Tiê — Iemanjá no asfalto

#Lollapalooza Brasil 2018

Lucca Pollini
Tá Fora do Tempo…
4 min readApr 1, 2018

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Foto: (Natália Luz/VEJA.com)

Tiê de azul mar
Tiê é água clara
Água viva
Gaya

Tá vestida de Iemanjá às 14h10 embaixo de um sol de 38 graus no Lollapalooza Brasil 2018.

Faz um show sobre água, que ironia, no telão várias bolhas, água corrente, fluida

Sempre toca no Lolla, avisa que esse é só mais um show, só mais um.

Tiê provoca

Pede uma toalha para a produção, faz de propósito

Comanda

A roda de música de Tiê parece uma seita aquática

Suas duas backvocals são sereias do mar, dos rios amazônicos.

(Felipe Cotrim/VEJA.com)

Cantam e encantam com seus falsetes

Tiê desce do palco, canta na grade

Faz as músicas com o coração, canta demais, Tiê arregaça.

Sabe que sua música será cantada pra sempre, pergunta:

“É essa aqui que eu vou cantar pra sempre?

É essa música?

Então vamos lá cantar a música que eu cantarei pra sempre.” diz, quase com desdém.

Como uma música pode eternizar?

Mete uma fumaça no palco

Fala que precisa afinar o violão

Tá desafinado, produção.

Cadê o som da Tiê?

Cadê a água dela?

Tiê não se aguenta de ansiedade e vai fazer a capela

Faz

No meio da água

Na viola

Manda a real

Já ouviu a música do João?

Não?

A música do João chama “Amuleto

“Tem algum João aqui no Lollapalooza?

Eu quero cantar para o João.”

Você acha que tem algum João no Lollapalooza?

Sabe quanto custa o ingresso do Lollapalooza?

800 reais.

É um salário mínimo, bichão.

Não tem ninguém com o nome de João no Lollapalooza.

João é nome de pessoas com pouca grana.

Todo mundo aqui chama Enzo.

Alguns até tentam ir até lá conversar com ela, falar que chama João, mas Tiê não acredita.

Não tem nenhum João.

O público se olha, confuso. O que ela tá fazendo?

Tiê olha para a produção:

“Chama o João”

João aparece. Negro. Grande. Trabalhador do festival. Deve ter uns 50 anos.

“Esse aqui é o João, vou cantar pra ele”.

“Não deixa eu me arrepender
de um dia ter te amado, João
Não deixa eu escapar assim
Me prende nos seus braços, João”

João é negro. Quase não tem negros no meio do público.

Tiê canta para João de uma forma delicada e maravilhosa, João tava trampando e agora tá no palco, emocionado. Se foi combinado, se João é um artista ou não, não importa, a mensagem foi dada.

O Lollapalooza é um festival muito caro, sem noção da realidade, desigual, é um oasis, uma elysium de ostentação e fantasia para quem pode pagar.

Quem pode pagar? João não.

João tem que trampar.

Foto @salamandrin
Foto @salamandrin

Tiê não parou de provocar. Tiê tem toda razão.

Deixou seus músicos solarem, que showzasso, sumiu do palco e abriu caminho para o delírio musical de sua própria equipe. Esqueci de Tiê por um instante.

Do nada, Tiê aparece ao meu lado, literalmente, vestida de Iemanjá, cantando no asfalto de Interlagos. Olhos fixos. Tiê olhou no meu rosto e veio na minha direção. O público delirando junto com os músicos. Tiê é água, feminina, oposta ao fogo do Braza, complementar. Tiê cantava no meio da multidão e ninguém chegava perto, formou um círculo de 1m em volta dela e começou a caminhar, fez a procissão dos mares, das águas. Passou do meu lado, senti a fúria da música brasileira, das águas, o poder de uma artista de peso, com consciência social sobre o país em que vive, com a crítica necessária.

Iemanjá no asfalto.

SET LIST

  1. Mexeu Comigo
  2. Me Faz
  3. Tudo ou Nada
  4. A Noite
  5. Assinado Eu
  6. Isqueiro Azul
  7. Depois de Um Dia
  8. Amuleto
  9. Duvido
  10. O Mar Me Diz
  11. Pra Amora

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Tá Fora do Tempo… — A primeira publicação sobre Rock Brasileiro e outras brasilidades no Medium Brasil.

Chega mais!

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