Especial Educação e internet no interior
2. O cotidiano na escola de uma comunidade quilombola no Sertão
Dificuldades financeiras para comprar pacotes de dados estão entre desafios enfrentados por famílias que tentam manter filhas e filhos estudando online
Géssica Amorim (texto e fotos)
Na comunidade quilombola Teixeira, zona rural do município de Betânia (394 quilômetros do Recife) professores e alunos da Escola Padre Eurico Frank, que atende estudantes do ensino infantil e fundamental das mais de 300 famílias da comunidade, estão tentando se adaptar à nova dinâmica online.
Os irmãos Maryse Istefany, 10 anos, e Jhonatam Samuel, 8, (5°e 3°anos do fundamental) têm acesso à internet em casa, mas para acompanhar as chamadas de vídeo que são realizadas uma vez por semana com os seus professores e colegas de classe, precisam dividir o celular da mãe, a conselheira tutelar e presidente da Associação de Moradores de Teixeira, Mailza Maria dos Santos Costa, 30. “Às vezes, acontece de eles terem videochamadas ao mesmo tempo. Aí eu peço para as professoras esperarem um pouco depois da aula, pra que eles consigam acompanhar e saber sobre o que foi passado na aula e tirar alguma dúvida”, conta Mailza.
As atividades complementares dos pequenos são enviadas todos os dias, em anexos disponibilizados em grupos formados no aplicativo de mensagens Whatsapp, que reúne todos pais dos alunos de cada turma da escola. Sobre como os filhos têm se adaptado a esse novo sistema e como têm respondido ao que é proposto pelos professores sem um contato direto, Mailza se diz preocupada. “ Samuel, mesmo, regrediu muito. Não é a mesma coisa da sala de aula. Ele leva meio na brincadeira. Acredito que com as crianças dessa idade deve ser assim, infelizmente. Ainda é tudo muito novo, eles estão perdendo bastante”.
Em Teixeira, os alunos que não têm wifi precisam usar dados móveis para ter acesso ao conteúdo disponibilizado pelos professores. É o caso da estudante Marta Daniele dos Santos, 9 anos, 3° ano do fundamental, que utiliza o celular da sua mãe para participar de chamadas de vídeo e receber as atividades enviadas pela sua professora. Como não tem internet em casa, a mãe de Marta, a agricultora Josefa Eva dos Santos Clemente, 30, compra créditos para o seu número de celular sempre que possível, para que a filha consiga estudar durante este período.
O problema é que os créditos acabam rápido quando Marta precisa participar de alguma chamada ou assistir a alguma vídeo aula. Segundo a sua mãe, Josefa, quando é possível, são gastos aproximadamente R$ 12 a cada vez em que os créditos acabam e é necessário utilizar a internet. Pensando em valores de planos básicos oferecidos por empresas que fornecem o serviço, imaginamos que seria mais fácil e compensatório investir na contratação de um pacote de banda larga que possibilite uma conexão contínua para facilitar os estudos de Marta, mas a renda instável da família não garantiria o valor integral do que seria cobrado todos os meses, nesse caso. Josefa e o seu marido, Josildo Manoel Clemente, 41, são agricultores, não têm um salário fixo e, além de Marta, têm mais duas filhas: Jamile dos Santos, 12, que está no 6° ano, e Josiérica Josefa dos Santos, 17, que está no último ano do ensino médio.
“Ela se estressa, deixa o caderno pra lá, quando não consegue fazer a tarefa, aí fica difícil. Mas irmãs dela ajudam. É que tem muita coisa que ela ainda não viu, coisa que é novidade. E, sem ajuda da professora, ela não consegue resolver sozinha pra mandar de volta”, conta Josefa, sobre a dificuldade da filha, não tendo uma orientação direta por falta de recursos.
Em entrevista online, a professora Elizabeth Teles, 45, que trabalha dando aulas para o 3° ano do ensino fundamental da Escola Padre Eurico Frank, em Teixeira, conta que esse período tem sido difícil também para os professores e diz ter consciência das perdas durante o período de adaptação ao sistema remoto. “ Olha, a gente teve que reaprender a lecionar. Tivemos que nos adaptar a uma realidade para a qual não fomos preparados. Nos deparamos com algo novo e as ferramentas e o auxílio para lidar com isso são escassos. A gente sabe que há perda. Os alunos recebem as atividades, mas a gente sabe que as atividades e os horários não são cumpridos por diversos motivos, que estão relacionados às necessidades de cada um”.
A secretária de educação de Betânia, Espedita Leite, 42, reconhece as dificuldades de alunos e professores com relação ao ensino remoto no município, mas diz ser satisfatória a resposta que tem recebido.“ Veja, no geral , as aulas remotas não seriam o modelo de aula que a gente queria, mas é o formato possível para mantermos o vínculo do aluno com a escola e ofertar a aprendizagem que lhe é de direito. E tem dado certo, recebemos as devolutivas de atividades realizadas pelos nossos alunos que são excelentes, percebemos que a aprendizagem está acontecendo”, afirma.
Segundo o Conselho Nacional de Educação, atividades realizadas à distância podem ser aproveitadas nos cronogramas escolares, contanto que o aproveitamento seja autorizado pelas autoridades educacionais dos estados ou municípios. Tais autoridades, ao concordar que as aulas continuem de forma não presencial tendo a sua carga horária aproveitada, devem trabalhar para proporcionar o acesso de todos os estudantes ao aprendizado. Ainda segundo o Conselho Nacional de Educação, como o ensino a distância precisa de metodologias específicas, as escolas devem adotar ferramentas próprias de fornecimento do conteúdo e acompanhamento, contribuindo para a participação e aprendizagem efetivas dos alunos.