O que um corpo carrega

Flávia Vasconcelos
outro lado
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2 min readFeb 2, 2019
Ashvini Ray

Reconheceria seu corpo em outras vidas.

E isso nada tem a ver com estética ou beleza externa, mas sim com o tato. Até seu toque, mesmo se não pudesse ver seu rosto. Eu reconheceria.

O que um corpo carrega é muito único. É o resultado de todos os encontros.

Dois corpos que se encontram não são uma conclusão, são o início de uma infinidade de portas que se abrem em uma série de possibilidades. Uma porção de cargas físicas e emocionais que mudam a pele, mudam as sensações.

Agora pondero o que poderia ser pior: viver sabendo como é seu toque e angustiar a iminência de um próximo encontro, ou se seria ver passar o tempo sem nunca ter conhecido, sem experienciar todas aquelas sensações inéditas, sem nunca ter arriscado, dando o benefício da dúvida de que talvez nem combinássemos.

E essa multiplicidade de possibilidades que se abre dá margem tanto mais para as inseguranças do que para as certezas. Porque a distância faz os corpos esfriarem. E embora exista a esperança sempre presente de que a próxima vez guardará o mesmo calor, ainda assim o tempo pode ter trazido outras pessoas, pode ter apresentado outros corpos que mudam o nosso próprio, e nenhum toque mais é igual.

Preciso confessar. Tenho medo que em um desses encontros você esqueça meu toque. Temo também esquecer o seu, mas acho isso quase impossível. Te guardo como se fosse o sabor daquele último pedaço do doce preferido que a gente nunca quer esquecer.

O corpo guarda lembranças que a mente esquece. Ou que a mente acha que esqueceu, mas ainda estão ali. Mesmo que a minha mente falhe, meu corpo carrega a lembrança. E mesmo que eu ache que não me lembro do seu toque eu vou sempre saber.

Meu corpo sempre vai guardar a sensação daquele dia. Nós dois sentados contemplando seja lá o que fosse. O mundo não tinha começo ou fim, nem distância ou saudade, até meus demônios estavam em paz. Não sei bem como explicar, mas eu sinto todas as coisas bonitas que você me apresentou. Que me marejam os olhos. Que tem gosto de sábado à tarde.

No silêncio das nossas manhãs eu prometi pra mim mesma nunca esperar que você não mais conhecesse outros toques. Mas estaria mentindo se dissesse que não espero que lembre sempre de mim. Assim como lembro de você.

Porque nenhum toque é o seu e porque eu queria que fosse.

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Flávia Vasconcelos
outro lado

Bugrina, das letras, 24 anos de sonho, de sangue e de América do Sul.