Bunny

Leandro Godinho
outras cousas
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3 min readMay 22, 2020

Bunny era dessas moças branquinhas feito leite que não podem nem tomar sol em demasia sob o risco de desbotar. Gostava de ficar deitada, de olhos abertos e a boca calada, a cabeça noutro lugar. Gostava de ficar bastante tempo assim nos finais de semana, nos dias de folga, no verão. Os cabelos eram longos e escorriam até quase as ancas, que eram fartamente imperfeitas.

Bunny tinha o nariz engraçado e os olhos castanhos, não muito escuros, não muito abertos. Bunny gostava de meia-arrastão e saltos, tão somente as meias e os saltos e mais nada. Uma vez, não sei como, talvez só de graça, houve um arco com orelhinhas de playmate no cabelo e foi inesquecível. Bunny sorria o tempo todo, parecia uma bonequinha japonesa.

Bunny se esparramava aonde chegava, fosse numa cama, num carro, numa festa. Tomava para si todo o ambiente possível, toda a música, todo o ar, toda a luz. Ou apenas meus olhos e ouvidos e senso de atenção. Nunca soube ao certo, apenas me fixava nela, em algo que ela tocasse, nas palavras que de sua boca caíssem, feito jujubas sendo derrubadas acidentalmente.

Bunny não tinha hora certa e endereço conhecido. Tinha curvas em profusão e uma barriguinha boa de morder. Quando aparecia, todo o tempo lhe pertencia e o único lugar que fazia sentido era onde ela estava. Com alguma sorte, ela me dedicava até um sorriso preguiçoso e sincero do fundo de seus olhos — ou, ainda melhor, beijos, beijos longos, beijos arredios, beijos difíceis de percorrer.

Bunny era manhosa e gostava de se deitar de bruços com as costas em obscena exposição. Não haveria homem nesse mundo capaz de lhe negar a boca, a língua, a ereção indômita e tenaz. Bunny relaxava e sorria, sapeca e matreira. Ela se sabia senhora daquela cama, daquele corpo, daquele homem que lhe percorria, lhe instigava, lhe perscrutava tatilmente. Se deixava estar ali a meu alcance e apenas respirava, existia.

Bunny não gostava de quartos escuros e corredores barulhentos. Não gostava de chocolate branco e ruas cheias. Bunny não gostava do meu ronco noturno e de minhas unhas compridas. Bunny não gostava de janelas fechadas. Bunny gostava de tocar violão e me ver bocejar. Bunny gostava de estar sobre mim, ajoelhada no chão, no tapete macio da sala, no colchão ortopédico, me olhando de cima.

Bunny gostava de sutiãs escuros. Verdes, vermelhos, fúcsias, negros. Sempre deixava que eu lhes abrisse durante beijos, declarações, mentiras inventadas ao pé do ouvido, abraços mal-intencionados. Os sutiãs eram sempre especiais, dotados de lacinhos, arabescos, contornos e mistérios. Então caíam, deslizavam pelos ombros, desapareciam na penumbra, eram lançados para outra galáxia. Ato contínuo, Bunny me puxava para si.

Bunny possuía aqueles peitos maternais e leitosos. A brancura da carne exposta parecia ainda mais alva perto das auréolas, quase transparentes, um rosa-carmim invisível, delícia aos olhos. Surgiam de dentro de blusas, sutiãs, lençóis, suas mãos e toalhas, surgiam nas minhas noites insones, no fundo dos meus copos de uísque, nos banhos demorados em invernos solitários.

Então, sem um aviso prévio, sem um bilhete por baixo da porta, sem uma mensagem através do garçom, sem uma carta anônima que fosse, sem nenhuma senha, nenhum piscar de olhos ou qualquer ultimato, Bunny surgiu esguia, misteriosamente liberta das ancas imperfeitamente fartas, das costas impossíveis, das leitosas mamas.

Ela tentou ainda convencer dentro de um corpete negro feito a noite, os cabelos longos presos numa cauda pecaminosa, a boca obscenamente rubra. Fiquei ponderando acerca do monstro que lhe havia costurado o estômago, receitado bolinhas, lhe metido em academias, lhe retalhado em cirurgias e succionado mecanicamente a alegria da minha vida.

Bunny, Bunny, que desgraça. Nunca mais quis lhe ver.

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