A vida nua de Rosa Maria

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OVA UFPE
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5 min readJul 8, 2020

Sem água, saneamento e banheiro em casa, agricultora vive com seis filhos, cinco netos e um bisneto: a pandemia lhe trouxe um respiro, o auxílio de R$ 600

Géssica Amorim (texto e fotos)

Rosa, que trabalha desde os 7 anos e vive em uma casa emprestada, contava apenas com os R$ 170 do Bolsa Família

Passamos os últimos meses ouvindo o mantra: lave bem as mãos com água e sabão. É, nos alertam, uma das principais maneiras de evitar o contágio da Covid-19. Mas o que parece ser bastante simples para muitos é impossível para uma parcela formada por cerca de 32 milhões de pessoas no Brasil, gente vulnerável que não tem acesso a água encanada. A maior parte está no Nordeste: são mais de 11 milhões de pessoas (37% de toda a população que não tem acesso à água). Esse é o caso da família da agricultora Rosa Maria da Silva, 59 anos, moradora da zona rural do distrito de Sítio dos Nunes (em Flores, sertão de Pernambuco).

Família não tem acesso a banheiro, o que torna ainda mais difícil manter as condições de higiene durante a pandemia

Há quase 20 anos, Rosa Maria e sua família vivem na antiga fábrica de tijolos do distrito, que foi desativada no ano de 1999. Em 2001, o espaço foi cedido a Rosa Maria pelo dono da propriedade onde a fábrica foi construída, João Ivonaldo, 75. No local, estão abrigados Rosa, seis filhos, cinco netos e um bisneto de apenas dois meses de vida. Os cômodos do galpão, que hoje é a casa da agricultora, foram divididos por ela, fazendo uso de cortinas e lençóis pendurados em arames. São 6 quartos, uma sala, cozinha, uma área de serviço e um lugar para tomar banho. Não há um banheiro com vaso sanitário e nem uma pia. Para a realização das necessidades fisiológicas, a família utiliza um terreno vizinho à casa. Para beber, cozinhar e tomar banho, Rosa e seus filhos utilizam a água de um poço da mesma propriedade.

Quartos, sala e cozinha são delimitados por lençóis. Ravi, de 2 meses, é o novo integrante do lar

Apesar de no Brasil o saneamento básico ser um direito assegurado pela Constituição e definido pela Lei n°.11.445/2007, em 2020, em meio a uma pandemia, Rosa Maria da Silva, além de não ter abastecimento de água, não dispõe de um sistema de esgotamento sanitário, o que dificulta a aplicação de medidas básicas de higiene, importantes para prevenir o contágio da Covid-19. E as razões vão desde o fato de Rosa e a sua família morarem num espaço cedido pelo dono da propriedade até a falta de dinheiro para solicitar o abastecimento da água e pagar pelos seus custos mensais.

Mesmo trabalhando desde os 7 anos, a agricultora ainda não conseguiu se aposentar (por ter trabalhado formalmente como gari, durante 4 anos, na prefeitura do município de Flores. Ela teria que contribuir por mais 11 anos, para se aposentar pela idade ou por mais 26 anos para se aposentar pelo tempo de contribuição). Hoje, ela é beneficiária do programa social Bolsa Família e recebe mensalmente o valor de 170 reais. “Só dá pra comer e pagar a energia. Quando dá certo, eu vendo umas galinhas, os meus meninos quando arrumam serviço me ajudam, ou alguém da rua me dá uma feira, alguma coisa, e a gente vai se virando. Mas dinheiro certo, é só esse mesmo”, diz.

Apesar da precariedade, família de Rosa busca manter alguma delicadeza cotidiana: a casa varrida, a garrafa de café, as panelas areadas

Rosa Maria da Silva integra o número de 13,9 milhões de famílias beneficiárias do Bolsa Família e que agora, durante a pandemia, recebe o valor de 1.200 reais disponibilizados pelo Auxílio Emergencial, benefício financeiro criado para o enfrentamento da crise causada pela pandemia da Covi-19. A agricultora, que divide o valor do auxílio com um de seus filhos, conta que o dinheiro tem ajudado bastante nas despesas, mas lamenta o fim da transferência, prevista para o mês de agosto. “Eu dou 600 reais a um dos meus meninos, mas já ajuda bastante. É uma pena que vai acabar. Se fosse a vida toda, seria bom. A vida mudava”.

Antiga fábrica de tijolos foi cedida há 20 anos para a agricultora e seus filhos

Ana Francisca, 16, uma das netas de Rosa Maria, é mãe de Ravi Silva, de dois meses. Ela, o pai de Ravi, o namorado Rosival Santos, 19, e o filho, moram em um dos cômodos da antiga fábrica de tijolos. Ana não trabalha e nem estuda. Rosival trabalha nos plantios de tomate, na região. Quase todo o dinheiro do seu trabalho vai para a compra de fraldas, para alimentação e para os gastos com a saúde de Ravi. Ana fala sobre a dificuldade de cuidar de uma criança de dois meses durante a pandemia, sem água para manter uma higiene adequada. “É difícil, a gente tem que pegar água no poço, pra dar banho. Pra lavar roupa, também. Criança, a gente tem que limpar direto, quando faz xixi, cocô. Ainda mais agora, que o cuidado tem que ser dobrado. Tem que ter água aqui toda hora”.

Clebson mostra os quartos improvisados que transformam em lar o que antes era um negócio

O boletim epidemiológico de Flores, atualizado ontem (7), traz os números de 46 casos confirmados para a Covid-19, 39 recuperados, 129 descartados, 20 em investigação e 2 óbitos, em todo o território do município. Em Sítio dos Nunes, o paciente que foi registrado como único caso confirmado no distrito, já está entre o número de recuperados.

Rosa teve carteira assinada durante 4 anos. Por conta disso, precisa trabalhar mais 26 anos para poder se aposentar

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projeto de extensão do Observatório da Vida Agreste (OVA), Curso de Comunicação Social da UFPE/Centro Acadêmico do Agreste (CAA)