Finalmentes

Leandro Godinho
outras cousas
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4 min readApr 4, 2020

Tenho uma novidade pra te dizer mas queria dizer pessoalmente.

Era essa a primeira mensagem que apareceu no meu celular, mas logo após, menos de um minuto, veio outra.

Estamos em Blumenau desde novembro. Por mim ficamos por aqui.

Era Elena. Ela e Pedro estavam em Blumenau. Ela ainda estava com Pedro, então.

A novidade não é essa hihihi. Vou dizer logo. Tô grávida (emojis de espanto).

A minha Elena, grávida. A Elena que não já era minha há anos, quase dez anos, e nem assim eu conseguia deixar de me apegar ao tempo em que éramos casados. Elena que voltou para casa depois de uma semana em que havia viajado a trabalho e disse, assim que entrou naquele então nosso apartamento, que estava indo embora. Mas já, eu perguntei. Não, Leandro, estou indo embora. Estávamos tão cansados do casamento que fomos civilizados dali em diante, e eu fui para a varanda fumar enquanto ela partia.

A gente descobriu tem quase um mês.

Na versão do passado que eu gostava de me recontar, meu pecado foi ter amado Elena menos do que eu pretendia. Eu deveria ter me preocupado em levar mais vezes café na cama ou ter deixado bilhetes para ela encontrar dentro de mochilas, livros, gavetas. Eu deveria ter feito alguma cena e mais promessas quando ela anunciou que era o fim. E talvez tenha sido inconsequente eu sugerir a Elena que iria viajar sozinho no carnaval menos de dois meses depois dela ter perdido o pai vitimado por um câncer.

Ai, baby, fiquei tão feliz, sabe.

Elena estava feliz naquele primeiro de janeiro em Ibiraquera. A água estava fria e o mar de ressaca, mas na areia nós estávamos juntos. Daquele primeiro de janeiro em diante, ela seria a minha Elena. Nos conhecíamos de grupos de amigos em comum de Porto Alegre e havia um flerte há algum tempo — teve até uma festa onde terminamos juntos — mas ali na praia foi a primeira vez que deu vontade de que aquele encontro fosse o início de algo mais. Assim vou acabar apaixonado, eu disse a ela antes do dia dois de janeiro. Acho bom, Elena respondeu.

Queria tanto poder te contar ao vivo!

Eu respondi que estava feliz por ela, que era uma surpresa e que torcia para que tudo corresse bem para eles. Eu teria que aceitar que Elena estava grávida não de mim, mas de Pedro. Aquela não seria mais a Elena de Ibiraquera, que comprou uma passagem no dia quatro de janeiro para me dizer que assim ela também ia acabar se apaixonando. Seria apenas Elena, mãe do filho daquele Pedro, que talvez não voltasse mais a Porto Alegre e de quem eu receberia notícias pelo celular.

Não te mando foto agora porque quase não dá pra ver a barriga, mas prometo te mostrar assim que aparecer! (emojis sorridentes)

Elena havia me amado tanto. Mesmo numa noite em que depois de algumas garrafas de vinho me contou que havia encontrado e-mails e mensagens no meu celular que me flagravam dizendo a outra mulher coisas que ela queria ouvir de mim, mesmo naquela noite em que ela chorou e disse então que havia ficado com tanta raiva de descobrir que eu a enganava que entrou na minha pasta de músicas e filmes baixados do computador e apagou o que havia lá dentro, mesmo ali ela escolheu aceitar as desculpas que dei, a promessa de nunca mais fazer aquilo, o medo que eu disse ter de que ela fosse embora e me pediu dentro dela, tirou a camisola de dormir, se montou de quatro e deu a ordem — eu quero que você me coma como se fosse ela.

E você? Tudo bem aí nesse calorão?

Eu quero olhar para Elena nua, e ver Elena tirar a roupa porque estou diante dela, olhar para a cicatriz que restou no ventre depois da operação no intestino. Quero os peitos quando estiverem cheios de leite, os pés descalços e inchados, os cabelos presos num elástico de papelaria, a barriga que não me pertence. Quero olhar para Elena naquela manhã em que cheguei de volta em casa desprovido de desculpas ou vergonha e confessar que o nome dela era Rita, a gente tinha um caso há quase um ano. Quando aconteceu pela primeira vez, pareceu um acidente e que acabaria por ali, mas então aconteceu de novo, e de novo, e de novo.

Enfim, te disse a novidade. Se cuida! Beijos.

Na última vez em que vi Elena, uns meses antes dela ir para Blumenau com Pedro, dividimos uma mesa na calçada para podermos fumar. Ela me contava que estava cansada de Pedro. Eu contei que, depois de ler uma passagem dentro de um romance da Elvira Vigna onde uma mulher conta ao leitor como a persistente negação do marido flagrado em adultério em dizer a ela a verdade contaminou todo o convívio do casal, tinha me dado conta do tamanho da merda que eu havia feito conosco, e especialmente com ela. Que eu não me lembrava de ter sido honesto com ela a respeito de como eu me habituei a mentir cotidianamente enquanto estivemos juntos porque achava que a verdade iria fazer com que ela deixasse de me amar. Que dez anos depois dela ter ido embora eu ainda não conseguia olhar para ela sem pensar no que poderia ter sido.

Elena sorriu. Disse que era bom ouvir aquelas palavras de mim. Porque teve muita raiva quando foi embora, raiva daquele homem que ela amou. Mas descobri depois, sabe, que raiva passa. Eu não penso no que poderia ter sido porque aprendi a lembrar do que foi, e teve muita coisa bacana no que foi. Vamos pedir mais uma cerveja e a conta? Está ficando tarde para mim, já.

Elena dividiu uma corrida de táxi comigo e desceu antes. A minha Elena diria para eu descer junto e irmos para seu apartamento. Elena me deu boa noite e disse para eu mandar mensagem quando chegasse em casa. E voltou para Pedro.

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