Fogo na bacurinha

Leandro Godinho
outras cousas
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5 min readAug 25, 2019

Elisa gosta de me beijar na boca como se não gostasse de beijar a boca do marido que ficou em casa esperando a esposa para o jantar que ela decidiu que não iria comer tão cedo. Elisa, eu digo com uma voz de homem adulto. Nada mais, apenas Elisa, e repito. Faço isso olhando para seu rosto com toda a minha segurança de macho alfa criado à base de muitos softporns dos anos noventa. A piroca inchada dentro da cueca também repete a atitude da minha boca e com voz grave ronrona o nome de Elisa. Ela então me pede um beijo.

A boca de Elisa se abre dentro da minha e lá de dentro a língua daquela mulher abre caminhos feito um monstro marinho que farejou sangue e ataca minhas gengivas, arranca meus dentes do lugar, desenha o próprio nome na constelação do pálato.

Ela vai me dizer, minutos após, que ouvir o seu próprio nome dentro da minha voz, dependendo do lugar, da hora e de onde estão minhas mãos, e vamos supor, então, que elas estejam invadindo o interior das minhas calcinhas feito uma aranha bêbada e tomada de más intenções, entende, então ouvir você repetir meu nome é foda pra caralho, meu.

Estamos sentados feito dois boxeadores cansados no chão da sala daquele apartamento alugado de ocasião – check in depois do meio-dia, check out antes das dez da manhã, chaves na portaria, favor não fumar nos cômodos – diante da mesinha de centro com tampo de vidro, dos quadros de gatinho nas paredes e da televisão ligada mas sem som.

Eu penso no marido de Elisa com fome e sozinho em casa quando ouço a pergunta. Quero dizer a ela qualquer coisa a respeito de como a gente fode bem e se por acaso ela fode em mim o que não consegue foder no marido, mas é Elisa quem fala antes.

A última noite eu sonhei contigo, sabe? Eu não sabia.

Não foi bom. Eu chamava seu nome e você nunca me atendia, nunca se virava, nem respondia. A gente um do lado do outro e aquilo foi me dando uma agonia, cara.

Felizmente eu não puxei porra de assunto nenhum sobre seu marido e enquanto ela me contava do sonho nublado eu sentia um alívio no peito.

Aí no meio daquele sonho acho que fui acordando porque bateu uma nóia escrota de estar falando dormindo e chamando seu nome do lado do Alex ali na cama e acordei depressa, e.

Elisa então pára de falar e se levanta e eu sei, porque nos conhecemos desde o cursinho pré-vestibular, que ela vai abrir a sua bolsa e tirar lá de dentro uma caixinha metálica onde carrega consigo papel de seda e maconha. Elisa vai prender o cabelo e recolocar os óculos e vestir de volta a calcinha. Elisa vai se sentar no sofá da sala, puxar a mesinha de centro para perto de si e apertar um baseado como se fosse 1996 outra vez. Elisa vai abrir as janelas da cozinha e da sala, cuidando de apagar a luz da sala antes de acender o isqueiro.

Só depois é que Elisa me pergunta se eu sonho com ela.

Eu acho que sonho porque sonho basicamente bastante sacanagem e as mulheres desses sonhos são todas mulheres que eu conheço ou conheci. Acontece que não sou uma dessas pessoas que se recordam dos sonhos quando acordam, então não tenho certeza. De toda forma, não vejo porque complicar uma noite tão boa.

Sonho, sonho sim. Tem um sonho que é você escovando os dentes no banheiro do apartamento dos meus pais e eu estou fazendo xixi logo atrás de você, sentado, e a gente voltou de uma festa, e é de madrugada e quando eu me levanto eu resolvo que quero te comer ali mesmo, você com a boca cheia de pasta de dente e abaixo a sua saia, afasto a sua calcinha.

Esse sonho existe mas é com uma outra namorada que tive, há muito tempo atrás, e só existe porque não é sonho, é lembrança, mas o que me importa é que Elisa parece até ter esquecido do cigarro na mão suspensa.

Uau é tudo o que ela diz a respeito, uau, e faz o rosto correspondente a esse uau.

Tenho vontade de perguntar a ela se o Alex não diz pra ela nunca, nunquinha mesmo, nem depois que ela sobe nele vestindo apenas uma calcinha que vestiu desde manhã cedo e tem a pele oleosa de fuligem e supermercado, se o Alex não fica de pau duro e diz que Elisa é a mulher mais gostosa do mundo, se no caso ele tiver medo de falar essas coisas assim, se então ele não perde o medo dentro dela. Elisa se casou com ele, afinal. Casou de verdade, na igreja, eu fui um dos padrinhos.

Na véspera do casamento, eu e Alex estamos bêbados, e dentro desse clichê miserável havia uma amizade, posso jurar. É uma mesa de bar farta de amigos do Alex, e alguns ali eram amigos dos amigos do Alex, porque o Alex era o primeiro da nossa turma que ia se casar. Alex, copo meio vazio na mão, o olhar vidrado na direção de sereias, se levanta e faz menção de subir na mesa e eu, que estou sentado a seu lado me levanto para ajudar na medida do possível a não deixá-lo desabar e a estar presente caso apareça a administração do recinto disposta a nos expulsar dali.

Esse cara aqui, Alex aponta para mim, esse corno é meu irmão! A Elisa deu muita sorte de ser mulher e eu gostar muito de buceta, porque, porra, eu queria me casar mesmo é com ele!

Todos rimos e aquela noite é a melhor noite de todos os tempos.

Eu ignoro a minha amizade com Alex e trato de voltar a ser aquele filho de uma boa puta que olha para a mulher dele e pisca um olho sempre que pode. Eu pergunto se ela não quer pedir uma pizza para a nossa janta. Ela demora a responder, mas já sabe até onde pedir. Tem uma pizzaria ótima que entrega aqui no bairro, a napolitana deles é melhor que sexo, e assopra a fumaça na minha direção, obscena.

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