Quando defender é preciso — Livro 1: Capítulo 8

Rodrigo Bino
Os exilados e o Clube Tangerina
22 min readDec 21, 2022

Um cãozinho estava encurralado com uma raposa e um chimpanzé numa sala cheia de ferramentas. O cãozinho estava chorando, mas suas lágrimas eram tão geladas, que pareciam cubos de gelos caindo. A raposa tenta consolar, mas não conseguia. O chimpanzé se assusta e não acredita que era possível chorar gelo. Ele desmaia por não compreender a situação. O gelo aumenta e deixa o cãozinho com frio, ao mesmo tempo o cãozinho se vê num palco de teatro, amarrado em linhas como marionetes. As linhas o forçam a se mexer, mesmo com o gelo impedindo. O cãozinho chora mais e resolve sair do teatro. Não aguentava a dor. Ele virou um cão de gelo congelando seus amigos, raposa e chimpanzé.

Daniel, por algum motivo, acorda nessa parte achando esse sonho maluco. Às vezes ele sonhava esse tipo de sonho e acordava meio triste, mas achava cômico depois de um tempo.

A semana estava quase chegando ao fim. No dia seguinte ao evento em que várias pessoas desapareceram na escola Polivalor, Daniel estava acordando com seu despertador e pensava: “Agora Ravi despertou. Falta eu e Orion. Será que eu quero isso? Como que todos eles que são despertados estão bem com isso? É estranho… Talvez eu não me encaixe nisso. Luna? Ela disse isso. Ísis também não participa de nenhum clube. Será que ela roubou o livro como Ravi disse? Por que estou preocupado? Não despertei. Talvez eu devesse continuar ‘dormindo’. Mas e Allumira? Por que esse nome é familiar?”

— Daniel? Já acordou, filho? Tem uma caixa aqui para você. — Disse Huxley, pai de Daniel.

Daniel, estranhando, desceu as escadas para a copa da sua casa e viu uma caixa de papelão escrito o nome dele com aquelas canetas azuis de oferta de supermercado.

— Quem enviou?

— Não sei. Tava na caixa do correio e sem remetente.

Daniel volta para o quarto enquanto sua mãe fala para não enrolar e atrasar para aula.

“Aula é? Não acredito que a diretora acreditou em nossa história. Mas a Dona Mônica ajudou muito a esconder. Acho que ela é do Clube da Tangerina também.”

Daniel parou de abrir a caixa e olha para sua estante, onde guardou um brasão eterno.

“Orion, você também está em dúvidas, não é?”

Ao abrir a caixa, Daniel vê um anel e uma pulseira. Eram pretas, mas cheias de detalhes entalhados, principalmente na pulseira. Haviam minúsculas pedrinhas na borda interna da pulseira. Dentro havia um papel velho amassado escrito: “Para destros: Anel na mão direita e pulseira no pulso esquerdo.”

“O que é isso? Eu não uso essas coisas. Bem, só esse colar.”

Daniel seguiu as instruções e ao vestir os acessórios ficou olhando no espelho. Olhou, olhou e não achou tão ruim assim. — Daniel, anda! Vai atrasar!

— Já tô indo, mãe!

Ele passa a sua mão direita na pulseira da mão esquerda e vira o pulso deixando o antebraço para cima, para ver os detalhes da pulseira do outro lado. Com a mão direita parada no pulso, ele dá dois tapas no braço, como quem concluísse o que estava fazendo. “Então tá. Vou lá tomar café.” Mas, ao dar esses tapinhas, ele escutou um som sussurrante desarmonioso, como se fosse vento cantando.

Assustado, olhou para os lados e não viu nada que justificasse o que havia ouvido. Então, encara a pulseira e mexe o pulso esquerdo só para verificar algo que ele não fazia ideia do porquê. Daniel resolve bater a mão direita no antebraço outra vez e de novo escuta um som sussurrante desafinado. Novamente se assusta, agora um pouco mais desconfiado. Mas, por algum instinto, ele resolve colocar o polegar no começo do antebraço e o mindinho no máximo que ele alcançava. Ouve-se um sussurro baixo, mas agora era apenas uma nota. Mas seu senso entendeu que eram duas notas como no piano. Uma mais grave e a mesma nota mais aguda.

