Ensino expõe as distâncias que a internet não diminui
Dificuldades de acesso e falta de contato físico tornam experiência do aprendizado um enorme desafio para estudantes e professoras
Maria Souza
Em meio a uma pandemia que confinou um terço da humanidade e criou recentes dinâmicas nas relações sociais, afetivas e profissionais, professoras e professores e alunas e alunos precisaram se adaptar às pressas a novas experiências de ensino — e sob circunstâncias difíceis. Surubim, cidade localizada no Agreste, a 118 quilômetros do Recife, também viu suas escolas (são 8 particulares, 72 públicas e 1 filantrópica) fecharem após o decreto do Governo do Estado. A cidade já contabilizou 462 casos confirmados da doença, de acordo com o último boletim epidemiológico divulgado pela prefeitura.
Como forma de tentar minimizar esses impactos, pais, mães, estudantes e profissionais do ensino — além do Ministério da Educação, que sofreu três mudanças de ministro durante a crise — propuseram discussões sobre a possibilidade de retorno das aulas de forma online. O celular e o computador, é claro, se apresentaram como ferramentas fundamentais, mas um “detalhe” se impôs: a falta de acesso a estes recursos tecnológicos, seja por estudantes, seja por profissionais de ensino.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua/Tecnologia da Informação e Comunicação (Pnad Contínua TIC) de 2018, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma em cada quatro pessoas no Brasil não tem acesso à internet (são cerca de 46 milhões de brasileiros e brasileiras). Significa dizer também que ter um celular ou um computador não é suficiente para o aprendizado. O último censo do IBGE também informa que Surubim possui um índice de 97,8% de escolarização entre alunos de 6 a 14 anos, enquanto o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM, que mede longevidade, educação e renda) apresenta uma taxa de 0,635 (dados de 2010). O número indica um Desenvolvimento Humano Municipal médio na cidade. Isso não significa que a população de 70 mil habitantes viva de maneira confortável: no segundo semestre do ano passado, os pedidos de cestas básicas para a prefeitura da cidade dobraram, fazendo com que a prefeita Ana Célia de Farias (PSB) realizasse um aditivo ao contrato para distribuição de alimentos junto ao Governo Federal.
Cursando o oitavo ano em uma escola pública, o estudante Matheus Freitas, 14 anos, conta que as aulas por meio de WhatsApp foram uma forma que alunas e alunos, ao lado das professoras, encontraram para não perder o ano letivo. O método, no entanto, não vem sendo tão simples para ele, principalmente na entrega de prazos das atividades, que precisam ficar prontas em uma semana. Ele também diz sentir falta de uma proximidade maior com professores e professoras.
Para Silvana Sabino, 29, que leciona no ensino médio há nove anos, essa realidade online de fato exclui um fator primordial no processo educativo: o contato. “Olhar no olho, tocar, estar próximo, são ações que sempre fizeram parte da minha prática educativa. A ausência disso causa estranhamento e desconforto", conta ela. Além disso, há outra questão, esta de ordem tecnológica: a má conexão. A internet de qualidade precária tem atrapalhado os momentos de interação com estudantes, conta Silvana. “Uma vez que a tecnologia torna-se a principal ferramenta pedagógica neste momento, o aluno que não tem acesso obtém um grande prejuízo. Como a realidade das escolas é composta por muitas turmas e alunos, torna-se desafiador suprir as necessidades individuais de cada um”.
Lucia Costa, 31, professora do terceiro ano do ensino fundamental em uma escola particular, concorda que o maior desafio nesse momento é não ter o olho a olho com alunos e alunas. “Nós temos contato instantâneo com os estudantes. É muito rápido sentir se eles aprenderam ou não. Com a aula online isso não é possível, estamos mais distantes”.