Quando palavras salvam vidas

Carolina Rodriguez
Outras matérias
Published in
6 min readJan 10, 2020

Relatos sobre a terapia de escrever por meio de autores independentes

Um rabisco no papel. Uma batida na tecla do teclado. Uma folha em branco sendo revestida de significado, de sentido e de palavras que formam uma imagem. Um destino.

Magia que se aprende ao longo da vida, uma paixão antiga. Escrever é arte, é desabafo não falado, é palpar a imaginação. É oito ou oitenta, ponta de extremos, que te faz emergir e refletir, observar que não é visto, escutar o que não é ouvido. Pode ser um fardo para os que não têm apreço, porém uma terapia para os que lhe tem amor.

A escrita vem de dentro para fora, da antiguidade. De natureza egípcia, converteu-se para todas as línguas. Está em todos, mas não é para todos. Como uma divindade solene que passa despercebida por ter muitas camadas e diversas entrelinhas. Bem aventurados são os que se arriscam desse universo feito por eles mesmos, pois não há saída.

Para eles, o paraíso é logo ali. Tem paredes revestidas e lotadas de estantes e grandes janelas de vidro ao redor. Parece um labirinto, com pilhas de livros naquele terceiro andar do shopping. Também pode ter formato de pequenos sebos encolhidos nas grandes ruas das metrópoles ou estar ao alcance de um clique. Cada plataforma de leitura é diferente, mas com o mesmo objetivo: sonhar.

De sonho em sonho, caminho por entre os diversos modos de fazer literatura e de consumi-la, até esbarrar no meu. Eu também quero escrever e publicar um livro. Começo a ir atrás de informações: qual a melhor editora? Caio então num blog que se chama Blog do Escritor. O post me brinda com o seguinte titulo: “Quer publicar seu livro? Então abra o olho para editoras picaretas”.

Com um texto de 2012, deparo-me com ao impasse de que as editoras estão atrás de história de massa. Escrever passa a ser um produto. O que antes era uma forma de escapar da realidade e diversão tornou-se meramente um consumo. A postagem descreve o caso como “exploração de sonhos alheios” e diz que hoje em dia só se é publicado o que agrada o público, independente da qualidade de outras obras.

Ainda afirma que existem quatro alternativas para quem quer se lançar no mercado literário: pagar uma publicação independente; enviar originais para grandes editoras comerciais; enviar originais para editoras médias e pequenas; pagar para ser publicado pelo selo de alguma editora. “Se você for um autor desconhecido, sem costas quentes (entenda-se, sem padrinhos ou amigos importantes no mercado editorial), a possibilidade de ser publicado de cara por uma grande editora é próxima de zero. Sendo otimista…” O que sobra? As duas opções pagas.

Os escritores independentes estão de fato se tornando uma grande parcela de integrantes no mercado literário. No meio do ano de 2014 foi divulgada uma pesquisa baseada em dados pelo jornalista Mark Coker que, até 2020, os escritores independentes conquistariam 50% do mercado de ebooks dos Estados Unidos. Mas vamos fazer uma pequena viagem no tempo.

Ebook é o termo utilizado para livro eletrônico, ou aquele que você lê pelo computador, tablet e celular. O primeiro ebook foi lançado em 1993, por Peter James, com o título Host. Na época, grandes debates ocorreram. O apocalipse da literatura estava acontecendo e o papel tinha data de extinção. Seria um dinossauro, eles diziam. No entanto, se o e-book for definido como um texto disponível na internet ou em um dispositivo eletrônico, a data pode mudar.

Podemos dizer que seu surgimento aconteceu em 1971, quando o projeto Gutenberg começara a disponibilizar os títulos. “Quando você começa a verificar e pesquisar o que, pioneiramente, estava em mídia digital, muitas vezes você encontra um monte de projetos que eram importantes de diferentes maneiras e que já foram esquecidos” diz Nick Monfort, professor na MIT (Massachusetts Institute of Technology).De lá pra cá, diversas plataformas que facilitariam a publicação e a divulgação de um ebook surgiram.

O Blogger sempre foi uma plataforma com público e usuários fiéis. Desde que o Blogger, ou diário na rede, foi criado e disponibilizado para o mundo em 2007, muitos escritores viram uma chance de mostrarem seus pensamentos ao mundo na plataforma gratuita. No entanto, o eBook é mais indicado para quem quer disponibilizar textos mais longos.

No Brasil, foi criada a Widbook, que é uma rede social para a publicação de livros eletrônicos. Além de receber um feedback, a atualização dos capítulos pode ser feita

gradualmente, permitindo tanto a publicação do livro todo de uma vez só, quando fragmentado, pouco a pouco. Resolvi me cadastrar nessa plataforma e testá-la: é fácil de usar, dá para interagir com os seguidores e é gratuita.