Ele se lembrou das notas que Armani fez no começo da semana, então tentou reproduzir aquele som e o sussurro começou. Logo o chão do seu quarto começou a tremer levemente até que sua cômoda e estantes começaram a trepidar. As paredes começaram a se modificar, o chão se transformou e quando tudo estava quase parecendo com o ambiente do sonho maluco que Daniel teve mais cedo, ele tirou a mão direita da mão esquerda sem entender. Ficou muito assustado com o que viu. “Mas que raios… Quem deixou isso aqui? Será que… É coisa do clube? Foi Sr. Natanael? Mas ele tá no hospital assim como os outros. Quem me enviou isso?”

Na porta da escola, antes do professor Carlinhos sair do carro, ele dizia a sua filha Isis:

— Se o que descobriu for verdade, estamos lidando com um dos clubes mais forte que existiu neste reino. Tangerina é um nome famoso, não descarto essa possibilidade. Qualquer um pode ter atacado a base deles, afinal, eles são lendas e troféu para muitos desde do que houve no Vale do Metal.

— Não sabia disso…

— Ísis, não pense que eu fui enganado por aquele truque barato. Confio em você, mesmo sem saber o que planeja. Mas foi o suficiente para a diretora acreditar que tudo aconteceu por causa de dois rapazes que queriam matar aula. Você sabe o que está fazendo ajudando eles, não é? Sabe quem é o inimigo?

— Ah… é… Sei sim, pai. Fique tranquilo. Eram três pedras, mas agora existem apenas duas pedras. Eu descobri. Então não tinha problema deixar um tempo a mais com…

— Filhinha, não me conte sua estratégia. É melhor assim para o disfarce. — Disse o professor Carlinhos enquanto destravava as portas do carro para Isis sair.

— Só me preocupa você ser contaminada com eles como…

— A mamãe e o seu amigo, eu sei da história, pai.

— Vai lá então, não se atrase. Vou levar sua irmã e depois volto para cá. Minhas aulas são mais tarde hoje.

— Tá bem.

— Ísis.

— Sim?

— Não tenha certeza de nada. Nosso inimigo é sagaz. Eles podem ter falado o nome Tangerina para nos assustar. Então, vamos trabalhar como apenas uma suposição. Ok?

— Entendi. Tchau, pai, tchau, mana.

— … Hum, ah, tchau. — Distraída, vendo os alunos chegando na escola, respondeu a irmã de Ísis do banco de trás do carro.

Visitando um amigo

— Combinado, vamos visitar o Armani! — Disse firmemente Luna, deixando Denise roxa e constrangida.

— Mas hoje, depois da aula?

— Sim. Já esperamos tempo demais.

— A gente vai também! — Disse Ravi com Daniel e Orion em seus braços arrastados a força.

— Ótimo, assim ele deve ser sentir melhor. Samanta está com Ricardo, os professores foram visitar os outros professores e nós vamos visitar nosso colega.

— Mas tem o Carlos também… — Disse Denise.

— Ele também? Então visitaremos os dois!

— Virou uma caravana. — Reclama Orion enquanto levava um apertão de Ravi.

— Ah, eu quero ir na pedra da praça para ver qual luzonar eu tenho! — Disse Ravi sorridente.

— Hey, o que…que… O que vocês vão fa-fazer?

Era Clara morrendo de vergonha.

Na visão de Clara, ela viu Denise e Luna pensativas com caras sérias e medonhas, fazendo-a se sentir covarde por sempre mandar suas amigas no lugar.

— Vamos ver uns amigos no hospital. — Disse Ravi inocentemente.

— É? Quem se-seria? Vo-você vai… Dan… Daniel! — Disse Clara frustrada por não conseguir chamá-lo pelo apelido.

Denise, sabendo de como ela trata Raíssa, quis afugentá-la dessa vez olho no olho.

— O Dan vai com a gente. Tem alguém que você queira visitar? — Avançou Denise enquanto Orion via aquilo e cochichava:

— Uou! Guerra de líderes de torcida!

— Eu diria que Denise tá afim de você, Daniel. Protegendo território. — Brincava Ravi com Daniel enquanto o deixava sem jeito.

Clara entendeu que Denise falou o apelido de Daniel só para provocar. E respondeu:

— Se for amigo do Dan… niel, eu poderia ir!

Ravi pergunta se ela era amiga do Armani e então Clara se espanta. O sangue subiu em Clara por algum motivo que a fez quase perder a compostura de garota insegura. Se é que ela estava atuando como tal.

