Ada & Takeo

Leandro Godinho
outras cousas
Published in
3 min readJul 18, 2021
Mapa com linhas do Metrô de São Paulo

Quando Ada entrou naquele vagão, o Takeo já estava sentado ali. Era uma véspera de feriado e a cidade se esvaziava, ela até conseguiu um lugar para sentar. Ada gostava de andar de metrô ao largar o batente. Ela não demorou a ver aquele homem que parecia fruto de uma noite de amor entre Luanda e Okinawa entretido num livro e se acomodou num lugar onde ele pudesse estar com ela diante de si.

Takeo estava em meio a um romance policial que demorava a engrenar. Quando o protagonista levou para a cama a segunda mulher diferente em cinco páginas, ele desistiu da leitura e descobriu os olhos de Ada. Primeiro, ele ajeitou sua postura no banco. Olhou para os lados. Conferiu o próprio torso — a camiseta continuava branca, nenhuma mancha, o jeans azul escuro. Ao olhar de novo para a moça no banco do outro lado do vagão, ela agora sorria. Ele sorriu de volta.

Takeo parecia mais jovem que os trinta e dois anos dela, e por isso ela procurou dentro da bolsa o espelhinho portátil para conferir as olheiras. Soltou os cabelos em seguida porque achou seu rosto oleoso e cansado. Takeo assistia a ela se arrumar diante de si como que hipnotizado e foi assim que Ada acabou perdendo a estação onde ia descer.

Ela se levantou e sentou ao lado dele. Meu nome é Ada. Eu sou o Takeo. Eu ia descer na estação passada mas acabei ficando aqui. Eu ainda vou até a Sé. Eu posso te acompanhar? Ada gostou demais do rosto do Takeo nessa hora, foi o momento preferido do dia dela, quiçá da semana toda.

Os dois se beijaram exatos quarenta minutos depois de trocarem aquele primeiro olhar, trinta e quatro minutos após começarem a conversar, meia hora após decidirem baldear numa outra estação para tomar um café ou um chopp, dezesseis minutos após desistir do café ou do chope e sentarem numa praça, no segundo após ela dizer que não aguentava mais não beijar a boca de Takeo. Aí se beijaram feito adolescentes, muita língua e saliva e surpresa e mistério e pressa.

Foi depois do beijo que Ada confessou o gosto de passear pelos trilhos subterrâneos da cidade. De vez em quando cabulava as aulas do curso de francês nas terças de manhã bem cedo para pegar o metrô e descer numa estação que ainda não tinha conhecido. Ela entrava em mercados de bairro para ficar olhando as frutas a venda, olhar as pessoas pagando no caixa, olhar as crianças pedindo doces que seus pais não compravam. Quando caminhava por essas ruas cujo nome desconhecia parecia estar noutro país e ser outra pessoa. Depois dava a hora do almoço e antes de uma da tarde ela precisava estar na rádio onde trabalhava.

Takeo tentou não falar muito, mas aí ele deixou escapar que estava acostumado a sair da vista das pessoas quando elas o olhavam demais. Havia passado muito tempo na escola sendo alvo das piadas dos colegas, que sabiam que ele era o filho da moça que faxinava os banheiros e varria os corredores. Sempre que as portas dos vagões se abriam, ele se misturava às pessoas e podia ser invisível.

Quando Ada perguntou da sua mãe, Takeo gostou de ter desistido daquele romance policial. Ela ainda trabalha? Na casa duma dona, três vezes na semana. Ela diz que gosta das duas crianças e que não sabe ficar parada. O meu avô também é assim, sempre inventando alguma coisa.

Foi um pouco surpreendente quando se viram nus ainda naquela noite, dentro de um quarto de motel que eles nem sabiam existir quando acordaram mais cedo. Takeo teve uma sombra de vergonha quando os dois entraram no quarto e ela pediu para não apagar as luzes. Ada disse que aquele marrom na pele dele dava vontade de chegar muito perto e descobrir que cheirava a café no bule. Ela também queria a luz acesa para conferir se o pau daquele homem também teria aquela cor deliciosa, mas isso ela não contou a ele.

Takeo sentiu que ia gozar e não quis. Queria que durasse mais tempo porque dentro dela estava tão bom, Ada pedia que ele fosse inteiro e agora pedia até mais. Meu amorzinho, meu grão de café, ela ficou dizendo abraçada nele depois de tudo, não sai ainda, fica dentro de mim, meu amorzinho. Os dois não imaginavam que o amor fosse aquilo.

Talvez fosse.

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