Mas quanto mais próximo, mais distante da realidade — Livro 1: Capítulo 3

Rodrigo Bino
Os exilados e o Clube Tangerina
13 min readJul 19, 2022

Martim e Lucas se levantaram assustados com o que houve, mas não demorou para ficarem irritados e pegarem pedras do chão.

Começaram a atacar Armani chamando-o de floquinho de neve, pois ele tinha cabelos brancos.

Orion se levanta para ajudar Daniel.

— Como você consegue levantar assim, Orion? Nem parece que apanhou mais do que eu.

— Ué… Não sei. Na verdade não doeu tanto assim. Vamos sair daqui.

Armani simplesmente correu em direção a Martim e Lucas enquanto tentava desviar das pedras lançadas por eles.

Ele segura as mãos dos dois que estavam com pedras e aperta bem forte. Neste momento, eles começam a gritar de dor soltando as pedras das mãos, sendo possível perceber que Armani pegando as pedras e as esfarelando com seus próprios dedos.

— Larga a mão, Martim, vamos deixar estes pirralhos do primeiro ano para lá. Depois a gente acerta. Ué? Cadê os dois? Já vazaram?

— Sumiram, Lucas!

Armani também olha para trás e vê que os dois haviam sumido.

Enquanto isso, longe dali, um garoto e uma garota de 17 anos, perseguiam na surdina um homem baixo suspeito pelas ruas de Sanlou. Ele era o mesmo homem que invadiu a escola no dia anterior.

Ricardo e Samanta foram descobertos pelo baixinho que começou a correr entrando e saindo de ruas e becos de forma que dificultasse a perseguição.

Ricardo era bem forte e conseguia arremessar Samanta bem alto. Ela era bem resistente e suportava cair de alturas de 2 andares.

Essa tática encurralou o baixinho numa rua sem saída. Parecia que ninguém os viu fazendo tudo o que fizeram.

O baixinho sorrindo, abaixando seu capuz, diz que não tirariam nada dele, mesmo que ele tivesse algo.

Ricardo diz que eles só querem saber quem são eles e como descobriram a localização.

O baixinho é ágil e tenta passar onde Samanta está. Mas ela logo usa seu dispositivo parecido com uma gaita. Tocando apenas uma nota aguda e rodopiando com uma perna enquanto agachava até o chão, ela se levanta rodando para o outro lado fazendo a mesma nota, porém micro-desafinada. Isso fez ondas fortes que eram perceptíveis no tímpano. Era possível sentir a oscilação da vibração das notas por quem estava ali perto.

Isso deixou o baixinho levemente tonto com dores na cabeça e ouvido. Ricardo aproveitou a deixa para pegar o baixinho, até que, quando chegou perto, tudo ao redor parece ter sumido e os dois se viram sozinhos num barco velho em cima de muita areia.

Ambos param o que estão fazendo sem entender o que está acontecendo.

— Não sei por que dizem que o clube de vocês é o mais temido. — Dizia a voz grave de uma mulher nos ares.

No mesmo instante Ricardo e Samanta começaram a afundar na areia rapidamente.

— O que é isso? — Pergunta Samanta.

Ricardo afundou mais rápido e sumiu na areia. Samanta se concentrou e conseguiu fazer um pouco de areia se recuar dela a fazendo-a se levantar. Ela tenta mais uma vez até que volta onde estava. Aquela cena do barco na areia desaparece.

Ela percebe Ricardo inconsciente no chão, o baixinho correndo para um lado e, no outro lado, há alguns metros atrás de onde Ricardo estava, vê uma mulher com capuz e máscara cirúrgica. Ela logo vira de costas e sai andando calmamente dali.

Um lugar misterioso

— Caramba, onde a gente está, Dan?

— Eu não sei. Você me levantou e quando olhei para cima já não tinha céu, tinha isto!

Era uma sala com paredes de madeira escura que cheiravam floresta e frutas. Havia até uma lareira no meio da sala. Também haviam quadros com pinturas, uma mesa de jantar cheia de papéis e pastas, uma escadinha de 4 degraus para baixo no canto direito, e após essa escada, havia uma porta de madeira e vidros transparentes fechada. Haviam armários e um quadro de rodinhas no canto da sala.

Também haviam dois grandes sofás e ao lado esquerdo da lareira uma escada que no primeiro lance virava para direita, atrás da lareira. A direção que a escada ia fazia você, intuitivamente, olhar para onde ela terminava. No alto, a esquerda, havia um mezanino, também de madeira com detalhes em mármore.

— Orion, olha isso!

— Nossa! Uma mesa com várias frutas. Por isso esse cheiro.