— Ora, ora. Armani? Então você articulou isto, Denise? Os boatos são reais? — Disse Clara cruzando os braços, pensando que tinha um novo golpe.

Denise fica envergonhada e fica pensando como sair dessa. Mas Luna percebeu, baseando em suas suspeitas, ela pensou em proteger a amiga.

— O que você tá falando, filha? Fui eu que chamei todos! — Disse Luna se colocando a frente.

— Filha? Isso é que nem chamar de querida… Super falsiane! — Comenta Orion para os meninos.

— Eu não entendi. — Disse Daniel.

— Acho que é uma ofensa sutil, mas das bravas entre meninas. — Conclui Ravi.

— Então, você? De todas, a que menos esperam, você é a capoeirista que passa rasteira e chuta os meninos, mas no fim quer ter um dos top cinco da escola, né? — Disse Clara.

— Top cinco? Existe um rank? — Estranha Daniel.

— Capoeirista? Rasteira? Top cinco? Quê? — Questiona Luna.

Denise percebeu, pois conhecia o boato sobre Luna, mas sabia que a amiga não conhecia.

— Clara, por favor, para que… — Denise tentava desconversar, mas Clara insistiu sobre o boato.

— Ora, você não sabe? Você tem tantos amigos e todos eles pensam que tem alguma chance com você, sem exceção. Mas eles sempre se sentem traídos quando você conversa demais com outro menino. Alimenta a esperança e depois destrói. Como você faz isso muito, eles acabaram até criando este apelido, capoeirista. Embora há quem chame você de viúva negra na ver…

— Clara Duarte! É essa impressão de garota que você quer passar para Daniel? De fofoqueira? — Gritou Denise para impedir a briga das garotas.

Clara na mesma hora se toca, olha pra Daniel e fica sem saber onde olhar, ao mesmo tempo com raiva de Denise. Então ela resolve fazer seu último comentário.

— Rainha de Gelo e Capoeirista… Entendi… Se Daniel prefere ter amigos que fazem minhas amigas chorarem e outra que quebra coração dos rapazes, então o Dan-Da-Daniel não… — Clara respirou fundo como se fosse chorar e num embalo terminou a frase dizendo:

— … então ele não é bom o suficiente para mim! — Concluiu Clara enquanto saía dali correndo com seu rosto vermelho.

“Droga, eu falei isso alto! Quero sumir!” — Pensa Clara enquanto saía de pressa dali.

Denise fica aliviada e comenta:

— Ufa. Não sei porque ela faz essas coisas.

Denise olha para os meninos e vê que eles estavam olhando para Luna que estava de cabeça baixa como se estivesse com raiva e chorando. Todos viram ela respirar fundo, mas ela não gritou. Ela disse em voz baixa.

— Eu não vou poder ir. Desculpem, galera. Me lembrei de algo.

Luna sai correndo dali deixando um clima mais estranho.

Ravi disse para Denise ir atrás dela e deixar que eles assumissem a visita.

— Ah, obrigada, meninos.

— Vamos, galera. Depois do almoço precisamos voltar ao clube. — Disse Ravi, enquanto ele e os outros dois se viravam.

— Dan? — Denise puxou com as pontas do dedo sua camisa. De cabeça baixa com o vento do fim da manhã em seus cabelos, ela ajeita com suas mãos suas mechas atrás da orelha e pergunta a Daniel se ele sabe que aquilo tudo da Clara é fofoca.

— Ah… Não sei se entendi tudo, por isso não tenho muito o que pensar sobre o que ela disse. Mas… mas não se preocupem com o que penso. Eu sinto que nunca tive amigos além do Orion, mas dessa vez eu sinto que posso confiar em vocês.

— Mesmo com alguns boatos serem possibilidades reais? — Disse Denise arrependida de ter feito essa pergunta. Pois de fato, recentemente, ela havia feito Raíssa chorar.

— Nossa… Então… Er… Mas por que você quer saber? É como se o que penso fosse… muito importante para vo-você… — Inocentemente, Daniel, coça sua cabeça enquanto pergunta: — Eu sou tão importante para você assim? — E dá um sorriso genérico.

Denise ficou envergonhada e Daniel não entendeu. Mas depois de vê-la sem resposta, enquanto balançava levemente o corpo para lá e para cá, ele pergunta de forma assustada:

— Ah! Eu disse isso em voz alta? De-de-de-de-desculpa! Puxa… puxa vida! Que vergonha… Que… verg… — Daniel se mexe para lá e para cá sem rumo.

