Diálogos quase monólogos

Leandro Godinho
outras cousas
Published in
3 min readJul 17, 2020

Os dois estão no chão da sala de estar do apartamento dela. Ela fuma, ele sente vontade de acender. Bebem vinho. É madrugada. Madrugada-madrugada, uma daquelas horas que parecem eternas três da manhã. Ambiente de música, ainda que em volume baixo, porque há vizinhos e ela não deseja brigar com o condomínio.

“The nights were mainly made for sayin’ things that you can’t say tomorrow day”, nos ensinou o poeta.

Você é um trôpego.

Está na letra. Você ama de paixão!

E um sem-vergonha.

Vai renegar Pedro a essa hora, porra?

Homens. Homens. Cês são foda.

Não fala assim, vai?

Trôpego. Sem-vergonha. Vou abrir outra garrafa porque perdi a porra do sono.

E eu vou roubar teu cigarro.

Vou abrir aquele outro que tu trouxe. Azar.

Abre, sim.

Mas, então: você tava tentando me convencer a dar pra você hoje?

Eu?

Sim. Você. E a sua conversinha.

Por quê? Você quer?

Sem-vergonha. Trôpego.

Fala trôpego de novo, fala, só pra eu ouvir.

Trô-pe-go.

Eu devia gravar isso pra levar pra casa e ouvir sempre.

Mas, então, homem.

O que tem, mulher?

Aquela volta toda que tu tava dando. Letra do Arctic Monkeys. Que eu faço poesia pelo instagrã. Que o azul do meu sutiã, como era mesmo?

Me emocionou naquela tarde.

Isso, te emocionou.

Eu te disse.

Disse nada.

Vai dizer que você não gosta?

De dar?

Desse lance que a gente tem.

A gente tem um lance agora?

Não tem?

Você que tá dizendo isso. Eu só gosto de dar.

Depois eu que sou o sem-vergonha.

Adoro dar. Verdade. Saudades de dar. Dar de manhã, antes do despertador.

Eu só queria dizer que gosto pra caralho de você.

Depois a gente fica ali deitado, lembrando. Aí um levanta, porque o despertador toca.

Eu gosto pra caralho de você. Eu faço print na tela do celular de todos teus stories.

Ai, que lindinho. Meu punheteiro de meia-idade.

Mas é verdade.

Eu sei que é verdade. Quer que eu faça um nude pra você ao vivo? Aqui?

Eu amo te objetificar.

Objetifica mais, meu gato. Continua.

Tipo, quando você levantou e foi ali pegar outro cinzeiro agora há pouco. Você ficou contra a luz.

Contra a luz?

E ficou bonito pra caralho, sabe? Foi coisa de um segundo, mas eu olho pra essas porras e sinto um tesão fodido mesmo.

“Essas porras”, você diz, eu?

É. Você.

Achei que você só tinha uma tara normal. Peito, bunda.

Mas eu tenho.

Você não existe.

Quem me dera.

Olha. Essa garrafa que cê trouxe é boa mesmo.

Não é?

Olha, meu gato. Eu gosto mesmo de dar e acho que quero, sabe? Você tá a fim?

Você tá falando sério?

Eu que te pergunto.

Claro que quero. Porra! Quero!

Mas ó: condição.

Qual?

A gente se come, maravilha, se for gostoso a gente repete, mas você nunca mais fica me cantando na porra do instagrã que só quero postar minhas fotos, beleza?

Achei que você curtia.

Ai, cara. Quer ou não quer?

Beleza. Vamos?

Calma, homem. Vamos terminar essa garrafa antes. Se tu me comer como escolheu esse vinho, te juro, nem deixo você sair daqui de casa!

--

--