aqui também. Mas acho que meus amigos tinham razão, já está longe daqui.

Aquiles, tirando uma caixinha do bolso, que lembrava a do Armani, mas levemente diferente, fez três notas. Uma nota base, a quinta nota a partir dessa e uma sétima maior, para você que entende um pouco de música, assim como Daniel entende e percebeu esta combinação. Aquiles fez alguns movimentos com os braços em volta dele, enquanto o outro homem do lado se afastava. Aquiles colocou a mão na terra e conseguiu levantar um belo monte de terra e fazendo o gesto de arremesso que Armani fez, ele esculpiu rapidamente a terra em algo grande e afiado, envolto de pequenas lascas de gelo que surgiam aos poucos, dando forma a um arpão de pedra com garras afiadas de gelo. Quando este objeto subiu ao ar, ele o arremessou na direção do homem baixo misterioso. Ao mesmo tempo, um urso aparece para Orion e Daniel. Quando eles vão gritar, Armani tampa as suas bocas. — Não se preocupem — Segurando a boca deles, Armani olhava a luta de Aquiles com o homem baixo.

Terras afiadas sendo arremessadas enquanto o homem misterioso de baixa estatura se esquivava de tudo. Armani saca a caixinha do bolso, que agora vendo de perto lembrava uma gaita, mas era bem diferente. Era fosca, escura, com vários detalhes em pedras coloridas transparentes, lembrando quase algo de madeira com detalhes de pedra. A de Armani tinha algumas manchas vermelhas e amarelas. E detalhes encurvados em uma das extremidades lembrando uma raiz de árvore. Parecia haver algo a mais na cor anil acoplado em sua gaita com uma inscrição que não era legível.

Desta vez, Armani virou ao contrário a gaita e fazendo um barulho, como apito de cachorro, fez com que Daniel e Orion se vissem saindo da porta da escola empurrando suas bicicletas. E aos poucos tudo que viram foi ficando nebuloso e embaçado até não lembrarem o que estavam vendo exatamente. Se viram indo para casa, cada um montado em sua bicicleta. E se viram meia hora encarando a entrada de suas casas até que a irmã de Daniel e paralelamente a mãe de Orion perguntaram se eles não iam entrar. — Ah, si…sim!

“Que sensação estranha. Passou voando o caminho da escola para cá.” — Pensava Daniel enquanto entrava.

“Hum…hum… Ah é… Eu estava falando algo sobre tangerinas com o Daniel… Mas não lembro o que concluímos. Tudo bem. Deixa para lá. Amanhã eu pergunto.” — Pensava Orion.

Um pouco antes deles chegarem em casa, na escola, Armani, após fazer algo com a mente de Daniel e Orion, vai até Aquiles que observa pedaços da manta que o homem baixo deixou para trás ao fugir e diz:

— Eu acho que tenho uma pista de onde pode estar o que ele procura. — Disse Armani.

Um outro homem que estava junto de Aquiles diz: — Ótimo. Você disse que acha que está seguro na aula, né?

— Espero que sim. Já enviei sinal para um booxie proteger a pista por precaução. — Disse Armani.

— Excelente, Armani. Pode ir para casa. Cuidamos aqui.

— Obrigado, professor Miguel.

Fim do Capítulo 1

Próximo capítulo:

A coragem não foi esquecida — Livro 1: Capítulo 2

Créditos

Autor e ilustrador: Rodrigo Bino

Revisão de texto: Damáris Maia e Ana Maia Dias

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