Amanda em Roma

Leandro Godinho
outras cousas
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3 min readAug 3, 2018

Aprisionada contra a parede de um apartamento que sequer era nosso enquanto a minha mão esquerda mergulhava dentro de sua calcinha, Amanda me olhava nos olhos como se estivesse diante da morte mais saborosa que já havia experimentado — os lábios entreabertos, seu corpo suspenso na ponta dos pés. Era possível sentir o oxigênio daquela sala sendo todo sugado para nossos pulmões. Numa utopia catastrofista, dentro de mais algumas horas, nossos corpos entrariam em colapso e iriam sufocar de tanto tesão, a partir de uma apneia causada por suor, beijos de língua, mordidas na nuca e porra. Quando fossem descobrir nossos cadáveres, a mão direita de Amanda estaria tão presa na minha pica que eu teria de ser mutilado.

Em outros apartamentos, outras paredes, outros canais de televisão, outros casais trepavam de outras maneiras, beijavam outras partes e juravam outras mentiras, algumas verdadeiras, olhavam outros rostos e havia aqueles solitários, aqueles que apenas estavam sendo.

Solitários na cidade eterna.

Eu estava com tanta saudade de dar pra você, ela disse. Há tanto tempo, ela ainda dizia. Dar tanto, e só pra você, e por muito tempo, de todo jeito, por fim disse. E deu.

Em outros países, outras línguas, outros sexos, outras pessoas tratavam de outros assuntos, outros impérios foram erguidos sobre outros escravos, outras transações talvez a três, a quatro, a seis, rolhas de champanhe estouravam, nomes santos eram pronunciados em vão enquanto outros olhos se faziam cegos para imagens que não desejassem enxergar e mesmo assim havia aqueles solitários, falando sozinhos, pensando em nada, avessos a nós.

Punguistas à espreita de americanos bêbados nas vizinhanças do Coliseu.

Amanda nunca havia me prometido amor, ainda que me desse todo o que havia em si. Dentro daquele apartamento que cheirava levemente a mofo, porém a passos de caminhada da Praça da Espanha, me arrastou para o quarto e fez de mim seu brinquedo de natal preferido naquelas tardes.

Turistas romanos se vestem tão mal quanto os próprios nativos, e ríamos juntos aos beijos, de mãos dadas, apaixonados.

Pensar em Roma é pensar em nós dois fodendo gloriosamente e é o que faço toda manhã quando o relógio está a ponto de despertar e então saio do torpor com imagens da bunda de Amanda na retina e o boletim de tráfego matinal nos ouvidos. Não para agora, me pede a sua bunda, não para agora, porra, e municipários caminham protestando por uma das faixas da Avenida João Pessoa, sentido centro, a sua bunda me navega tão bem que ter um pau se torna o pior vício do mundo e também a maior das delícias, motoristas também devem evitar a avenida Protásio Alves, sentido centro-bairro, na altura da Carazinho, porque houve um atropelamento e o fluxo ali é intenso, eu estou quase gozando e então é você, a sua bunda tem você junto e tem a sua força e aqueles músculos que você aplica sobre mim e logo se amaldiçoa porque sente o caralho engrossar justo quando você pedia mais, não agora, não goza ainda, eu estou gozando e esporro, eu queria gozar no seu pau, você me diz, eu nem sei onde estou mas você pede, eu quero gozar, porra, eu quero gozar também, vem, me chupa, vem, e vou.

Depois de Roma nada mais foi tão bom entre nós dois, nem foder, nem dormir, nem mentir, mas amor ainda havia, e demorou pra gente desistir um do outro.

Em outras cidades, outras vias atrolhadas de carros e mototáxis e cachorros, outros fantasmas se buscavam em espelhos, outras luminárias, outras versões de nós dois talvez ainda pudessem se conhecer e aproveitar noites e dias daquela paixão tão limpa que nos acomete quando a carne é crua, antes dos silêncios e fugas e desvios, antes de tudo se tornar insustentável, antes dos pequenos inícios que vão anunciar o fim.

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