Na rotina dos bares

Flávia Vasconcelos
outro lado
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2 min readJan 3, 2019

A rotina dos bares não me traz mais você.

Agora frequento outros lugares. Não tenho mais a expectativa de te encontrar porque você está longe, falando alto e contando histórias em bares também distantes. E me pergunto se essas histórias me incluem, e se incluírem se você muda meu nome, diz que foi uma amiga, ou se tenho um codinome. Se não contar vou entender, eu mesma não reviro esses episódios.

E aquele bar que nos rendeu tantas histórias, juntos e separados, agora vive só na memória. O estabelecimento segue inalterado, com as velhas cadeiras de plástico amarelas, os copos americanos enfileirados e as caras tão comuns, mas não é mais o mesmo. É como um texto ressignificado.

Poderíamos entrar agora por aquela mesma porta como antes e seríamos estranhos. Alheios. Seria triste, como aquele prato saboroso na memória, mas que quando provado novamente é insosso. Porque um lugar é mais do que o conjunto de todas essas coisas que já falei, é mais do que o concreto. É atmosfera. A atmosfera é reflexo da nossa sintonia. E nós nos distanciamos.

Às vezes me perguntam de você com receio, como se eu fosse desmoronar. Como se eu não suportasse aquelas paredes sem você. A verdade é que se essas paredes falassem me delatariam das tantas vezes que te procurei por lá, das tantas vezes que te maldisse e logo depois me arrependi.

Hoje não entro por aquela porta porque alguns lugares, por mais queridos que sejam, não nos cabem mais. As pichações no banheiro já são outras e até apagaram aquela que eu gostava.

Ainda tem samba até de manhã, cerveja barata e gente agradável que ri a toa e faz amizade fácil. Mas como eu disse, não mais me cabe.

Eu sei por onde e com quem você anda, esse espaço também não me cabe. E quando eu falo em saudade não me refiro — somente — a você, mas à atmosfera toda, ao beijo embriagado e às mãos que se encontram quase involuntariamente entre as conversas até o dono do bar dizer que é a última rodada.

Depois daquele último encontro eu nunca mais tive a sensação de que a noite fugiu. Quando a luz do Sol dá os primeiros sinais parecendo que a noite saiu à francesa, de fininho, e a festa acabou cedo demais.

Nunca mais te procurei e nem senti frio na barriga ao te ver chegando.

Eu nunca mais senti muita coisa.

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Flávia Vasconcelos
outro lado

Bugrina, das letras, 24 anos de sonho, de sangue e de América do Sul.