— Não, tudo bem… Era só um devaneio meu.

Daniel saiu dali correndo para alcançar os meninos, desconsertado e pensativo, enquanto Denise ficava ali parada. Samanta aparece ao lado e comenta: — Ele não se lembra, né?

Denise assusta com Samanta chegando do nada e responde: — É, ele não despertou ainda… então…

— Hoje é o dia deles esquecerem, né?

— Sim. Ele e Luna me fizeram mudar. Me admira Luna não se incomodar com o fato dele não se lembrar.

— Sim, Luna é paciente quando quer ensinar as pessoas. Mas uma pena que só nós sabemos o que ele já fez naquele dia.

— Pelo o que me lembro, ele quis esquecer, não sei o que é diferente agora.

— É por isso que você pergunta sempre se ele despertou?

— Ai, me esqueci! Tenho que ir atrás da Luna.

Denise sai de cena enquanto Samanta fala consigo mesma: — Desculpa meninas, mas eu preciso fazer isso!

Enquanto isso, Armani, sem muita expressão, recebe Ravi, Orion e Daniel com: — Ah, são vocês?

— Poxa, é assim que você recebe a gente? Companheiros de Guerra? Tudo bem que não concluímos a nossa missão, mas que bom que conseguiram derrotá-los. — Disse Ravi.

— Ah, bom. Sobre isso eu não seria muito otimista, porque deixamos escapar um drone deles. Mas conseguimos danificá-lo e transportar para outro lugar, mas ele continuou voando com dificuldades…eu nunca tinha visto aquilo tudo…

— Como foi, Armani? — Pergunta Orion.

— Bom, eu nunca tinha visto todos lutarem com todas as suas forças. Eram apenas dois, mas eles tinham um nível bastante superior. Eles eram precisos. Mas Aquiles e Natanael eram assustadores também. No final ficou tudo nas costas deles. Nós outros mal conseguíamos fazer algo. Eu nunca vi raios e faíscas e muito menos aquela habilidade… Eu não tenho certeza do que vi. Mas às vezes parecia que não lutávamos contra duas pessoas. Graças a Aquiles e Sr. Natanael, nos defendemos bem. Eles sabem muitos truques com os spearks. Ah, o professor Miguel também soube muito bem proteger o clube. Ele é resistente e conseguia antecipar muitos ataques.

— Spearks? — Perguntava Orion.

— Isso aqui. — Armani levantava sua caixinha.

— A gaita que vocês falaram outro dia! — Disse Ravi.

— Não é uma gaita. É um speark. Serve pra aumentar nossas possibilidades com o luzonar. Mas o meu é do tipo saxum. Eu até tenho um mini ampli pneuma, que é um adaptador pra misturar um speark-saxum com speark-pneuma.

— É o quê? Não entendi nada! — Disse Orion.

— Isso é sopa de letrinhas pra mim. Você sabe de algo, Daniel? — Pergunta Ravi.

Daniel estava com o olhar fixo no nada, como se estivesse sido desconectado da tomada. Na verdade ele estava querendo sumir pelo que havia falado para Denise.

— Daniel? Daniel? Ou!

Até que Ravi o sacode e ele volta como se nada tivesse acontecido.

— Ah… É… Eu acho que Luna comentou algo sobre speark no dia do ataque ao clube. — Responde Daniel.

— Ah, eu sou nível secundário, como diriam no clube, então por isso que eu… — Disse Armani.

— Uau, então você está no último nível? — Pergunta Ravi empolgado.

— Não sei dizer, porque Mestre Natanael, Aquiles e Miguel pareciam ter um nível a mais do que eu. Talvez dois a mais… mesmo que dizem ser raro um nível três. Talvez seja um segundo nível aprimorado. Mas se tem um nível três, eu me pergunto no porque esconderem isto de nós. Porque aqueles inimigos estavam em um nível completamente diferente. Por isso temos que nos preparar. Agora estamos mais vulneráveis do que já estávamos. Por isso o recrutamento é muito importante. Ainda bem que vocês três despertaram.

— Então, sobre isso… — Começou Orion com um sorriso sem graça.

— Vocês ainda… o quê? Vocês sabem que vão esquecer quase tudo dessa semana? — Disse Armani tentando se sentar na cama com dificuldade. Impediu que o ajudassem a se sentar, respirou se acalmou e continuou:

— Vocês acham que não esquecerão, não é? Perguntem pra Luna porque ela saiu do clube.

