A panela que frita sem óleo da polishop

Jéssica Motta
Outro desabafo
Published in
4 min readJan 20, 2014

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É sempre preferível ser cru, do que cozido.

Se eu fosse uma pessoa crua, não teria essa pré-disposição a qualquer coisa, o tempo todo. Parece que eu sempre tendo a algo, como um Uno com o pneu direito furado, pendendo pra direita, pesando a direção, deixando a viagem mais propícia a blitz na beira da estrada.

Sou uma pessoa cozida, frita, assada, grelhada, marinada, flambada, empanada e diria até esquentada no micro-ondas pela vida. Não, isso não me torna experiente, maravilhosa, cheia de certezas sobre a vida. Me torna simplesmente com características fisiológicas diferentes de uma simples carne crua.

Estou sempre tendendo a perder minha umidade natural, devido ao tempo que passei no micro-ondas. Tendo a criar crostas, devido ao tempo que passei na grelha. Tendo até a inchar toda, devido ao tempo que passei sendo cozida a fogo baixo. Tá aí o porque não consigo emagrecer! Tireoide o escambau.

Hoje tive a oportunidade de me foder um pouco mais. Eu sou assim, me fodo mesmo. Da maneira mais polida e com cara de beata de todas. Como uma punheta no travesseiro de uma adolescente virgem. Foi quando me dei conta de tudo, um de meus momentos epifânicos, e tudo ficou mais claro. O que tendo sempre a fazer, em situações semelhantes e o quanto isso tem a ver com o tempo que passei em algum micro-ondas por aí.

Ela é a pessoa mais crua que eu já conheci. Apesar de ter passado por alguns fogões pela vida. Permanece crua, como uma carne de segunda, difícil de cozinhar. Essa é a melhor qualidade e o pior defeito dela. Ser, em todos os aspectos, crua. Ela não tem tendências, ela vive um dia depois do outro, sem pensar o que vai fazer amanhã. Lindo. Ela também tem dificuldade em aprender com as experiências, e muitas delas, nem teve a oportunidade de passar ainda. Ela vive um dia depois do outro, sem pensar no que vai precisar amanhã. Péssimo. É aí que eu entro, apoio, suporto, sei exatamente quem ela é. Daquelas pessoas que ela pode contar pra emprestar o dvd do scracho autografado.

Notei hoje de onde estão surgindo algumas reações minhas. Tão simples, não sei como não pensei nisso antes.

Quando há uma história envolvida, sempre haverá a noção tendenciosa da nossa visão de tudo. Como quando a nossa mãe fala sobre o papai noel e sobre como ele entra pela nossa chaminé, entregando presentes no fim do ano. Entramos no shopping aguardando pra sentar no colo do papai noel, loucos pra perguntar como a pança imensa dele cabe na nossa chaminé, sendo que nem temos uma. Se não fossem as histórias contadas, ele seria só um velho de vermelho, passando calor no nosso verão de 40°C. Só. A visão é totalmente nos passada e nem notamos.

Eu não estava levando em consideração o quanto eu passei por cima de vários fogões, panelas, frigideiras, micro-ondas, panela que frita sem óleo da polishop, jeorge foreman grill, pra estar ali, podendo levar ela comigo, cuidando e tendo o seu apoio sempre. Eu às vezes não me respeito, não sei meus limites. Acho que sou capaz de tudo e nem sempre sou. Acho que sou forte, magnânima, e, logicamente, não sou nem perto. Sou um bife de colchão de dentro simples e sem tempero pronto.

Tudo que eu passei tem sim um peso em tudo que eu faço, e eu não estava me dando conta do quanto. Como se na minha cabeça eu estivesse sempre um passo adiante. Como se os fornos me devessem algo, sempre. Todos os micro-ondas do mundo não tem que reclamar de nada porque eu sou quem passou o perrengue de hidrolisar toda água existente em mim no intuito de sobreviver e sair quente dali, pronta pra digestão.

Pode ser que teoricamente isso seja real, mas não posso querer um tributo a mim só por ter tomado uma decisão madura. Eu perciso ser adulta pra decidir e lidar com a decisão. O maduro está em lidar com o que decidimos, decidir, até um ipod shuffle decide músicas por nós, se a gente quer trocar ou manter o que foi proposto é outra história.

Pronto. Saiu um peso enorme das minhas costas. O peso do auto-conhecimento. Nossa, como é doida essa coisa que a gente chama de vida. Doido mesmo é ter um texto sobre ela e eu ter a certeza de que ela não vai ler, e se ler, não vai chegar nessa parte, certamente. Por isso posso falar livre, com pingos nos i’s. Se ela ler, que saiba o quanto é responsável pelo meu amadurecimento como pessoa. O quanto o cru dela, desenvolve o meu cozido. E isso não é fácil, eu não sou fácil. Ela também não, mas espero que aprenda comigo a não temer um bom fogão de seis bocas. Porque se ela precisar, vou estar aqui pra segurar sua mão.

É sempre preferível saber que é apenas carne.

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