O comum das plataformas de publicações de eBook é que os autores recebam até 70% royalties, segundo uma matéria publicada na Rolling Stones. Já nas editoras que produzem livros físicos, o máximo é 50%, além do pagamento de taxas. Esse tipo de informação tem ajudado a alavancar o mercado da autopublicação, que tem como maior obstáculo o anonimato.

Alguns guardam dinheiro o suficiente para lançar cópias físicas de seus projetos, mas são anos de luta. Pensando nisso, a X Bienal Internacional do Livro de Pernambuco que acontecerá no ano de 2015 abrirá um espaço para apresentar novos escritores que nadaram contra a maré. A nota foi publicada no site no começo do mês de Junho e já causou grande comoção.

Eles por eles

A escritora Thais Lopes lançou dois livros de ficção Young Adult por meio de uma editora independente. Participou da Bienal em São Paulo no ano de 2014 para divulgar seus trabalhos. Ela tem 25 anos e trabalha como revisora em feiras de livros, porém liberou sua agenda para me receber num restaurante.

A aparência de Thais por si só já foge do convencional. Os cabelos pintados de roxos, a tatuagem de um beija-flor no ombro esquerdo e a roupa toda preta sugerem uma adolescente gótica. No entanto, o sorriso que aparece nos lábios pintados de vermelho desmistifica qualquer imagem pré-definida que se tenha sobre ela.

Filha de professores cresceu com a famosa frase “desliga a TV e vai ler” que tem como mantra até hoje, na fase adulta. “Comecei a escrever muito nova, e já tinha lido muitos clássicos numa idade em que a maioria das crianças nem pensa em livro. A ideia de publicar surgiu (foi colocada na minha cabeça) quando meus pais descobriram meus cadernos com histórias e resolveram tentar mandar para editoras”, conta ela, com um olhar saudosista de quem se lembra de um passado bastante prazeroso. Mas Thais nunca foi uma pessoa de desistir fácil.

Após conseguir trabalhar um pouco mais perto de seu sonho, lançou duas dark fictions urbanas: Sentinela e O Ciclo da Morte. Fala dos livros com orgulho. Audaciosa, revela que não teve medo de ser lida por estranhos. “Tenho mais medo de ser lida por pessoas que me conhecem do que por estranhos. Muitos desses ‘estranhos’ que leram meus livro nesse 1 ano desde a publicação do Ciclo acabaram se tornando amigos. É meio intimidador você pensar que seus amigos estão lendo o livro, sempre fica aquele frio na barriga esperando pela reação deles, muito mais do que quando um ‘estranho’ lê.”

Como uma autora já mais conhecida e com um público fiel, pergunto qual a sua opinião a respeito dos eBooks e da divulgação pela internet. Thais pensa por alguns segundos, parecendo em dúvida. No entanto, seu tom é firme e decidido. “Esse é o melhor canal de divulgação atualmente, e a grande maioria dos autores de editoras tradicionais também dependem da internet. As editoras tradicionais brasileiras não fazem quase trabalho nenhum de divulgação, tanto que você pode ver que quando lançam autores nacionais são apenas aquelas pessoas que já têm nome e uma base sólida de seguidores.”

Em contrapartida, o goiano Leonel Cupertino já pesa os dois lados antes de se firmar numa posição. “Eu acho que a internet é fantástica e amplia muito o nosso alcance enquanto autor e leitor, mas não há nada melhor do que segurar um livro físico em mãos e sentir o cheirinho das páginas novas. É excelente. Acho que quando você bate o olho naquele determinado livro na prateleira você se enxerga ali. O livro acaba virando uma referência tua.”

Apesar de não ter nenhum livro publicado, Leonel escreve por hobby e pura paixão. O estudante de serviço social tem 22 anos e está planejando lançar uma webnovela. Porém, revela-me que seu grande amor é a poesia. Poeta de mão cheia, escreve num blog quando a inspiração vem, assim, de repente, sem avisar. “Eu não sei explicar. É algo metafísico. Simplesmente acontece. Várias vezes já me vi escrevendo poesias em guardanapos ou na mão só para não perder aquela oportunidade.”

A literatura modificou tanto sua vida quanto sua personalidade. Homossexual, o rapaz alto de cabelos castanhos e aparência de galã diz que aprendeu a colocar as ideias em ordem graças ao seu apego por livros. As palavras ajudaram-no a compreender suas próprias confusões e a expressar-se. “Ser um leitor me fez um homem mais crítico, mais coerente e mais sensível.” E finaliza dizendo que literatura é, para si, a possibilidade de abrir novas janelas. Com a literatura você tem a capacidade de pensar fora da caixinha.

--

--

Carolina Rodriguez
Outras matérias

28 anos, jornalista e técnica de museologia. Música e escritora de ficção nas horas vagas.