— Por que ela saiu? — Perguntou Ravi.

— Eu… Bom, eu tenho suposições. Uma é que uma de suas amigas esqueceu tudo o que ela mencionou sobre nós, sobre o reino de Allumira, coisa e tal. Lembro que ela mencionou o quanto foi difícil e o quanto ela se empolgava com o quanto a amiga queria saber mais. Acho que foi no acampamento da escola do ano passado. Luna nunca tinha visto alguém esquecer, e não levava tão a sério isso.

Nesta hora Daniel se lembrou de Luna falando para eles levarem mais a sério o que ela estava dizendo na praça Alberto Chances. Ravi lembrou de quando a viu chorando na biblioteca com Denise e concluindo consigo mesmo disse:

— Então era isso…

Orion, incomodado, resolve perguntar se era Kallíope a amiga. Todos olham para Orion como se ele tivesse feito algo errado.

— Não é hora de pensar essas…

— Sim. — Armani interrompe Ravi.

— Mesmo? — Dizia Ravi.

Enquanto isso, Denise custou a encontrar Luna, até que finalmente a encontrou com Kallíope. Então, Kallíope se aproxima de Denise tentando saber o que tinha acontecido. Ela olhou para Denise e ficou séria e perguntou: — Foi você novamente?

Denise e Luna se assustam com o tom da pergunta e então Denise se defende:

— Não, eu sei que você tem motivos para não confiar em mim, mas posso te perguntar algo?

— Depende, se não for usar contra mim.

— Tudo bem, eu mereci essa. Do que você se lembra daquele dia?

— Que dia?

— Do acampamento. — Responde Denise.

— Kal, a Denise é minha amiga, pegue leve. — Disse Luna desanimada.

Kallíope estranha a situação, mas quando ela tenta responder ela percebe que está confusa:

— Eu lembro que… — Então ela fica séria olhando para o nada. Sacudindo a cabeça negativamente continua. — Ué. Eu não consigo lembrar os detalhes, mas tenho certeza que você fez muitas maldades com a Luna naquele acampamento. A mim também. Mas… que estranho. Eu não consigo mais lembrar o que era…

— Luna, eu queria te consolar pelo que te disseram, mas, estamos sem tempo, hoje é o último dia dos meninos. Não podemos deixar isso acontecer de novo.

Luna fica assustada, mas se vira e comenta que talvez fosse assim mesmo que deveria acontecer.

— Luna, se tiver algo que eu possa fazer sabe onde me encontrar. Vamos te deixar sozinha.- Disse Kallíope saindo dali enquanto Denise tentava se aproximar, mas Kallíope a segurava no ombro fazendo não com a cabeça.

Denise insiste.

— Kallíope, eu sinto muito pelos problemas que te causei. Quero que saiba que não sou mais aquela pessoa. Mas temos que convencer alguns amigos a…

— Amigos? — Interrompe Luna em meio a um riso misturado com choro. Então ela continuou: — Eu não posso ter amigos, só amigas? Eu não entendo. — Dizia Luna.

— Luna, não faz sentido o que a Clara falou. E a opinião dela não é importante assim. — Denise tenta consolá-la.

— Eu sei… eu sei… Eu estou remoendo isso, mas eu sei que não deveria ficar chateada com esse tipo de coisa. Eu estou triste, porque… porque… porque eu estou triste por estar chateada com isso. Eu não queria. Eu não me importo com isso, mas eu tô me importando. E quanto mais penso isso, mais eu choro!

— Acho melhor a patricinha parar. Está fazendo ela chorar mais. — Disse Kallíope séria.

Ao mesmo tempo, Denise e Luna recebem mensagens de Samanta dizendo: “Desculpa meninas, eu vou contar para eles sobre o que aconteceu no acampamento.”

Luna e Denise se assustam. Kallíope não entende o que acontece e vê Luna limpando as lágrimas e se levantando.

— Vamos lá! — Disse Luna.

Mas Denise está de cabeça baixa e fica hesitante em ir.

— Denise? Por quê?

— E se chegarmos tarde demais? E se eles se despertarem?

— Eles, o Daniel? É quem mais te preocupa não?

Luna, com sua força e energia, puxa Denise dali, agradece Kallíope dizendo que vai explicar pra ela depois.

— … de novo. — Luna termina a frase de forma inaudível.