Olhando o quadro viram três símbolos que lembravam uma escrita antiga com os kanjis asiáticos. Daniel admirou como quem tentava decifrar enquanto Orion percebia, pela janela, estrelas e o céu noturno. Confusos, não sabiam o que pensar. Será que desmaiaram os dois por horas? Será que os sequestraram para longe? “Não, isso é muita viagem.” — Pensa Daniel.

Escutaram passos vindo de cima e logo tentaram procurar algum lugar para se esconderem. Não tinham percebido que haviam duas árvores dentro da sala. Uma com tronco mais fino e cheio de folhas e a outra com o tronco mais grosso. Esconderam atrás dessa árvore grossa. No entanto não cabiam os dois.

Daniel correu para debaixo da mesa de jantar, que tinha uma toalha que poderia bloquear a visão de quem estivesse de pé.

Escutando a voz perceberam que era o professor Miguel dizendo:

— … sim, deve estar na hora de passar o efeito.

— Bom, Ricardo foi com Samanta atrás de uma pista do invasor. Hoje vamos entender mais a história toda.

— Sem dúvidas, Natanael.

— Sabe Miguel, ainda gosto de ver o rosto deles quando despertam. Gostaria de saber quem é que está com a pedra sonar.

— Socorro!

Era Samanta carregando com dificuldades Ricardo.

Miguel perguntou o que houve e ela disse que nunca viu aquilo. Contou que no meio da investigação encontraram o baixinho e que quase o pegaram, mas alguém muito experiente fez tudo em sua volta mudar e não sabia se era real ou falso o que viram e sentiram.

— … me parece que para Ricardo foi bem real. O que acha Natanael, devemos levá-lo ao hospital? — Comenta professor Miguel.

Natanael pensativo coça o queixo.

— Samanta, você saiu desse lugar com seu ruach? Certo? — Disse professor Miguel.

— Isso, usei minha resispatia.

— Ele ainda está respirando. Acho que… — Disse Natanael que vai até a mesa para pegar um dispositivo e coloca sobre Ricardo.

Após fazer alguns ajustes eles se afastam e esperam. Natanael interrompe o silêncio perguntando se alguma pessoa normal os viram e Samanta diz que só durante a corrida, mas ali na rua onde tudo aconteceu só havia eles.

O dispositivo começa ressoar e todos ficam em silêncio. Orion e Daniel tentam ver se está tudo bem, mas Daniel logo faz sinal de silêncio de volta para Orion.

— Ele já está reproduzindo a frequência do Ricardo? — Pergunta Samanta.

— Impossível. Não estamos ouvindo nada. — Diz professor Miguel.

Natanael diz que não é impossível. Há uma onda sendo ressoada, mas era grave demais para se ouvir. Ele retira o dispositivo e mostra para eles.

— Oitavado com sétima maior e uma quinta bemol? — Diz professor Miguel lendo o que mostrava o dispositivo.

— Ou é apenas a tônica e a sétima maior e algo ressoou como uma quinta bemol. Devem ser notas fantasmas? — Natanael coça sua barba e continua analisando dizendo: — Veja, há probabilidade de ser uma quarta também. Samanta, é quase a técnica que você tem estudado, só que numa região extremamente grave.

Samanta, chocada, dizia não acreditar que aquilo fosse possível enquanto o professor Miguel mencionou a possibilidade da quarta e a quinta bemol serem outro sopro de nota, não parte da mesma. Samanta confirmava que ouviram apenas duas notas no momento.

Enquanto isso, Daniel pensava consigo mesmo se era algo sobre música que falavam.

— Como podemos desfazer esta frequência se nem conseguimos chegar a uma frequência similar com tudo que temos? — Perguntou professor Miguel.

— Sim. Mesmo que sejam só duas notas, se ressoarmos as duas notas e ele tiver mais uma quarta e quinta de fato, poderemos agravar seu estado. Talvez Geno poderia nos ajudar. — Disse Natanael.

— Geno? — Sussurra Daniel consigo mesmo.

— Geno… Até encontrarmos ele… não sabemos o quanto Ricardo está sofrendo nestas ondas graves. Precisamos ser rápidos. — Disse professor Miguel.

Samanta disse que poderia tentar salvá-lo. Afinal, ela saiu com o ruach dela daquela ilusão.

— É mesmo, Samanta, algo em você tem alguma frequência que combinou. O dispositivo infelizmente não consegue dizer precisamente qual a base dessa ressonância, mas algo em você foi capaz.

— Eu não sabia que era possível, mas minha alta resistência foi capaz de empurrar a areia que eu via. Não sei se isso aconteceria se fosse de verdade, mas posso tentar algo. Será que posso machucar Ricardo?

