Harim Britto
outras perspectivas
5 min readAug 16, 2015

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Os boiadeiros, do xilogravura de J. Borges. (http://j.mp/1DXyqut)

Você talvez esteja se mobilizando para sair às ruas neste domingo, dia 16. O lado que você irá defender ou atacar, propriamente não me diz respeito: Seguirei a máxima voltaireana e dentro das minhas possibilidades estarei defendendo o seu direito de fazê-lo. Mas antes quero emitir uma singela opinião a respeito dessas manifestações.

Antes, digo que por princípio, jamais anularei o meu voto ou votarei em branco. Mesmo nos cenários mais difíceis sempre procurei confiar meu voto num candidato que apresentasse um projeto mais próximo do qual idealizo para sociedade, ou pelo menos se aproxime dele. Nestas eleições de 2014 apoiei publicamente a candidatura de Dilma Rousseff no segundo turno. Acreditava que dentre as duas opções abertas para minha escolha, a escolha seria a Dilma por questões de afinidade. Passadas as eleições, a tal ‘guinada à esquerda’ não aconteceu e parte dos meus anseios foram liquidados nas reformas econômicas e políticas propostas pela nova equipe da Fazenda.

Acredito que muitos como eu foram preteridos em nome de uma governabilidade, que sabemos bem, não se sustentou. Um cenário difícil, composto por um governo que reúne em um mesmo palanque adversários históricos em torno de uma coalisão cujos impactos para a jovem democracia brasileira ainda será objeto de pesquisas e muitos textos.

Medidas impopulares, desconstrução de políticas públicas e a ameaça de direitos históricamente constituídos talvez seja o pior legado deixado por esse governo. Os índios, o meio ambiente, os pequenos agricultores, os estudantes e professores sabem bem do que estou falando. Isso para ficar apenas com os acontecimentos mais recentes. Temos ainda a investigação em curso de um escândalço envolvendo uma das maiores estatais do país — a Petrobrás — cujos indícios de corrupção institucionalizada envolve partidos políticos e empreiteiras.

Os indícios de corrupção nos dois governos em questão são tão fortes quanto nos governos de FHC e Lula, entretanto chama atenção as quantidade de manobras que foram tentadas até agora para criminalização direta de Dilma, especialmente após as últimas eleições. Inicialmente tentaram vincular uma responsabilidade direta no escândalo da Petrobrás, mas não se conseguiu comprovar nada até então; depois, com as intensificações das investigações, a hipótese do caixa dois, que demonstrou ser prática comum aos partidos e por isso ficaram na mesma, tendo inclusive partidos oposicionistas votando juntamente com o PT; agora, essa celeridade para votação das contas pelo TCU, que não votou as contas de nenhum outro presidente nestes últimos 20 anos, quando se sabe muito bem que as tais ‘pedaladas’ também foram praticadas pelos antecessores, sem ônus para nenhuma das partes… Enfim, se ela estiver no erro que caia, mas esse discurso oposicionista travestido de preocupações republicanas e democráticas não consegue me convencer. No fundo, soa para mim como estratégia de um mau perdedor.

Mas, e a crise?

Bem, o país está de fato mergulhado em uma crise. Uma crise econômica, sem dúvidas, mas sobretudo, política. Se por um lado estamos vendo o desfecho de um projeto de poder petista (desenhado no início da era Lula) por outro, vemos também os ecos de uma crise econômica mundial, que só agora chegou mais fortemente ao Brasil. Some-se ainda aos impactos econômicos, jurídicos, políticos e sociais que ainda não foram devidamente calculados desta onda de corrupção. O sentimento é de indignação e as pessoas tem todo o direito de se rebelar. É justo.

Esse preâmbulo foi feito para contextualizar essas marchas, que desde 2013 vem acontecendo com alguma frequência. Dos atos do MPL até as marchas antipetistas, o que vemos é uma movimentação mais intensa da população em busca de reinvidicações, e isso é uma coisa muito boa.

Neste domingo, uns irão para defender o impeachment de Dilma Roussef. Para esse grupo, ela merece ser destituída do cargo de presidente pelos indícios de corrupção em seu governo (que são muitos, embora nenhum a envolvendo diretamente), pelos escândalos em que seu partido figurou como pivô e agora, pelo desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Outros por sua vez, irão às ruas para defender um governo que, em que pese as acusações de corrupção que vem sofrendo pelos seus detratores, não conseguiram até o momento em que redijo esse rascunho, comprovar uma acusação sequer contra a presidente ou o seu vice, e a falta dessas comprovações inviabilizariam todo o processo.

Levando em consideração ainda a existência de uma oposição que tem o apoio dos grandes grupos midiáticos — tradicionalmente ligados a uma visão mais conservadora — que sistematicamente noticiam os avanços das investigações, porém com cores mais fortes quando se vincula a imagem do PT. Essa miopia jornalística pode ser melhor acompanhada nesses estudos feitos pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP), da UERJ. Para mim, isso representa uma desconfiguração do que podemos falar sobre a função do jornalismo, de informar e esclarecer a população. Ao mesmo tempoo, cria um sentimento de golpismo que não cabe à imprensa ( o tal 4 poder) tampouco aos partidos opositores. Paradoxalmente, esse comportamento da imprensa cria também a imagem do que eu chamo de partido-mártir, criando um cenário injusto em que o PT acaba levantando um discurso de perseguição e inocência que sabemos não se sustentar.

Sem a autocrítica do PT pelos seus erros e desvios (que outrora diziam ser características da ‘direita’) e uma oposição de fato atuante e combativa pelo povo (não apenas votando e legislando contra o PT) e uma imprensa realmente comprometida em apurar os fatos, fica difícil legitimar qualquer lado que seja.

PS: Não concluí o texto no tempo no tempo previsto, então faço um adendo para o dia de hoje, levando em consideração que a passeata aqui no Recife aconteceu na Avenida Boa Viagem, próximo de minha casa:

a) O PSB, mandatário da Prefeitura da Cidade do Recife e do Governo do Estado, foi eleito sob a sombra do finado Eduardo Campos e também pelo discurso antipetista. Nestes dias, a Polícia Federal deflagrou uma operação denominada Fair Play, que investiga os indícios de superfaturamento na construção da Arena Pernambuco construída pela Odebrecht. O comitê gestor eram chefiados na época pelo Geraldo Júlio e pelo Paulo Câmara (Prefeito e Governador, respectivamente). Sabiamente, eles mantiveram distância do evento. Mas outros foram.

b) A imprensa local, na semana passada, tratou de levantar a hashtag #semanaeduardocampos com missas, lançamentos de livros, exposições e discursos. Infelizmente foi dado pouca atenção a este escândalo e aí volto novamente à questão da ausência de autocrítica em nossos políticos de uma forma geral.

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