Com o que estamos lidando

Enquanto isto, num escritório em algum lugar da cidade, encontramos Miguel, Natanael, Aquiles esperando Geno. Ambos com ataduras, faixas e Aquiles com muletas.

Miguel pergunta: — Vocês acham que ele vai aparecer? É muito arriscado, ainda mais pelo que houve…

— Essa é uma crise real. Precisamos de todos os recursos. Chega de enigmas e mistérios. — Disse Aquiles irritado com o jeito misterioso de Geno ser.

Então Natanael, tentando ser diplomata, comenta que Geno é muito sábio e ele faz as coisas como faz por saber o que está fazendo e que é assim que ele os ensina.

— Afinal ele tem a habilidade de…

— Vocês tem muita fé em alguém que não é dessa geração. — Retruca Aquiles interrompendo Natanael.

— Bom, eu não acho que esta é nossa geração. Embora eu me sinta parte dela ainda. É como se eu estivesse me despedindo dessa geração. Geno fez parte da nossa época. — Disse Miguel.

Mas Natanael interrompe irritado:

— Que história é essa de geração? Não conhecem o ditado? O ontem é passado; o futuro um mistério; e o hoje é um presente. Essa é a geração de todos. Não existe geração do passado e do futuro. O que temos é o hoje.

— Embora o hoje seja um presente do passado a pedido do futuro… — Interrompe Geno.

— Geno? — Disse Natanael.

— Onde ele está? — Disse Miguel olhando para os lados.

— Hanf. Fazendo enigmas inúteis como sempre. — Resmunga Aquiles de braços cruzados sentado numa cadeira com suas muletas encostadas nela.

— Aquiles, Aquiles… Sua ansiedade o impede de interpretar. Mas vocês não precisam entender isso agora. No momento certo vão entender o que disse. — Responde Geno.

— Então nos explique, para não ficarmos ansiosos. — Retruca Aquiles.

Depois de um breve silêncio, Geno responde, enquanto todos ficavam olhando ao redor procurando de onde ele falava:

— Eu poderia explicar tudo, mas uma frase colocada em um contexto errado pode mudar todo sentido. O tempo faz parte da frase. Vocês aprenderam isso no livro do Alfabeto do Mundo quando eram jovens, não é? Se eu explicar com o conhecimento que têm hoje, seria inútil.

Miguel pensa tentando repassar em sua mente a frase de Geno: “O hoje é um presente do passado a pedido do futuro…?”

— Novamente falando coisa com coisa… — Aquiles cruzava mais os braços fechando a cara.

— Por que está pegando pesado com o mestre Geno, Aquiles? — Pergunta Natanael.

— Por quê? Nossa localização foi descoberta, nossos membros atacados e nossa base avariada. Ao mesmo tempo nossa base de entrada foi invadida. O que é tão importante que esse velho está fazendo que não pôde estar aqui, ajudando no clube que ele pertenceu? Afinal, ele não é mais um vice Arccupo.

— Nossa… não fale assim do Mestre Geno… — Disse Miguel.

— E se aquelas coisas aparecerem lá no clube igual aquela vez no Vale do Metal? — Insiste Aquiles.

— Tudo bem, pessoal. Eu gosto do lado questionador do Aquiles. Isso o faz ser um bom servo do Reino Allumira. Mas eu digo o que estou fazendo. Aliás, posso dizer que estou resolvendo assuntos políticos para limpar o nome da escola, afinal, os jornais e a mídia estão querendo satisfação. Não vai demorar muito para descobrir que vocês não foram dar aula. O clube Tangerina tem seus membros espalhados pelo mundo, ainda que não estão frequente nele localmente. Nós, os peregrinos, cuidamos de detalhes que vocês não precisam cuidar. E vocês não deveriam estar aqui. Todos estão em estado pós batalha. Por que já saíram do hospital?

— Geno?

— Sim, Natanael?

— Então isso que é a comunicação sonar à distância que tanto ouvimos falar no passado?

— Hei. Não mudem de assunto ainda. — Reclama Aquiles.

Geno ri e responde: — Sim Natanael. Estou fazendo agora mesmo um relatório dos efeitos ao usar esta técnica. No entanto, eu não os ouço à distância como o saudoso Joaquim fazia. Miguel, eu sei o que vai falar. Não se preocupe. E Aquiles, eu já disse antes. Vocês precisam recrutar mais…

— Sim, sabemos disso. Além disso, temos que conseguir manter os nossos… Se ao menos naquele dia tivéssemos você e ela com a gente.

