Delícia

Leandro Godinho
outras cousas
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2 min readMar 3, 2015

A primeira vez que beijei Juliana poderia então também ser uma das últimas, só que não foi. Assim começou tudo.

(Poesia à parte, o começo veio antes do início para nós. Mas a gente não sabia que eram começos. Talvez fossem atalhos invisíveis que nos guiavam através das ruas do Rio de Janeiro e de contatos em comum pela internet. Talvez nenhum desses começos teria começado nada se não fosse pelo beijo, aquele primeiro beijo, mas a gente nunca vai saber. Houve o beijo. Antes, não havia beijo algum.)

Foi ao mesmo tempo inesperado e tão óbvio. Juliana e eu, sabe, qualquer um que estivesse em nossa órbita poderia realmente prever que em algum momento daquela noite havíamos de nos beijar. Qualquer um que não fosse eu, porém. Eu me encontrava ali, próximo a ela e inseguro, mas não inseguro a ponto de perder as palavras e o momento, felizmente, apenas inseguro porque diante de Juliana, que me sorria com mistérios. Então quando se deu o finalmente, teve algo de alívio dentro da alegria e da troca de olhares que selou o começo de nós dois. Ao cabo do primeiro beijo, veio o segundo. Não demorou muito e perdemos a contagem.

E aí era como se a gente se sentisse meio besta por ter levado esse tempo todo pra finalmente estarmos juntos e abraçados e sorrindo e embriagados e sujinhos no meio da praça, nos roubando beijos.

Menos de vinte e quatro horas após aquele primeiro beijo já estávamos os dois novamente aos beijos, dessa vez noutro local. Havia certa semelhança com o cenário — uma mesa de bar, uma noite já madrugando — mas nós dois já não estávamos tão incertos. Havia então desejo e alegria, aquela ansiedade juvenil de arriscar invadir lugares abandonados, explodir latas de achocolatado em pó, experimentar o primeiro cigarro. Juliana tinha aquele brilho dentro dos olhos ao sorrir pra mim que só temos quando a vida é doce. Fugimos dentro de um táxi para Copacabana.

Na noite seguinte à nossa fuga, nem uma segunda-feira de trabalho fazendo as vezes de prólogo (ou seria apenas um mero interregno?) impediu que Juliana estivesse linda e cintilante ao abrir a porta de casa para novamente me raptar do mundo. Foram tantos beijos e confidências e taças de vinho e sorrisos que a pizza pedida ao telefone quase esfriou esquecida sobre a mesa porque a nossa fome já era outra. As coisas que haviam além de nós iam pouco a pouco deixando de ter relevância, sentido, visibilidade. A distância que havia entre os corpos foi rapidamente suprimida. Tínhamos tanto o que nos despir.

Fosse o que fosse que havia começado entre nós, acabamos indo tão além que não temos mais como saber onde vamos parar. Não fazemos a menor ideia. Não queremos saber de finais. Não agora. Agora é outra coisa, sem uma forma conhecida, que dança entre Juliana e eu de maneiras impossíveis e levemente alucinadas. Uma delícia.

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