(Obrigado, Google.)

Assim

Leandro Godinho
outras cousas
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5 min readAug 12, 2016

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O delegado de polícia não tinha bigode e usava uma armação de óculos escuros que o deixava com cara de bicha. Todo mundo reparava nos óculos, mas claro que ninguém dava um pio a respeito. Não seria eu o mané que o faria. Mas que eram uns óculos de fresco, ah, eram sim.

E o homem da lei ainda usava cabelo com gel, todo moderninho. Foi me levando pelo braço, eu algemado e mudo. A cela estava cheia, mas parecia calma, os presos dormindo já, era quase de manhã. Um fedor. Ele tirou as algemas e aí falou algo baixinho no meu ouvido mas não consegui entender. Acho que era pra eu responder alguma coisa, ele ficou meio que esperando uma resposta por alguns instantes antes de me mandar entrar e trancar a cela de novo.

Depois me disseram que ele tinha me dito que poderia arrumar que eu fosse pra uma cela melhor se lhe chupasse a piça. Ele dizia isso a todos presos que metia no xilindró, descobri. E era mentira. Uns cinco caras que estavam presos lhe chuparam a piroca; só ganharam fama de boqueteiros e umas bordoadas dos guardas depois que voltaram pra cela.

Esse maldito delegado jamais entenderia a minha situação. Uns dois dias depois que fui recolhido, veio um dos guardas me tirar de lá pra conversar outra vez com ele. O doutor quer tirar umas dúvidas sobre a sua situação aqui, bonitinho. Bonitinho. Me chamavam assim porque eu usava uns óculos da moda, a armação era italiana. Bonitinho é o caralho, eu queria responder, mas aí me afundavam os óculos goela abaixo. Não respondi nada.

E lá estava ele sentado me aguardando numa sala improvisada pra me interrogar. Sem bigode. Gel. Os óculos sobre a mesa. Eu sento e nada digo, permaneço sereno. Ele me diz que sabe que estou mentindo e que a perícia vai descobrir que eu estou mentindo. Você não matou ninguém, bonitinho. Quem matou foi aquela maluca que você comia. Eu ali, sereno. Ela devia ser uma foda, hein? Ela está na rua, dando pra outro, e você aqui, preso.

Diane era uma foda, mas não era maluca, não. Só estava infeliz quando me conheceu. A gente conversava. Frequentávamos a mesma aula de fotografia. Eu gostava de retratos, ela gostava de imagens desfocadas. Ela estava noiva e não sabia se deveria estar, mas o noivo gostava muito dela do mesmo jeito. A gente conversava sobre outras coisas, sobre os programas na televisão, sobre as fotografias que fazíamos nas aulas. Até que um dia pedi pra fotografar seu rosto e ela não deixou. Aí a gente foi conversando e ela falou do noivado, de não saber bem o que fazer e por isso achava melhor não tirar a foto.

Claro que não ia falar de Diane praquele imbecil que gostaria que eu lhe chupasse a piça. Ele continuava tentando fazer eu falar dela, que ela tinha participado da coisa toda.

Depois desse dia da foto, a gente abriu uma porta meio sem querer, assim dizendo, de intimidade mútua. Era estranho porque sabíamos ambos que não daria em nada, mas a gente continuava seguindo em frente, feito adolescentes de trinta e poucos anos. Até que um dia a gente matou o curso e foi ver uma exposição de fotos que havia na cidade. Na porta de entrada da exposição ela segurou na minha mão e eu lhe dei um beijo. Não entramos na exposição, mas entramos num táxi e fomos pro apartamento dela, que era o que ficava mais perto.

O delegado dizendo que se me pegasse na mentira ia dar um jeito de me comer. Que bichona. E ninguém reagia, todo mundo ouvia calado porque o sujeito se passava por autoridade. Tinha outro policial acompanhando tudo e vendo a cena, ele desmunhecando, o gel no cabelo. E fingia que não estava ali, mas certamente pensava com seus botões que o chefe gostava mesmo era de dar ré no quibe. Ele dizia que o exame de balística assim, as digitais assado, a posição do corpo. Tudo balela. Se soubessem já tinham desmascarado a gente e entendido o que se passou.

O que se passou? Ela tirou a roupa toda assim que fechou a porta do quarto e sala onde morava. Aí disse que precisava me foder. Sem pressa. Ela repetia que não era pra ter pressa, que ela gostava assim, a tarde inteira. Fodemos a tarde toda. De algum modo, ela sabia quando eu estava prestes a gozar e retardava o processo, diminuía o ritmo, acalmava meu corpo, me lambia a glande bem devagar. No final já não tinha nem mais porra e o gozo era dolorido, mas e daí? Era bom.

No dia seguinte, durante um exercício da aula, ela me disse que queria fazer o retrato. Depois da aula. Não sorriu. Voltei ao apartamento dela. Ela foi pro quarto e quando voltou pra sala estava descalça, vestia uma blusinha, o cabelo num coque desleixado e uma calcinha que lhe desenhava a bunda com delicadeza.

Foi pro quarto e se deitou na cama, de bruços, os pés cruzados e pro alto. Foi o retrato que fiz. Não pegava todo o seu rosto, mas pegava os pés, a bunda, a calcinha. E um de seus olhos, que não olhava para a lente. Ela gostou da foto e pediu uma cópia. Dei pra ela a original, fiquei sem nenhuma. O noivo descobriu a fotografia em menos de uma semana e a partir da imagem de Diane linda daquele jeito, desmanchou tudo.

Como eu iria explicar pro energúmeno que me prendera e me interrogava que Diane ficou arrasada, agarrou na barra da calça do noivo e se deixou arrastar por ele até quase cair pela escadaria do prédio. Quando ela não apareceu no curso pelo terceiro dia seguido eu fui atrás dela. Diane chorava feito cachorro abandonado, não tomava banho e não comia nada fazia quase dois dias. Tinha em mãos o retrato que fiz dela partido ao meio e meio amassado. Fui atrás do noivo. Tinha o endereço dele em uma carta que achei no chão da sala e o encontrei em casa. Ele não queria saber. Chamou Diane de puta. Cadela. Foi quando meti-lhe a mão na cara. Ele entendeu na hora quem havia feito a foto. Brigamos e no meio da briga matei o cara, uma coisa sem pensar.

Voltei ao apartamento de Diane e disse que tinha matado o noivo dela. Ele estava no apartamento dele, eu estava com medo. Diane então parou de chorar, tomou um banho, se arrumou e fez uma janta pra nós dois. Pegou o carro na garagem e fomos pro apartamento do noivo. Ela limpou tudo, recolheu o que havia quebrado. Levamos o corpo dele pro carro e abandonamos num matagal. Ela disse que tudo aquilo era um engano terrível, o noivado, nós dois, o curso de fotografia. Disse pra eu ir embora dali mesmo. Ela iria pra outro lugar. E foi. Eu não consegui. Voltei e me entreguei, mas não acharam o corpo. Não acharam nada no apartamento. E não acharam Diane. Nem vão achar. A única prova de nós dois é a tal fotografia, que foi tirada na câmera dela e o noivo rasgou bem ao meio de raiva diante dela. Ela levou a foto consigo para sabe-se lá onde quer que tenha ido. Simples assim.

Depois de duas horas, o delegado cansou. E me perguntou o que diabos eu estava ganhando sendo preso. Até aqui, respondi solene, já sei que ganhei de você, sua bicha. O outro policial que acompanhava o interrogatório deu uma risada. Apanhei pra caralho depois disso.

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