— Você fala da Luna, Aquiles? — Pergunta Miguel.

Voltando ao hospital, Orion começou a dizer que vai despertar, mesmo que tenha medo da dor. Porém Ravi diz:

— Eu não tive tempo de aprender algumas coisas sobre tudo, mas eu me lembro que o motivo de querer ser despertado poderia fazer a pedra de Brasão Eterno inútil contra o Brasão Imperador.

Armani confirmou o que Ravi disse, mas Orion respondeu que não despertaria por algum motivo egoísta em si. Mas que só de ver o empenho deles para que isso ocorra, o inspirou.

— Sabe, gente, eu… Eu sou covarde em muitas coisas e não queria ser. Eu sei que tenho muito o que aprender ainda, mas eu tenho medo de despertar errado essa pedra e… sei lá… e viver com esse brasão esquisito que vai matar todo mundo algum dia. Ravi, como você tinha certeza do que fazer?

— Eu acho que… Acho que… não sei. Haha! Eu senti que meu passado estava sendo roubado de mim e que eu nunca poderia ser quem eu devo ser se não fizesse algo a respeito. Por isso gosto de aventuras, para me desafiar e entender melhor quem sou. E se eu fosse de um reino esquecido… Aliás, me fez muito sentido e eu realmente me senti um cidadão de lá. Não sei se faz sentido, mas foi isso que pensei. Nossa. Eu nem sabia que era capaz de pensar isso tudo que disse. Haha. Mas foi uma certeza absurda que eu tive, sem saber de onde ela veio.

— Então você despertou, Ravi? Ótimo. Vocês devem dominar esse poder… Não sei, mas precisamos de treinamentos mais intensos, caso apareçam mais daqueles homens…

— Hã, com licença. Como eu disse… eu posso ser novo nisso, mas eu tenho uma intuição de que não devemos querer dominar este poder. Eu não sei se é algo que vi enquanto despertava… Porque eu vi muitas cenas embaralhadas na minha cabeça… Me parece que um allumi… alluri… aumilla… Ah, não sei falar… sonar, sonar… Me parece que ser um sonar é algo como ser um explorador e não um guerreiro. Mais um pacificador, o cara que se defende. Algo me diz que este desejo de ter poder é que libera a pedra com brasão do mal. — Comenta Ravi.

— Hum. Talvez sim. Afinal, dizem que o povo de Allumira foi feito para servir, não dominar com estes talentos. Mas às vezes me pergunto se ser servo é o suficiente. — Responde Armani coçando sua cabeça.

— O que significa isso? — Pergunta Daniel.

Uma voz feminina responde:

— Um lado deve usar suas habilidades para ser servo de um reino esquecido e cuidar do mundo, enquanto, por outro lado isso, não é necessário, porque você é seu próprio rei e servo, você é livre.

— Quem é você? — Pergunta Armani ficando aposto.

Ravi diz: — Ísis!

— Me desculpem ouvir a conversa de vocês. Eu vim devolver este livro.

— Esse livro é…? — Disse Armani preocupado.

— Do Sr. Natanael! — Responde Daniel chocado.

— O que tá acontecendo aqui? Esse livro é muito sério para estar nas mãos de qualquer um. — Disse Armani preocupado.

— Não se preocupem. Eu não preciso dele.

— Então você realmente roubou? Eu sabia.

— Como você sabia, Ravi? — Pergunta Orion.

— Desde o primeiro dia percebi uma intenção estranha dela. Ela estava entrando na escola quando a gente estava saindo. Ela se machuca e diz que estava indo embora. E na praça ela sai andando como se nada tivesse acontecido em seu pé. Isso me incomodou.

— Er… Se acalmem, meninos. Eu não roubei. Apenas estava comigo por algum motivo. E eu não sei ler o que está nele. Sei como ele funciona, mas não sei ler.

— Você veio para roubar os brasões? — Pergunta Armani sendo incisivo.

— Roubar? — Perguntou Daniel.

— Sim, os autônomos roubam para eles despertarem aliados também. Como eles não podem localizá-los, eles ficam em nossa cola, porque podemos achar mais facilmente que eles. — Disse Armani.

— Então vocês realmente têm essas pedras sonares? — Dizia Ísis.