— Eu vi essas coisas há muito tempo atrás e quando vi eram extremante raras. Eu não sei dizer se machucará. Vou ligar para Geno e ver se ele sabe algo. — Disse Natanael.

Orion viu embaixo da mesa que Daniel estava com uma cara assustada e por isso fez gesto perguntando o que era.

Um celular toca e Miguel pega dizendo que era mensagem de Aquiles perguntando se sabem de Ricardo e Samanta. Pois viram dois alunos com o uniforme Polivalor maltratando um senhor.

Eles se olham seriamente preocupados.

— Não fizemos isso, como…? — Disse Samanta encafifada.

— Isso me lembra 15 anos atrás. — Disse Miguel. — O clima daquela batalha está voltando. — Disse Natanael.

Quem é você? Quem somos?

Várias carteiras e cadeiras saíram voando pelas paredes e ao se darem conta, Daniel e Orion se viram dentro de uma sala comum na escola Polivalor.

Caídos no chão tentavam entender. Armani abre a porta daquela sala e pergunta: — Então vocês foram parar lá?

Enquanto isto, Denise e outras pessoas estão olhando o tanto de pessoas, na fila do clube de música com raiva de Armani e se perguntando onde ele estava para ajudá-los.

A escola já estava trocando os turnos, porque a tarde funcionava o primário, enquanto os clubes também funcionavam a tarde, porém o acesso dos alunos mais velhos ficava limitado a algumas salas.

Armani fala para saírem dali. E os chamam para ir ao lado de fora da escola.

Ao saírem da sala eles vêem que o pessoal do clube da música já havia dispersado.

Armani sente alívio e finalmente diz que é seguro sair, enquanto Daniel e Orion achavam que ele falava isso por causa de Lucas e Martim.

Durante o caminho, perto da saída da escola, Orion se lembra de tudo e por isso para de andar.

— Dan, se afaste dele!

Armani e Daniel ficaram sem entender.

— Ele fez isso. Tentou apagar nossa memória. Agora me lembrei. Não chega perto, hein! Não vem com esses feitiços…

— Ah, então você lembrou? — Disse Armani calmamente.

— Eu chamo a polícia, hein! Sai daí, Dan!

Armani disse que estava ajudando eles, porque seria muito complicado explicar tudo naquele momento e que eles precisavam tomar cuidado com a pedra.

— Que … que é essa pedra?

— Não posso contar aqui na rua.

— Dan, sai daí de perto dele…

— Eu já sabia, Orion!

— O quê?

— Sim. E descobri que o professor Miguel também está envolvido. Armani contou para ele na sala de aula hoje.

— O quê? Eu não vi isso… Quando?

— Então você percebeu? Impressionante. — Dizia Armani olhando para o céu como se fosse lembrar de algo.

— Sim. Eu não sei se entendi bem, mas você deixou uma concha. E seja lá o que for isso, é algo muito secreto e estranho. O clube da música é uma fachada para clube de… De… Sei lá… Hipnose?

Armani olha sério para eles e depois de alguns segundos dispara a rir do comentário de Daniel, e com lágrimas de tanto rir ele pergunta se seria mais fácil acreditar se fosse só isso.

Daniel acena a cabeça que sim.

Armani diz que não é bom falarem sobre isso na rua. Então fala para eles escolherem um lugar que não tenha vidros e seja tranquilo para conversarem, onde ninguém os veria.

— Vidros? Ele vai nos matar, Dan. A gente já era… Ele quer que ninguém veja o crime que ele vai cometer com a gente. — Diz Orion exageradamente com medo, simulando uma voz de quase choro.

— Bom, podemos ir na biblioteca da prefeitura. Lá ninguém estranha grupo de alunos. Sempre tem alunos lá. — Comenta Daniel.

— Daniel? Droga a gente já era…

— Relaxem. Se eu quisesse acabar com vocês já teria feito assim tempo atrás…

Ambos ficam em silêncio assustados.

— …Ah. Tenho que dizer que é brincadeira, não? — Diz Armani sem muita expressão no rosto.

“E eu pedindo dicas para garotas com esse cara… Que mané que eu sou.”- Pensava Orion.

Enquanto isso, professor Miguel e Natanael se encontram com Geno em outro lugar.

Ambos o tratam com muito respeito. Geno era bem mais velho que Natanael, então, ele tinha muita experiência. Estavam numa espécie de oficina onde Geno trabalhava e hoje ele é apenas o dono. Não havia ninguém. Pouca luz, a tarde já estava se tornando noite. Colocando café em três xícaras ele calmamente pergunta o que faria a Tangerina procurar por ele. Natanael e Miguel se olham e explicam toda a situação.

Geno, terminado de tomar seu café, não diz nada e fica ali acariciando o seu cão branco e peludo chinês.

