Não é você, é um dos meus eus

Jéssica Motta
Outro desabafo
Published in
4 min readDec 16, 2013

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Não sou uma pessoa de Pou.

Sabe o Pou, aquela versão de tamagoshi pra android? Esse mesmo. Sou do tempo do tamagoshi, que minha mãe nem me deixava ter, dizia que escravizava a gente. O pou é igual, talvez minha mãe tivesse razão. Pous e tamagoshis de fato escravizam pelo menos a atenção da pessoa.

Desde que comprei um android pra mim, instalei diversos aplicativos, pra várias coisas inúteis, que uso de variadas formas. Esse Pou não instalei. Inclusive pensei em instalar, acho fofo. E é mesmo. Pena que tenho certeza de que em uma semana mataria o pobre de fome, falta de banho, falta de amor.

Não que eu seja a pessoa mais ocupada do universo, que não tenha tempo pra parar e jogar um teatris na fila do banco. Acontece que na fila do banco eu conto meu dinheiro. No ônibus eu escuto música. Na rua eu penso merda. Em casa eu como merda. Entende? Minha vida é cheia de mim, não tem espaço pra pou. Nem pra nada. E cada vez que ela se renova (coisa frequente), vem mais de mim e menos do resto. Jamais terá espaço pra tamagoshi.

Ai noussa que horror jéssica, egoísta, pessoa horrível, endemoniadaaaaaaaa!

Pode ser. Só tento ser realista dos fatos. Realista não do tipo matrix, vendo as coisas na realidade paralela que quero ver. Realista, realista. Realismo daqueles pintores que expressam o cru de uma pessoa no retrato, não deixando de fora as partes tortas e feias. Feio aliás é um conceito completamente relativo. O feio pra mim é o humano puro que ninguém aceita. Como Teseu tapando os olhos frente ao minotauro.

Estava ouvindo uma música e cada frase fez o sentido mais cruel que existe em mim. Aquele que eu não admito nem com tortura medieval. Parece que a música vem e arranca as verdades absolutas da gente de uma vez só! O ritmo funciona como um meio de osmose entre as verdades e as barreiras. Sem perceber, a música já fez todas as trocas salinas que estavam disponíveis e eu nem vi, quando vi já ressequei, já tem mais música em mim e verdade fora de mim. Sem contar aquelas músicas completamente fagocitóticas, que englobam a gente inteira e não sobra nada. Dessas eu já desenvolvi flagelos pra fugir. Sou quase um espermatozóide da verdade absoluta.

É tão feia essa parte de mim. Essa que ninguém vê. Ela pesa 300Kg, tem estrias de tanto se esticar, careca, sem sobrancelha, metade humana, metade peixe. Um monstro. Não mostro pra ninguém. Ao mesmo tempo que eu odeio essa parte, nutro um cuidado, escondendo pra que ninguém aponte o dedo pra ela, machuque, joge pedras. É estranho. Como um dragão de estimação.

No momento que ela fica um pouco a mostra, me encho de espinhos, desembainho a espada, tudo pra protege-la. Não sei nem porquê. Mas faz parte de mim. Puro instinto.

Às vezes a gente é meio animal mesmo, agindo só por sobrevivência. Às vezes humano, escondendo que age só por sobrevivência. Nessa vida, nessa sociedade, não vale a lei do mais forte, vale a lei do melhor disfarce.

Além do monstro eu tenho uma outra parte, linda. Uma princesa. Nobre, que sente, que ama, que cuida de quem tá perto. Ela eu protejo também, inclusive muito mais. Ela, menos gente ainda vê. Ela eu dou minha vida pra salvar. Guardo quase que só pra mim. Mas ela tá lá. Amando sempre, cuidando sempre.

Quando eu penso na minha caminhada pela vida, tenho meia dúzia de certezas. Basicamente três, quem eu amo agora, quem eu amei, e quem eu vou amar. Quem eu amo só eu sei. Talvez ela saiba no fundo. Quem eu amei, sabe que foi amado. Quem eu vou amar, sei também. A mim. Essa é a certeza maior de todas. Mais forte que todas as outras duas.

É muito confuso ter essas coisas certas e agir de uma maneira engraçada a respeito delas. Engraçada mesmo, acho graça. Ajo como se eu não soubesse. Mas sei. Agir como quem sabe é muito difícil, não to afim.

Meus monstros particulares ficam ali, cada um pro seu lado. Em situações adormecidos, em situações expressados. O que mudou de um tempo pra cá é eu saber da existência deles, e pesquisar na internet um EAD pra aprender a alimentar, domar, treinar e anestesiar.

Essa vida de auto-conhecimento ao longo dos anos é doida. Ainda mais eu, que não sou complicada mas as pessoas não me entendem. Sou como um sistema binário de um computador. No fundo só tenho números 1 e 0, mas quem acessa, encontra um software desenvolvidíssimo, difícil de mexer. E não é, quem conhece informática, sabe que sou só uma sequência besta de dois números. Repetidos eternamente.

Essa é a graça de se aprender. Bater a cara na parede até ver que sujou a resposta de sangue, que já tava ali, escrita de giz. Escrita por, sei lá, Jah. Não exija tanto assim das minhas metáforas.

É tanta coisa pra descobrir, me sinto Indiana Jones do auto-conhecimento. E me perguntam porque não tenho tempo pro Pou.

Desculpa mesmo Pou, não é você, sou eu.

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