Daniel pergunta à Ísis se ela é do tipo autônomo mesmo. Armani insiste para ela responder a pergunta.

— Uou. Calma gente. Vamos lá… Eu não me considero autônoma, embora vocês que andam em clubes consideram todos autônomos só por não ter um clube. Sendo assim, aquela amiga de vocês de coque rosa seria uma autônoma? Não, eu não vim roubar brasão algum. Não sei quem te contou essa história de despertar aliados, mas eu não faço parte de alguma organização ou clube.

— De coque? — Questiona Orion de forma pensativa.

— Sim, a que chuta todo mundo. — Disse Ísis.

Ravi se levanta e vai em direção a Ísis, ficando bem próximo dela para intimidar, acaba deixando-a corada, então ele diz:

— O que seu pai disse sobre o livro naquele dia? Seu pai é despertado ou é o tal do autônomo?

Ísis gagueja para responder, mas para e respira, empurrando Ravi um pouco para trás.

— Você está muito perto. Bom, pra começar, preciso que guardem um segredo.

Ísis sai da frente de Ravi e se senta na cama onde estava Armani. Ela arruma o cabelo e sua roupa para organizar sua mente ao mesmo tempo. Foi naquele momento repararam que garotas mais velhas poderiam ser bem bonitas. Porém Orion teve um mal pressentimento.

— Mano, eu tenho impressão que estamos sendo vigiados. — Orion cochicha para Daniel.

— Isso é clichê demais. Você está com vergonha dela?

— Não… é que…

— … um autônomo. Eu não tenho certeza, mas acho que ele pode ser.

— O quê? Quem? — Pergunta Orion.

— Então você acha que seu pai é um autônomo? Ele viu o livro? — Pergunta Armani.

— Não levei para ele ainda. Eu sei que ele queria. Mas, eu precisava verificar outras coisas.

— Como saberemos se podemos confiar em você? — Pergunta Ravi.

Orion tem novamente uma sensação estranha e quase tem a impressão de ver outra pessoa no quarto, mas ao olhar de novo era uma enfermeira passando pela porta.

— Bom, não sei. Só tenho minha palavra. E se pudesse dar um conselho, eu diria para os dois que não despertaram ainda gravarem um vídeo contando suas memórias. Porque assim que terminar o prazo da decisão de vocês, o brasão irá apagar suas lembranças e partirá em busca de quem deve ser o próximo despertado. — Disse Ísis, enquanto os três novatos olhavam para Armani como quem quisesse confirmar se o que ela disse era verdade.

Luna chega na porta com Denise, que se escondia atrás. As duas estavam cansadas e ofegantes.

— Isso é verdade. Uma boa estratégia para vocês, se estiverem com dúvidas. — Responde Luna ofegante.

— Denise? — Disse Armani se inclinando para ver quem estava atrás de Luna. Na mesma hora que Denise ouviu seu nome, se surpreendeu e corou o rosto.

— Vocês não viram a Samanta, né? — Pergunta Denise com um sorriso sem graça enquanto saía de trás de Luna.

Ísis se levanta da cama de Armani, dá duas batidas leves na cabeça dele, como se ele fosse criança e diz: — Melhora logo. Não espalha o nosso segredo, hein?

Luna e Denise obviamente estranham, e quando Ísis passa por elas, Denise recebe uma mensagem de Samanta. Ao mesmo tempo todos, menos os novatos, recebem a mesma mensagem do professor Miguel convocando para o clube.

— O que é isso? Vocês receberam alguma missão? — Pergunta Ravi super empolgado.

— O que foi, Denise? — Pergunta Luna.

— A Samanta disse que precisou ir antes para o clube urgente, por isso não veio para cá. Mas disse para gente… — Denise tapou sua boca na hora.

Armani pergunta porque elas estavam ali. Denise se irrita e vai até Armani dando um soco dizendo que ele precisava ser mais humano.

Luna estranha e disse que Denise deveria andar menos com ela.

Rindo, Denise responde: — Não é? Você que faria esse tipo de coisa.

— Vamos para o clube, disse Armani esfregando o braço onde levou um soco de Denise.

— Não, senhor. Você tem que se recuperar! Os novatos devem ir também. Mas Daniel e Orion venham aqui antes. — Disse Luna.

Próximo capítulo

A desculpa por não culpar — Livro 1: capítulo 9

Créditos

Autor e ilustrador: Rodrigo Bino
Revisão de texto: Ana Maria Maia Dias

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