Carolina Rodriguez
Outras matérias
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3 min readJan 10, 2020

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Vernáculo

A AMIGA, O CAFÉ E O ANGLICISMO

Venha provar meu brunch
Saiba que eu tenho approach
Na hora do lunch
Eu ando de ferryboat…(2x)
Eu tenho savoir-faire
Meu temperamento é light
Minha casa é hi-tech
Toda hora rola um insight
Já fui fã do Jethro Tull
Hoje me amarro no Slash
Minha vida agora é cool
Meu passado é que foi trash…

Estava eu e um restaurante qualquer na cidade de São Paulo, esperando uma conhecida minha para um almoço. Isadora. Era quase meio-dia. Sabe que horas ela foi chegar? Duas horas. Acontece que ela tem sempre um ataque de estrela e acha bonito chegar bem depois do horário estipulado, para chamar atenção. No fim do almoço, estávamos conversando animadas, quando de repente, na hora do café, ela simplesmente disse: ‘Esse brunch estava divino!’ Acho que ela se ofendeu um pouco quando eu perguntei por que ela não podia falar refeição como uma pessoa normal. E é mesmo, por que não podia? Por que temos que usar essas palavras em inglês? Só porque é elegante usá-las? Não é. Isso só prova o quanto eles nos dominam. O quanto eles interferem no dia –a –dia da nossa vida.

Eu comentei alguma cosia sobre o samba de Zeca Baleiro, O Samba do Approach, e ela me disse que adorava, que achava a letra muito bem encaixada. Mas a verdade é que Zeca fez esse samba para contradizer pessoas como Isadora. Foi uma ironia contra o anglicismo. Afinal, que o Estados Unidos é uma grande potência desde a segunda guerra mundial, e que a Inglaterra foi a maior potência na primeira guerra mundial, nós já sabemos. Mas por que deixá-los nos dominarem? Por que devemos muito para os Estados Unidos, temos que ter o american way of life? Eles começaram com suas empresas (McDonalds, por exemplo), depois, com seus filmes, com sua música, e agora com suas palavras também? Qual é o fundamento disso?

Venha provar meu brunch
Saiba que eu tenho approach
Na hora do lunch
Eu ando de ferryboat…(2x)
Fica ligado no link
Que eu vou confessar my love
Depois do décimo drink
Só um bom e velho engov
Eu tirei o meu green card
E fui prá Miami Beach
Posso não ser pop-star
Mas já sou um noveau-riche…
Venha provar meu brunch
Saiba que eu tenho approach
Na hora do lunch
Eu ando de ferryboat…(2x)

Nenhum,é claro. E no fim, eu e Isadora estávamos discutindo. Ela disse que achava chique falar isso, que era elegante, que mostrava que você estava ‘in’ do que estava acontecendo no mundo. Eu respondi que não é só porque você faz jus a sua língua, que você a valoriza, que você não tem cultura, não lê jornais, não vê notícias, não usa sue navegador e não anda pela rede — para não falar internet ou browser -, isso não quer dizer que não somos antenados, que não nos importamos com o que ocorre lá fora. Por que não substituímos essas palavras em inglês para algo do nosso idioma? O problema é que muitas pessoas ainda pensam como ela. E é por isso que o país não vai pra frente: nós não acreditamos nele. Ao começar pela língua.

Eu tenho sex-appeal
Saca só meu background
Veloz como Damon Hill
Tenaz como Fittipaldi
Não dispenso um happy end
Quero jogar no dream team
De dia um macho man
E de noite, drag queen…
Venha provar meu brunch
Saiba que eu tenho approach
Na hora do lunch
Eu ando de ferryboat…(7x)

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Carolina Rodriguez
Outras matérias

28 anos, jornalista e técnica de museologia. Música e escritora de ficção nas horas vagas.