Bonita, inteligente e engraçadíssima
A modelo Mikaela Gomes da Mota, nascida em Tracunhaém, ganha o mundo e as redes com seus vídeos-diários repletos de bom humor e bastidores da moda
Jhenyfer Camila
Repórter do OVA
“Porque moléstia miss vai pra piscina de salto, hein?”
Quem disse que a moda não pode ter um toque de humor, sarcasmo e perrengues? Mikaela Gomes da Mota, modelo e atriz pernambucana de 24 anos, ganhou não só as passarelas internacionais, mas também as redes sociais com seu jeito engraçado, espontâneo e carismático. Nas redes, ela nos mostra um cotidiano menos glamouroso — mas muito divertido — do mundo da moda. No TikTok e no instagram plataformas nas quais ela acumula mais de 376 mil seguidoras/es, acompanhamos a jovem nascida em Tracunhaém (mata norte) em países como Turquia e Itália, de onde envia desde conteúdos sobre lanchinhos servidos nos sets até dicas sobre como aprendeu a falar inglês.
O que muita gente não imagina é que, por trás da graça, dos flashes e rodopios na passarela, existe também uma história de superação e resiliência.
Vinda do distrito de Belo Oriente, interior do estado de Pernambuco, Mikaela só conseguiu começar a frequentar a escola aos oito anos de idade. Sua alfabetização aconteceu em casa. Desde pequena, expressava o desejo de desfilar. “Eu já falava na escola: ah, eu queria ser modelo! Mas todo mundo ria da minha cara, né?” Apesar dos comentários negativos, ela manteve o sonho e o desejo vivos, até que, em 2014, foi vista por um scouter (popularmente conhecido como olheiro) recifense no Facebook do pai. Foi chamada para a sua primeira audição.
“Eu lembro que cheguei na fila do casting lá em Boa viagem, meu pai que me levou. Eu não tinha roupa de modelo, aí o pessoal falou ‘vai com uma blusinha branca, um shortinho jeans e um saltinho!’. Aperriei painho pra gente comprar. O salto, usei o de mainha. Tinha umas cem meninas nessa fila. Só mulherão. Só mulher chique, arrumada e emperiquitada, e eu lá… 14 anos de idade, pobre e lascada, tinha ido de ônibus e nem sabia desfilar. Quando chegou a minha vez, o pessoal pediu pra eu desfilar e eu simplesmente andei.”
Essa avaliação foi a responsável por transformar o sonho em realidade. Seu primeiro trabalho foi naquele mesmo ano, desfilando no evento Casar Noivas, uma feira anual realizada na capital pernambucana. Ela abriu e fechou a passarela naquele dia. “Desfilar com vestido de noiva é muito difícil, porque é muito pesado e muito longo, mas eu consegui segurar. Foi muito especial pra mim.”
Aos 16 anos, teve a oportunidade de viajar para São Paulo para trabalhar junto a uma agência, mas a realidade foi um pouco diferente do esperado. “Eu lembro que quando cheguei aqui em São Paulo, na primeira agência que eu participei, passei um ano sem trabalhar, sem fazer nada. As pessoas não gostavam de mim. Eles falavam que eu era difícil de lidar, não era uma pessoa ‘domesticável’.”
Outro grande desafio estava diretamente ligado ao ramo da moda. Os padrões de beleza, que já são nocivos para as “mulheres comuns”, se intensificam ainda mais sobre os corpos das modelos. “Antes, em 2016, a linguagem que o pessoal usava não era tão politicamente correta pra falar sobre certos ‘defeitos’ que eles viam nas pessoas. Se a modelo estava fora das medidas que eles queriam, eles chamavam você de gorda, falavam que você tava uma baranga horrível. “Eu, com 1,80 de altura e 50kg, não era o suficiente. Para eles eu estava gorda e faziam questão de passar isso na minha cara todos os dias, mesmo eu tendo apenas 16 anos de idade.’’
