Da aldeia ao campus
Estudantes do curso de Licenciatura Intercultural Indígena driblam vários perrengues para conseguir acompanhar as aulas no Campus Agreste
Os transportes e as longas distâncias entre o campus e as cidades de origem são um desafio para quem realiza o curso de Licenciatura Intercultural Indígena da UFPE/CAA. Diversas pessoas enfrentam até oito horas de viagem. A distância do campus até as aldeias, localizadas em municípios como Jatobá, Orocó, Carnaubeira da Penha e Tacaratu, chega a mais de 300 quilômetros de Caruaru.
O curso de licenciatura foi criado em 2009. É destinado à formação superior de professores de povos originários e foi implantado por meio de um projeto do Ministério da Educação (MEC). Ele abrange várias etnias como Atikum, Pankararu, Fulni-ô, Kambiwá, Kapinawá, Truká, Xucuru e Pankará.
O funcionamento do curso acontece de forma mista: os alunos e as alunas passam uma semana presencialmente na universidade, e, no restante do mês, realizam atividades em suas aldeias. “Possuímos uma carga horária fixa durante o dia, são oito horas de aula, sendo 40 horas de aulas na semana que estamos na universidade. Também temos a carga horária que cumprimos nas aldeias, onde fazemos trabalhos, realizamos obras”, explica o aluno Agenor Coelho, do povo Pankaiuká. O corpo docente também precisa ter a carga horária de aula na comunidade. Conforme o coordenador do curso, se trata de uma época em que os alunos recebem as visitas dos professores em suas aldeias, a cada início de semestre, para que os trabalhos realizados lá sejam avaliados e supervisionados.
As estratégias para se deslocar e permanecer uma semana no campus são diversas. Após se depararem com a rotina exaustiva dos ônibus, por exemplo, alguns alunos e algumas alunas se juntaram para fretar uma van. Essa é a realidade de Edna Bezerra (do povo Truká), Anayane Nascimento (do povo Pankaiuká) e Ailson Zeferino (do povo Fulni-ô), por exemplo. Hoje, 10 alunos do mesmo módulo gastam juntos R$ 6 mil mensais para estudarem na universidade. Para isso, também contam com uma bolsa (auxílio permanência) de R$ 600 mensais oferecida pela UFPE. “A gente vinha de ônibus, mas o tempo dobrava, eram cerca de 10 ou 14 horas para chegar a Caruaru”, relata Agenor.
Segundo Joaquim Idrizio, coordenador da licenciatura indígena, a existência de uma Casa do Estudante seria essencial para os alunos do curso, que precisam pagar um lugar para “morar” enquanto estão na cidade de Caruaru. Edna e mais quatro jovens, por exemplo alugaram uma casa que possui três quartos e dois banheiros com uma diária de R$ 100 no Alto do Moura e dividem esse valor por cinco pessoas.
“O meu grupo decidiu que o motorista da van ficaria disponível para a gente aqui em Caruaru, então ele não volta para a aldeia. Ele vem conosco, leva a gente para todo lugar da cidade e volta conosco. Enquanto ele está aqui, tem que bancar a estadia dele e a alimentação”, comenta.
Alguns alunos preferem a opção de se hospedar em pousadas perto da universidade. “Eu divido o quarto com mais duas estudantes em uma pousada, pagamos uma diária de R$ 165 no fim da semana. Junto com transporte e alimentação, gastamos em torno de R$ 700”, afirma Anayane. Da pousada, elas atravessam a BR-104 e vão a pé até o CAA.
Não há passarela, faixa de pedestre ou lombada eletrônica no entorno do campus, o que transforma esse deslocamento em uma tarefa perigosa. “Já houve um caso de atropelamento. Em uma reunião com coordenadores de cursos do CAA, discutimos formas de deixar essa travessia um pouco mais segura para os alunos”, afirma Idrizio.
Em entrevista para o OVA, o diretor do CAA, Dilson Cavalcanti, explicou que já foi feita uma reunião com a Agência de Mobilidade, Trânsito e Transporte de Caruaru (AMTTC) e a Prefeitura de Caruaru para formar uma articulação voltada para a construção de redutores de velocidade na BR-104. “Embora essa não seja atribuição da prefeitura uma vez que a rodovia é federal”, explica.
De acordo com o Presidente da AMTTC, Edson Nóbrega, a construção de uma faixa de pedestres requer ação do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT). “Vamos solicitar a instalação, não só de redutor de velocidade, como também faixa de pedestre.” Nóbrega também falou sobre a implantação de lombadas ao longo do trecho da Avenida Marielle Franco. De acordo com ele, esse trabalho está em andamento: as obras serão contrapartida de um condomínio que está sendo construído e é localizado em frente à universidade.
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