Estudantes do Centro Acadêmico do Agreste exibem trabalhos na Pinacoteca do Ceará

OVA UFPE
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5 min readApr 26, 2023

A mostra Negros na Piscina reúne obras de 55 artistas do Brasil e repensa as imagens de sofrimento nas representações de grupos vulneráveis

Lucas Bezerra

Registro de Gessica Amorim, Aparecida, de gibão, confronta estereótipos

Na contramão de representações midiáticas que parecem paralisadas no tempo, a exposição Negros na Piscina (até 14 de maio na Pinacoteca do Ceará, em Fortaleza) traz imagens de beleza, força, sonho, inventividade e futuro. Entre as/os 55 artistas que têm seus trabalhos expostos, três vêm do Campus Agreste da UFPE, em Caruaru. Géssica Amorim, João Gabriel Lourenço e Virgínia Guimarães conversaram com o Observatório da Vida Agreste (OVA) a respeito de suas contribuições em uma grande exposição de arte. Elas e ele estarão presentes no seminário que acontece nos dias 28 e 29 na própria Pinacoteca. Por lá, já passaram 45 mil pessoas.

“Minha obra se chama ‘cinema paisagem’ e é um registro audiovisual de uma tarde de sábado no agreste setentrional de Pernambuco, em Toritama, no sítio Matumbos”, diz Virgínia Guimarães, aluna do curso de Design (CAA). “É um desenho de felicidade em trânsito, movimento de vida, a referência é a própria vida, o inesperado que o cotidiano pode nos dar”, continua. Na produção, Virgínia conversa com seu amigo, Vinícius Tavares, estudante de Comunicação Social no CAA, enquanto ele pilota um carro. “A intenção foi fazer beleza”, explica ela, “mas a partir da beleza, a gente pode repensar várias imagens que ainda nos são colocadas e que não nos cabem”, acrescenta. Além do olhar sensível, mediado por um celular, Virgínia fez a trilha sonora no piano, também de improviso.

Cinema Paisagem compõe mostra sobre beleza e insurgência

“Quis fazer um contraste escolhendo músicas clássicas e alavancando a imagem do Nordeste como produtora de arte em si”, comenta João Gabriel Lourenço, formado em Comunicação Social (CAA) e mestrando em Antropologia na UFPE, sobre seu documentário Supercarro, também exposto na Pina. “É assim que vejo as toyotas: como arte”, afirma. O documentário coloca o espectador no lugar do passageiro, e nos faz viajar por algumas cidades do Agreste de Pernambuco. É quase como se pudéssemos sentir o vento no rosto, os solavancos do carro, a textura da estrada, as conversas paralelas, o calor do Agreste, o cansaço de quem utiliza esse transporte diariamente para trabalhar, estudar, se divertir. Também apresenta os mecânicos-artesãos. “Eu não sei fazer os bonecos (de barro), mas sei fazer um toyota”, diz Cícero José dos Santos que trabalha com o alongamento em Malhada de Pedra, zona rural de Caruaru.

O alongamento dos toyatas é arte no agreste

SERTÃO-FUTURO

Onde a poesia pode ser observada? Na conversa entre dois amigos? Em um carro? Em uma menina de 11 anos vestindo gibão? A beleza do corriqueiro não escapa aos olhos das artistas presentes na exposição. “Fiz a foto com a intenção de retratar o meu cotidiano aqui no Sertão”, fala Géssica Amorim, formada em Comunicação Social (CAA), sobre o retrato de Aparecida Porfírio. “Mas fazendo a foto”, prossegue Géssica, “eu percebi que tinha a chance de deslocar e discutir, de certa forma, a imagem do vaqueiro, do gibão, que nós temos construída há tempo”. Ela se refere, por exemplo, aos versos de Luiz Gonzaga: “No meu sertão, armadura é gibão de couro / O forte gibão, pro vaqueiro, seu tesouro / A esposa representa o gibão / Protege o seu homem, o homem trabalhador”, diz a letra de Gibão de Couro (1958). Aparecida confronta essa representação. Sítio dos Nunes (Flores), Toritama, Brejo da Madre de Deus, Santa Cruz do Capibaribe, Caruaru e João Alfredo, fragmentos de Pernambuco como cenário das obras de Géssica, Virgínia e João. Representados em fotografia, não mais como as de Flávio de Barros; em versos, não mais como os de Gilberto Freyre; em filme, não mais como de Lima Barreto.

A curadoria da exposição ficou a cargo do pesquisador e escritor Moacir dos Anjos (Fundação Joaquim Nabuco) e da jornalista e professora Fabiana Moraes, do Curso de Comunicação Social da UFPE. A diversidade de artistas de todo país, mas com foco no Nordeste, é uma marca. “O que os une é o fato de seus trabalhos sugerirem uma representação das populações historicamente subalternizadas no Brasil, como pessoas negras, indígenas, transgêneras, pobres. Em vez de imagens de dor, oferecem imagens de gozo. Em lugar da tristeza, sugerem a alegria”.

“Nós entendemos”, comenta Fabiana, “que ao exibir outras possibilidades de existência das quais fazem parte o lazer, a felicidade e o amor, mostramos também a criatividade e a beleza que muitas vezes ficam de fora quando falamos de populações marginalizadas”.

A UNIVERSIDADE COMO TRAMPOLIM

A experiência na UFPE é força motriz nas falas de Géssica, Virgínia e João. “A universidade me atravessa como um ponto de abertura da minha capacidade criadora”, diz Virgínia. João explica em que momento estava quando recebeu o convite para participar da exposição. “Estava cursando uma disciplina no mestrado que era antropologia visual, que eu por coincidência, também precisava entregar um mini-doc de cunho etnográfico” comenta e continua, “por causa dessa cadeira, decidi fazer algo mais sensorial, que era um dos temas que eu havia estudado e apresentado na disciplina”. Para Géssica, a universidade foi um divisor de águas. “A universidade me abriu muitos caminhos. Tive a chance de melhorar o meu olhar com pessoas preciosas, dos colegas aos professores”.

Na exposição, que deve circular por outros estados ainda este ano, há uma síntese do que as artistas falam: ela está em um trecho do filme Que Horas Ela Volta? Na cena exibida, a doméstica Val (Regina Casé) entra na piscina e liga para sua filha Jéssica e, animada, conta onde está: “filha, eu ‘tô’ dentro da piscina!”. Antes, Jéssica foi impedida de entrar ali.

Mas é justamente de dentro da piscina que as e os artistas nesta mostra, falam.

(O seminário nos dias 28 e 29 de abril será transmitido através do canal no You Tube da Pinacoteca do Ceará)

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A proposta do laboratório é, a partir do contexto sociocultural do Agreste Pernambuco, realizar atividades de pesquisa e extensão.