— Sr. Geno, por favor, ele está sofrendo. Não estamos conseguindo interromper a ilusão dele.

— Sim… Eu entendi. Para vocês pedirem ajuda a alguém da velha guarda como eu é um mal sinal. Vocês não evoluíram nada e não encontraram mais eleitos do brasão.

— Não é bem assim. Temos um garoto promissor e estávamos tentando despertar mais um promissor. Pois não sabemos onde estarão os eleitos. Só sabemos de onde virão. — Respondeu Miguel.

— Miguel, calma. Você é jovem. Geno tem razão. A última batalha foi forte. Ficamos com a fama do clube mais seguro, mas a que preço? Perdemos nossos melhores para vencer. Sim, não estamos conseguindo evoluir desde então.

Geno se levanta, fazendo o cão saltar de seu colo, e vai até a janela da sala e continua em silêncio até que Natanael, depois de um tempo naquele silêncio, diz:

— Encontramos um Brasão Eterno. Mas a informação vazou de alguma forma. Queremos candidatos fortes. Por isso arriscamos deixar o brasão para ser encontrado por este candidato. Sabemos que um surgimento de brasão hoje em dia é raro…

Geno rompe o silêncio dizendo que eles não podem ter medo de se exporem mais. Que este foi o erro da geração dele. Por ele não esconderia o brasão, falaria isso as claras para os alunos, a exemplo do Alpiqueiro no passado.

— Talvez isso poderia até mudar o destino do meu filho. — Concluía Geno.

Envergonhados, Natanael e Miguel tentam retomar o assunto do Ricardo, mas Geno prossegue:

— Vocês podem ir pelo caminho do dispositivo, ou encontrar os eleitos. Isso é urgente, e agora cada vez mais, as ameaças estão ficando mais sofisticadas.

Natanael agradece o tempo de Geno e se levanta, mas Miguel ainda pergunta:

— Você tem algo que poderia salvá-lo, não é? Por que você não nos ajuda mais? Você tem equipamentos…

— Chega, Miguel. Vamos.

— Eu quero saber! Afinal eu o ajudei quando era muito jovem!

Geno olha de canto de olho surpreso com a atitude de Miguel, porém Natanael puxa o braço de Miguel e diz:

— As coisas que Geno cria não devem nem ser mencionadas. Isso poderia dar ideia para nossos inimigos. Eu entendo ele não querer emprestar. Afinal, ele é o famoso Mago Sonar. Genos então fala:

— Estão errados. Vocês não precisam de uma invenção. A garota conseguiu sair da ilusão. Ela está indo para um nível raro, que é tabu para vocês. Vocês precisam descobrir mais rápido como fazer o…

— O que o clube Morvius fez a há 200 anos atrás? Me pergunto o quão foi real naquele evento. -Dizia Aquiles chegando no local.

Geno se vira e seu cão começa a latir. Pegando-o no colo ele diz:

— Calma Fuê, ele é dos nossos agora. Fuê nunca se acostumou com você do nosso lado, Aquiles. Você deu um trabalho para gente naquela batalha no Vale do Metal.

Aquiles ficando nervoso diz que já esqueceu aquilo. Geno prosseguiu:

— Ah, o Grande Despertar! Se foi real ou não há 200 anos atrás, o que vimos aqui na recente batalha do Vale do Metal, foi bem real. Vocês todos viram do que eles eram capazes. Tanto os inimigos quantos nossos aliados. Eles continuaram evoluindo e vocês desapareceram escondendo atrás da sombra dos mais fortes que se sacrificaram…Yohana, Joaquim, Júlia e Tonico!

Miguel fica emocionado de lembrar e Aquiles, com lágrimas nos olhos, reclama que não é possível que aquela batalha não havia acabado ainda. Ele se sentia culpado.

— Não se culpe. A história segue este mesmo rumo, independente de reino ou pessoa. Não foi só aqui que os clubes passaram a ser secretos, vocês sabem dis…

Aquiles interrompe com um gesto e mostra a todos a notícia que foi publicada da escola, evidenciando o movimento inimigo.

Todo se chocam com a notícia, inclusive Geno.

Na casa de Orion estavam sentados no pequeno quarto dele, Daniel e Armani, com um silêncio constrangedor.

— Dan, a gente não ia para biblioteca?

— Sim.

— Então, como estamos no meu quarto com esse cara assustador?

Armani interrompe e diz:

— Então, ao que tudo indica, vocês não são humanos.

— O quê?! — Ambos gritam.

“Isso foi direto demais, pensava Orion.”

Próximo capítulo

Nossas origens — Livro 1: capítulo 4

Créditos

Autor e ilustrador: Rodrigo Bino
Revisão de texto: Damáris Maia e Ana Maia Dias

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