Além das palavras duras, estar longe da família e morando em uma casa junto de outras modelos, fizeram com que Mikaela desenvolvesse um quadro de bulimia. “Mas ao invés de emagrecer, eu engordei 15 kg. A gente não podia sair de casa. Éramos monitoradas, então só saímos com autorização. Quando eu tinha a oportunidade de sair, comia horrores, sem conseguir parar.” Na casa em que ela morava com outras modelos, menores de idade, existia uma plaquinha na geladeira, com os dizeres “Quadril pequeno, conta bancária cheia”. Um lembrete cruel para as meninas acordarem de manhã e lembrarem que não poderiam comer.
A experiência em São Paulo foi tão traumática, que ao terminar o período do contrato, ela decidiu voltar para casa e largar a carreira de modelo. E somente depois de um ano, com o incentivo da família e apoio psicológico, foi que decidiu voltar para o mundo das passarelas. Mas tinha algo em mente: não queria mais voltar para São Paulo. O tempo mudaria isso.
Aos 17 anos, Mikaela decidiu que iria tentar carreira internacional, e o México foi o país escolhido para começar essa jornada. No podcast Dolcevita, ela conta que viajou para o país com um pacote de feijão na mala, e que esse foi o seu alimento por quase uma semana, já que ao chegar em solo mexicano a agência estava fechada para as festas de final de ano.
Foram essas vivências e “perrengues”, que despertaram a necessidade de mostrar a realidade, já que muitos modelos iniciantes não sabem o que esperar da vida em outros países. Na maioria dos perfis de grandes top models, tudo o que vemos é a beleza e o luxo do mercado da moda. “Todo mundo mostra a parte boa, aí eu disse: pois eu vou mostrar a parte ruim. A modelo que está no meu Instagram e quiser ir pra Turquia vai saber o que acontece lá, porque eu já mostrei em 25 episódios. Foi um jeito de me rebelar contra essa falta de informação no mundo da moda.’’
Com vlogs bem humorados, Mikaela sempre mostra os atropelos e curiosidades que vivencia durante os trabalhos. “Eu lembro que eu fiz um uma vez, pra postar no TikTok. Meu marido falou ‘amor, faz! Todo mundo vai gostar’. Ai eu falei que não, que eu ia ser cancelada”. Depois de muita insistência, o primeiro vídeo foi ao ar e foi bem aceito pelo público. Porém, ainda existia um certo receio de que os clientes vissem esses conteúdos, e como consequência os trabalhos ficassem mais escassos. “Aí teve um dia que eu pensei… Eu vou postar assim mesmo”. E, para a sua surpresa, a recepção foi ainda melhor, principalmente pelos contratantes. “Hoje em dia, eles já me contratam perguntando se eu vou gravar vlog.”
Um dos maiores perrengues internacionais foi quando a modelo esteve na Capadócia (Turquia) fotografando para uma marca de vestidos de noiva. Mikaela conta que o frio era tão intenso que nem mesmo o batom conseguia trazer cor para os seus lábios. “Estava fazendo — 2 graus Celsius, estava literalmente nevando na minha cabeça. Eles queriam uma foto com a neve caindo e a modelo segurando um champanhe gelado na mão, com uma taça na outra. Eu e a outra modelo já estávamos com febre, tinha chegado em um nível insuportável. Até que eles decidiram que também iriam fotografar a noite,quando estava fazendo — 4 graus Celsius e chovendo. Além de tudo, estávamos com um vestido de noiva curto.’’
Confira esse momento assistindo ao vídeo: https://www.instagram.com/reel/C20ihziRwps/?utm_source=ig_web_copy_link
O mais incrível é que apesar de todas as conquistas e realizações, campanhas no exterior e uma boa visibilidade nas redes, Mikaela admite que seus “perrengues chiques” são o sonho de muitas pessoas que não tiveram a mesma oportunidade que ela e se mantém agradecida por tudo o que alcançou durante esses anos.
Como conselho para as pessoas que desejam embarcar nesse mundo, ela diz que é necessário um preparo psicológico, além de um suporte emocional, já que é uma profissão muito solitária. Ter um bom estudo, pois o mercado hoje em dia não quer apenas a beleza de uma modelo, mas avalia outras qualidades, como por exemplo a fluência em idiomas e uma boa comunicação. Por fim, a pergunta de um milhão de reais: “Se você não fosse modelo, o que você seria?” “Nunca imaginei trabalhar em outra coisa”.